Peça de teatro Auto dos Anfitriões - Camões
Auto dos Anfitriões
Da autoria de Luís de Camões, publicada em 1587, juntamente com Filodemo, Anfitriões é composta à semelhança da comédia de Plauto Amphitruo, embora numa adaptação livre, na qual a introdução de novas personagens atrasa o desenrolar da intriga principal e acrescenta momentos de farsa, mais ao estilo vicentino.
Personagens:
Anfitrião, Almena (sua mulher), Sósia (seu servo), Brómia (criada de Almena), Belferrão (patrão), Aurélio (primo de Alcmena), o servo de Aurélio, Júpiter e Mercúrio (deuses).
Desejando Almena, mulher de Anfitrião e aproveitando a ausência do marido, que se encontrava na guerra, Júpiter disfarça-se de Anfitrião, a conselho do mensageiro Mercúrio, seu servo, que por sua vez se disfarça de Sósia, servo de Anfitrião. Com este disfarce, Júpiter faz crer a Alcmena que tinha regressado da batalha. Deste encontro vai nascer um filho "Hércules", acontecimento que vai constituir o final da comédia.
É evidente que o regresso do verdadeiro Anfitrião vai criar uma série de equívocos que o autor transforma em alguns episódios dramáticos, protagonizados por Alcmena, mas principalmente em cenas cómicas.
O clímax da peça regista-se no momento em que Anfitrião descobre o embuste, mas é obrigado a calar o seu "ciúme conjugal", na medida em que não se atreve e enfrentar um ser divino (Júpiter).
In: https://www.infopedia.pt
Excerto 1
Auto chamado dos Enfatriões, feito por Luís de Camões, em o qual entram as figuras seguintes: Enfatrião; Almena sua mulher; Sósia seu moço; Brómia sua criada; Belferrão patrão; Aurélio primo dela com seu moço; Júpiter e Mercúrio; e entra logo Almena saudosa do marido que é na guerra, e diz:
Almena
Ah, senhor Anfitrião,
onde está todo meu bem,
pois meus olhos vos não veem
falarei com o coração
que dentro da alma vos tem.
Ausentes duas vontades,
qual corre mais perigos,
qual sofre mais crueldades:
se vós entre os inimigos
se eu entre as saudades?
Que a ventura que vos traz
tão longe da vossa terra
tantos desconcertos faz
que se vos levou à guerra
não me quis deixar em paz.
Brómia, quem com vida ter
da vida já desespera
que lhe poderás dizer?
Brómia
Que nunca se viu prazer
senão quando não se espera.
E portanto, não devia
de ter triste a fantasia
porque, vossa mercê creia,
que o prazer sempre salteia
quem dele mais desconfia.
Eu tenho no coração
do senhor Anfitrião
venha hoje alguma nova.
Não receba alteração,
que a verdadeira afeição
na longa ausência se prova.
Almena
Dizei logo a Feliseu
que chegue muito apressado
ao cais e busque meio
de saber se algum recado
do porto pérsico veio.
E mais lhe haveis de dizer,
isto vos dou por ofício,
de alguma nova saber
enquanto eu vou fazer
aos deuses sacrifício.
Excerto 2
Júpiter
Tu não vês que esta mulher
se preza de virtuosa?
Mercúrio
Senhor, tudo pode ser,
que pera muito quem quer
Sempre afeição é manhosa.
Seu marido está ausente
na guerra, longe daqui.
Tu, que és Júpiter potente,
tomarás sua forma em ti,
que o farás mui facilmente.
E eu me transformarei
na de Sósia, criado seu,
e ao arraial me irei
onde logo saberei
como se a batalha deu.
E assim poderás entrar
em lugar de seu marido,
e para que sejas crido
poderás também contar
quanto eu lá tiver sabido.