Lopes, Teresa Rita - Aluna de Joaquim Magalhães

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Faro, 12/09/1937 - Almada, 14/06/2025)

Poetisa. Escritora. Ensaísta. Dramaturga. Professora Catedrática. Vulto da Academia Portuguesa. Reconhecida mundialmente pelos seus estudos sobre Fernando Pessoa. Foi aluna do professor Magalhães  no  Liceu de Faro / Escola Secundária de João de Deus nos anos 50 do século XX.
  • MESTRE, MEU MESTRE QUERIDO
Este texto foi "redigido por ocasião da comemoração centenária do nascimento do Dr. Joaquim Magalhães e lido publicamente na inauguração de uma mostra do seu espólio bibliográfico organizada pela Biblioteca da Universidade do Algarve, em Maio de 2009".
É um comovente texto de homenagem, no qual Teresa Rita Lopes, escritora, ensaísta e uma das maiores estudiosas de Fernando Pessoa, evoca com gratidão e ternura o seu mestre Joaquim Magalhães.
Entre memórias de aulas, viagens e gestos quotidianos, a autora revela o retrato vivo de um professor que ensinava pela palavra e pelo exemplo — um verdadeiro mestre do espírito e da sensibilidade.
Mais do que uma recordação pessoal, estas páginas são um testemunho da força transformadora da educação e da presença duradoura de quem fez da cultura um modo de estar no mundo.
  • Excerto 1

É com este verso de Álvaro de Campos evocando Alberto Caeiro que vou começar a desfiar algumas soltas lembranças do meu mestre Dr. Joaquim Magalhães.
Tive a sorte de ter mestres. Ouvi, há tempos, um jovem professor da minha faculdade queixar-se de não ter tido mestres e da falta que isso lhe fazia. Como o percebo. A ausência de Mestres, na nossa vida, é uma forma de orfandade – uma injustiça do Destino de que nos não consolaremos nunca. (Mas já agora acrescento o que o Campos diz, nas Notas que escreveu para a recordação do seu mestre Caeiro: que nem todo o indivíduo tem “capacidade para ter um mestre” porque, às vezes, “o mestre não tem nele nada de que o ser”. Isto para dizer que as pessoas passam, às vezes, pelos que podiam ser seus Mestres sem se darem conta dessa possibilidade).
Quando recordamos um Mestre não é apenas das suas palavras que nos lembramos: é, sobretudo, das suas atitudes – que essas palavras traduzem. E as do meu Mestre eram sempre as de quem se alimentava, no seu dia a dia, do prazer e do proveito da cultura.
Alguém como ele consegue passar para o discípulo, sem explicações, a evidência do que é a cultura, em geral, e a literatura, em particular, e do bem que nos faz.

  • Excerto 2

Falando ontem com uma amiga de toda a vida, a Maria dos Reis, que, como eu, teve aulas com o nosso Mestre, recordou ela uma pequena estória pessoal que ele nos tinha contado: muito jovem, apaixonou-se por uma rapariga de que os pais não gostavam nada. Conhecendo-o bem, seguiram o caminho não de lhe pregar sermões sobre o assunto mas de o desviar dessa paixão alimentando outra, que já então tinha: a dos livros. Tantos e tão bons lhe ofereceram que ele, inteiramente consagrado à sua leitura, se distraiu da sua paixoneta…E dela se esqueceu.
Lembrou também a minha amiga a resposta que ele deu, numa aula do nosso sexto ano, a um colega nosso que levantou a voz para exprimir a opinião de que as meninas suas condiscípulas não deviam ler O Primo Basílio, de Eça de Queirós, impróprio para raparigas. Então o nosso Mestre sorriu e disse que não concordava, que deviam ler, sim senhor, para não se tornarem outras luisinhas … Damos de presente ao nosso Mestre a recordação destas palavras que a nossa memória guardou durante já mais de cinquenta anos…De lembrança em lembrança, evocámo-lo a usar sandálias, mal vinha o verão, numa altura em que nós, as alunas, éramos obrigadas pelo nosso Reitor a cobrir as pernas com meias, ou de vidro, como então se dizia, ou de linha, até ao joelho. O resultado é que nós, as mocinhas, parecíamos uns pintos calçudos, com as meias enroladas nos tornozelos…Mas sempre a fugir do Reitor, que fazia as suas rondas de vigilância…

  • Excerto 3

Guardo dele um álbum de imagens sonoras. Numa delas, está a ler uma “cantiga de amigo”. E é tal o regalo com que o faz, que, desde então, sempre que leio ou ouço uma dessas poesias, a presença do meu Mestre vem sempre participar do meu prazer.
O gosto pelo teatro que sempre tive foi fundamente alimentado por ele. Assim é que, no nosso sétimo ano, ele se aplicou a ensaiar-nos (a mim mais a uns quantos colegas entusiastas) na longa preparação de uma representação integral do Frei Luís de Sousa.
E no ano anterior também foi ele (como era sempre, com todos os sextos anos) o encenador da nossa revista (como lhe chamávamos), em que caricaturávamos as pessoas e situações da nossa vida académica. Com o produto da venda dos bilhetes, fazíamos, no ano seguinte, o último, uma viagem pelo país a que o nosso Mestre nunca faltava. Para muitos de nós, era a primeira vez que subíamos acima de Lisboa (foi o meu caso).
Nessa altura os jovens viajavam menos e possuíam menos coisas. Por isso, no meu álbum de recordações (este não só metafórico), ele figura ao lado de paisagens e obras de arte que fiquei para sempre a amar: serra da Estrela, Nazaré, mosteiro de Alcobaça.
Nessa altura não lia jornais diários mas não falhava as crónicas do meu Mestre no Jornal do Algarve, “Os sete dias da semana”. (Já agora, aproveito para dar um palpite: a publicação de uma antologia dessas notas). As protagonistas destes apontamentos diarísticos eram as jovens árvores da Avenida. Não esquecer que, nesse tempo, o Liceu, recém construído, se erguia no cimo de um descampado e que as idas e vindas à soalheira nos faziam apetecer a sua futura sombra. O nosso Mestre todos os dias as regava com o seu olhar maternal. Seguia os seus progressos com o mesmo desvanecimento e empenho com que contemplava os dos seus discípulos.

  • Excerto 4

Mais tarde, quando comecei a publicar livros, ia sugerir ao empregado da livraria que os pusesse na montra… (Foi a Dalminda, uma dessas empregadas que mo contou. Hoje creio que já não a atenderiam. Segundo me diz um dos meus editores, é preciso pagar às livrarias para ter esse privilégio).
Tive, ainda mais tarde, o prazer de ser sua colega num colóquioem Loulé, sobre António Aleixo – de quem foi não só mestre mas “secretário”, como ele diz risonhamente numa quadra: “Tenho como secretário/ Um professor do liceu.”
E recordo que me contou, quando ainda era sua aluna, os improvisos a que assistiu e como descobriu e “secretariou” esse nosso poeta, genial mas de poucas letras.
A última vez que estive com ele foi num almoço para que o convidei, num restaurante de Faro (já se queixava do mal que o levou). E falámos das particulares feições da nossa língua, de que eu, no meu longo exílio em Paris, me apercebi com saudade. Fez-me notar que o nosso verbo por excelência é o “dar”. E desfiámos os dois as numerosíssimas expressões em que o usamos.
“Mestre, meu Mestre querido”, direi, como Campos, para terminar, bem hajas por tudo o que nos deste.

Teresa Rita Lopes
In: CATÁLOGO DO ESPÓLIO DOCUMENTAL DE JOAQUIM MAGALHÃES (1909-1999) Edição: Universidade do Algarve

Teresa Rita Lopes e Joaquim Magalhães na revista Stilus n.º 2 de 2000:
Mas não foi só na sala de aula que o seu talento se evidenciava, pois que durante dezoito anos preparou as récitas de teatro dos finalistas do Liceu (...) Alguns dos seus antigos alunos ficavam bastante surpreendidos com a forma como o Dr. Magalhães se dedicava ao teatro, explicando as cenas e imaginando as emoções do autor quando as escreveu. Ainda recentemente, na sua última homenagem pública realizada na Livraria Odisseia no dia 9 de Outubro [de 1999], a Prof. Doutora Teresa Rita Lopes e a Prof. Doutora Aliete Galhoz, recordavam com saudade alguns desses momentos em que a criatividade e a sensibilidade artística do Dr. Magalhães conseguiam fazer dos ensaios verdadeiras homenagens à arte de Talma.

Teresa Rita Lopes e Joaquim Magalhães na publicação "Rua Joaquim Magalhães" do Município de Albufeira:
Embora tenha ficado conhecido, entre outros aspectos, por ter descoberto a poesia de António Aleixo, incentivou e apoiou muitos autores algarvios, dos quais se destacam nomes como: Teresa Rita Lopes, sua aluna no liceu de Faro, onde já então escrevia peças e ensaiava-as com o seu mestre o Dr. Joaquim Magalhães (...);
Lídia Jorge [sua aluna]; Pedro Jorge, pseudónimo literário de José Madeira Bárbara, também seu aluno no liceu de Faro;
José Maria Fonseca Domingos [cujo livro Um Violino na Ramada foi prefaciado por JM] (...); Sebastião Leiria [cujo livro Cantigas de Bem Querer e Outros Versos foi apresentado por JM].


  • Autobiografia Breve

Nasci em casa
como dantes se nascia
três meses depois do meu Pai morrer
na mesma cama
em casa
como também dantes se morria.
Nunca se soube do que o meu Pai morreu
como dantes acontecia.
Nasci com a mesma sem razão
e cresci como então se crescia
com mais vagar.
Hoje é tudo mais depressa
e a memória não acompanha o passo.
Lembro-me tão bem de tanta coisa acontecida
porque na minha vida havia poucas coisas
e a memória as arrecadava todas
na sua caixinha bem guardadas.
A partir de que idade
crescer começou a ser envelhecer?
E a memória a deixar passar
a achar que se calhar não vale a pena?
Ao princípio tudo vale a pena!
Agora melhor do que viver é escrever.
Ou melhor: escrever é viver.
In:https://revistaoresteia.com/2021/06/03/1832/v

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Lopes, Teresa Rita - O Sul dos Meus Sonhos - capa.jpg Lopes, Teresa Rita - O Sul dos Meus Sonhos - dedicatória da autora.jpg Lopes, Teresa Rita - O Sul dos Meus Sonhos - Badanas.jpg Lopes, Teresa Rita - O Sul dos Meus Sonhos - CCapa.jpg

  • Alguns poemas de Teresa Rita Lopes do livro "O Sul dos Meus Sonhos":
  • O SUL DOS MEUS SONHOS

Os meus sonhos situam-se
sempre
a Sul

       Faro
       Cacela
       ou Alcoutim

cenários
da minha infância
órfã
de filha única

A esses sítios regresso
em sonho
ritualmente

    talvez para me encontrar
    com quem era
    e pressentir
    quem sou

Lopes, Teresa Rita - O Sul dos Meus Sonhos - pág 5.jpg Lopes, Teresa Rita - O Sul dos Meus Sonhos - CCapa.jpg

  • poema 2


  • poema 3



Livro Cicatriz
A escritora Luísa Monteiro considera Teresa Rita Lopes um dos maiores escritores portugueses. Refere, por exemplo, ‘Cicatriz’ como “um dos mais belos exemplares da arte da memória na Literatura Portuguesa do século XX”.


Para saber mais sobre Teresa Rita Lopes e Joaquim Magalhães:

  • Sociabilidades / correspondência / mediação cultural

Prima de Carlos Brito. Amiga de Maria Lamas, Mário Botas, Luís Lindley Cintra, Leonor Curado Neves, Luísa Dacosta, Adolfo Casais Monteiro, António Ramos Rosa, Vicente Campinas, Henriqueta Madalena (irmã de Fernando Pessoa), Francisco Simões, Eduardo Lourenço, Dias Coelho, Manuel Alegre. Foi aluna de Urbano Tavares Rodrigues (a quem deixou poemas antes de partir para o exílio e que este publicou em jornais durante esse período), tal como de David Mourão Ferreira, Joaquim Magalhães, Manuel Viegas Guerreiro, professores com quem manteve boas relações. Viveu um relacionamento amoroso com António José Saraiva.
In:https://www.academia.edu/10738905/Cat%C3%A1logo_do_Esp%C3%B3lio_Documental_Joaquim_Magalh%C3%A3es_Faro_Universidade_do_Algarve_2013


  • José Carlos Vilhena Mesquita, no seu Blog, afirma:

"Alguns dos seus antigos alunos ficavam bastante surpreendidos com a forma como o Dr. Magalhães se dedicava ao teatro, explicando as cenas e imaginando as emoções do autor quando as escreveu. Ainda recentemente, na sua última homenagem pública realizada na Livraria Odisseia no dia 9 de Outubro, a Prof. Doutora Teresa Rita Lopes e a Prof. Aliete Galhoz, recordavam com saudade alguns desses momentos em que a criatividade e a sensibilidade artística do Dr. Magalhães conseguiam fazer dos ensaios verdadeiras homenagens à arte de Talma. Como agente promotor da cultura a sua acção na sociedade farense foi a todos os títulos exemplar."
In: https://algarvehistoriacultura.blogspot.com/2009/08/


  • Na brochura de homenagem a Joaquim Magalhães pela Câmara Municipal de Albufeira:

"Embora tenha ficado conhecido, entre outros aspetos, por ter descoberto a poesia de António Aleixo, incentivou e apoiou muitos autores algarvios, dos quais se destacam nomes como: Teresa Rita Lopes, sua aluna no liceu de Faro, onde já então escrevia peças e ensaiava-as com o seu mestre o Dr. Joaquim Magalhães (GONÇALVES, I., 2006); Lídia Jorge; Pedro Jorge, pseudónimo literário de José Madeira Bárbara, também seu aluno no liceu de Faro; José Maria Fonseca Domingos, sonetista, cujo prefácio da sua obra Um Violino na Ramada, de 1992, é da autoria de Joaquim Magalhães. Em 1991, colaborou com a Câmara Municipal de Tavira, na homenagem ao músico e poeta Tavirense, Sebastião Leiria, com vista à publicação da obra Cantigas de Bem Querer e Outros Versos, proferindo a conferência de apresentação do referido livro."
In:http://toponimia.cm-albufeira.pt/documentos/Brochura%20da%20inaugura%C3%A7%C3%A3o%20da%20Rua%20Joaquim%20Magalh%C3%A3es.pdf


  • Revista A Voz da Juventude, cuja diretora foi Teresa Rita Lopes, enquanto aluna do Liceu de Faro, em 1950 e 1951

In:https://hemeroteca.ualg.pt/resources/pdf/2026616_1951-04-28_0000_capa-capa_t24-C-R0150.pdf


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