Descalça Vai Para a Fonte - Redondilha - Luís de Camões
Descalça vai para a fonte
MOTE
Descalça vai para a fonte
Leanor pela verdura;
vai fermosa, e não segura.
VOLTAS
Leva na cabeça o pote,
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata,
sainho de chamalote;
traz a vasquinha de cote,
mais branca que a nove pura;
vai fermosa, e não segura.
Descobre a touca a garganta,
cabelos d'ouro o trançado,
fita, de cor d'encarnado,
tão linda que o mundo espanta;
chove nela graça tanta
que dá graça à fermosura;
vai fermosa, e não segura
Vilancete de duas voltas, construídas sobre três versos de um "cantar velho". O pequeno poema, que é um dos mais célebres da Lírica de Camões, deve a sua sorte à simplicidade e à nitidez da descrição.
Neste poema, o eu lírico descreve Leanor, uma mulher que caminha descalça até a fonte, de forma graciosa e cheia de beleza. Ele destaca a sua roupa delicada e refinada, com o pote que ela carrega na cabeça, o cinto escarlate, a saia de chamalote, e a touca que descobre a garganta, com cabelos dourados trançados. A sua beleza é tão impressionante que "dá graça à fermosura", e a descrição transmite a ideia de que sua presença é encantadora e até espanta o mundo. A repetição da frase "vai fermosa, e não segura" enfatiza a sua beleza imbatível e a confiança natural com que ela se move, como se fosse impossível conter seu brilho e charme.
Descalça vai para a fonte - Versão de António Cabral
Áudio e
vídeo por José Fanha com Daniel Completo, na escola Tomás Cabreira, num evento das bibliotecas para alunos do 2.º ciclo da escola Joaquim Magalhães.
I
Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura:
vai formosa e não segura.
II
Se tivesse umas chinelas
iria melhor…; mas não:
co dinheiro das chinelas
compra um pouco mais de pão.
Virá o dia em que os pés
não sintam a terra dura?
Leonor sonha de mais:
vai formosa e não segura.
Formosa! Não vale a pena
ter nos olhos uma aurora
quando na vida – que vida!–
o sol já se foi embora.
Se os filhos se alimentassem
com a sua formosura…
Leonor pensa de mais:
vai formosa e não segura.
Há verdura pelos prados,
há verdura no caminho;
no olmo de ao pé da fonte
canta, livre, um passarinho.
Mas ela não canta; não,
que a voz perdeu a doçura.
Leonor sofre de mais:
vai formosa e não segura.
Porque sofre? Nunca soube
nem saberá a razão.
Vai encher a talha de água,
só não enche o coração.
Virá um dia… virá…
Os olhos voam na altura.
Leonor não anda: sonha.
Vai formosa e não segura.
ANTÓNIO CABRAL. 1931-2007. Poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa. https://www.antoniocabral.com.pt/
José Fanha. 1951. Poeta, declamador, arquiteto e escritor de literatura infanto-juvenil português. Em 2021, a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) distinguiu-o com a Medalha de Honra. https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Fanha
Daniel Completo. 1964. Cantor, compositor e autor de uma vasta e significativa obra de canções para crianças, realizada em parceria com vários escritores, dos quais se destacam: Luísa Ducla Soares, José Fanha, José Jorge Letria, António Mota, Álvaro Magalhães, Isabel Alçada, Ana Maria Magalhães. https://pt.wikipedia.org/wiki/Daniel_Completo
Descalça vai para a fonte e Venham mais cinco.
Vídeo por José Fanha com Daniel Completo, na escola Tomás Cabreira, num evento das bibliotecas para alunos do 2.º ciclo da escola Joaquim Magalhães. Aos 13s Fanha declama Descalça Vai para a Fonte (uma variação de António Cabral desta redondilha de Camões) e aos 3m25s Completo e Fanha cantam Venham mais cinco, de José Afonso, que foi professor na Escola Industrial e Comercial De Faro / Tomás Cabreira.