Banquete - Lusíadas - Canto X -Estrofes 1 a 4

From Wikipédia de Autores Algarvios
Jump to: navigation, search

457px-Tetis e o banquete dos portugueses.jpg*1 B2.jpeg*2

Banquete (oferecido aos navegantes por Tétis e restantes ninfas).

1
MAS já o claro amador da Larisseia
Adúltera inclinava os animais
Lá pera o grande lago que rodeia
Temistitão nos fins Ocidentais;
O grande ardor do Sol Favónio enfreia
Co sopro que nos tanques naturais
Encrespa a água serena e despertava
Os lírios e jasmins, que a calma agrava,

2
Quando as fermosas Ninfas, cos amantes
Pela mão, já conformes e contentes,
Subiam pera os paços radiantes
E de metais ornados reluzentes,
Mandados da Rainha, que abundantes
Mesas d' altos manjares excelentes
Lhe tinha aparelhados, que a fraqueza
Restaurem da cansada natureza.

3
Ali, em cadeiras ricas, cristalinas,
Se assentam dous e dous, amante e dama;
Noutras, à cabeceira, d' ouro finas,
Está co a bela Deusa o claro Gama.
De iguarias suaves e divinas,
A quem não chega a Egípcia antiga fama,
Se acumulam os pratos de fulvo ouro,
Trazidos lá do Atlântico tesouro.

4
Os vinhos odoríferos, que acima
Estão não só do Itálico Falerno
Mas da Ambrósia, que Jove tanto estima
Com todo o ajuntamento sempiterno,
Nos vasos, onde em vão trabalha a lima,
Crespas escumas erguem, que no interno
Coração movem súbita alegria,
Saltando co a mistura d' água fria.

BanqCad.jpg Banquetemesa2.jpg
Banquete1.jpeg BanqueteGama.jpeg

Contexto e Descrição do Banquete
No início do episódio, Camões situa o momento num cenário natural idílico, com referências ao "grande lago" e à calmaria da paisagem suavemente perturbada pelos ventos. Essa introdução reforça o contraste entre a calma divina e o cansaço humano, preparando o terreno para o banquete oferecido pelas ninfas.
Nas estrofes apresentadas, Luís de Camões leva-nos para uma cena de beleza celestial e de celebração, onde a harmonia entre a natureza, os seres divinos e os heróis da epopeia é destacada com um esplendor poético único. Este trecho, retirado do Canto IX de Os Lusíadas, insere-se no episódio da Ilha dos Amores, uma das passagens mais icónicas e encantadoras do poema.
A narrativa apresenta um momento de repouso e deleite para os navegadores portugueses após as suas árduas jornadas. Sob os cuidados das Ninfas e da Rainha da Ilha, eles são recebidos num banquete digno dos deuses, onde o amor, a beleza e a generosidade do ambiente natural celebram as conquistas dos heróis


Na estrofe 1, O Sol, já em declínio, anuncia o fim de mais um dia. O sopro suave do vento Favônio acalma a ardência do calor, trazendo frescor e revigorando a n atureza. As águas agitam-se levemente, enquanto os lírios e jasmins despertam, como se participassem da harmonia que envolve o momento.

Explicação:
O claro amador da Larisseia Adúltera: Este é o deus Apolo, associado ao Sol, descrito poeticamente como amante de Coronis (a Larisseia adúltera). Ele está no fim de seu trajeto diário pelo céu.
O grande lago que rodeia Temistitão: Referência ao local mítico nos fins ocidentais, sugerindo um cenário paradisíaco, possivelmente as terras abençoadas pelos deuses.
Favónio enfreia: O vento Favônio (Zéfiro), associado à primavera e à suavidade, acalma o calor intenso do Sol.
A imagem dos lírios e jasmins: Esses elementos da natureza são despertados pela brisa, simbolizando renascimento e serenidade.
A estrofe sugere a harmonia entre os elementos naturais e o alívio após os desafios enfrentados, prenunciando o ambiente acolhedor do banquete.

Na estrofe 2, as Ninfas, de mãos dadas com seus amantes, sobem aos palácios radiantes, convocados pela Rainha da Ilha. É-lhes oferecido  um banquete preparado com esmero, destinado a restaurar as forças de seus corpos, fatigados pelas longas jornadas e pelo desejo.

Explicação:
As fermosas Ninfas, cos amantes pela mão: Representa a união simbólica entre o humano e o divino, agora harmonizados após o cansaço da travessia marítima.
Subiam pera os paços radiantes: Os "paços radiantes" são palácios luminosos, possivelmente metáforas para o esplendor celestial ou o auge da glória conquistada pelos navegadores.
Mandados da Rainha: A Rainha, possivelmente Tétis, deusa do mar, age como anfitriã divina, reforçando o caráter mitológico e glorioso do evento. Manjares excelentes: Os alimentos são descritos como extraordinários, simbolizando não apenas a restauração física, mas também a recompensa espiritual pelos feitos heroicos.
A estrofe destaca a generosidade e a majestade do acolhimento divino, sublinhando a ideia de superação das dificuldades e entrada em um estado elevado.

Na estrofe 3, os convidados acomodam-se em cadeiras ricas e adornadas, dispostas aos pares, unindo amantes e amadas. No centro, Vasco da Gama é honrado ao lado da deusa anfitriã. A mesa é um espetáculo de iguarias finas, servidas em pratos de ouro, simbolizando a abundância e o reconhecimento da bravura dos navegadores.

Explicação:
Em cadeiras ricas, cristalinas: A riqueza e a transparência das cadeiras indicam a pureza e a elevação do momento.
Dous e dous, amante e dama: Essa organização dá ênfase à harmonia entre os géneros e sugere uma celebração do amor e da unidade.
Noutras, à cabeceira, d' ouro finas: A posição de destaque do Gama e da deusa reafirma o reconhecimento de sua liderança e a glória divina de suas conquistas.
Iguarias suaves e divinas: A comparação com a Egípcia antiga fama (referência ao esplendor da antiguidade) sublinha a superioridade das recompensas obtidas pelos portugueses.
Fulvo ouro ... Atlântico tesouro: Os pratos de ouro simbolizam a riqueza material trazida das terras conquistadas e o reconhecimento disso pelos deuses.
Essa estrofe reforça o caráter celebratório do banquete como um tributo ao heroísmo e à glória.

Na estrofe 4, os vinhos servidos superam em qualidade até os mais renomados da antiguidade, como o Falerno, e rivalizam com a própria ambrósia dos deuses. Nas taças requintadas, o vinho espumante não só encanta o paladar, mas também desperta uma alegria imediata, trazendo vida e celebração ao momento.

Explicação:
Vinhos odoríferos: A qualidade sensorial do vinho é enfatizada, associando-o à celebração e ao prazer.
Acima do Itálico Falerno: O Falerno era considerado o melhor vinho do mundo antigo. Superá-lo é um sinal de transcendência.
Ambrósia, que Jove tanto estima: Comparar o vinho à bebida dos deuses sublinha o caráter quase divino do momento vivido pelos navegadores. Nos vasos, onde em vão trabalha a lima: A referência aos vasos indica sua riqueza e perfeição, tão excecionais que não podem ser melhorados.
Movem súbita alegria: O efeito do vinho simboliza um estado de plenitude emocional e celebração espiritual.
Saltando co a mistura d' água fria: A efervescência do vinho e a frescura da água fria são metáforas para a vitalidade e renovação.
Esta estrofe sintetiza o espírito de exaltação e gratidão do banquete, colocando os navegadores num estado de comunhão quase divina.

Motivo para ler este episódio
Estas estrofes de Os Lusíadas representam um dos momentos poéticos mais importantes da obra, onde Camões combina a beleza da natureza, o simbolismo mitológico e a exaltação dos feitos humanos. A Ilha dos Amores, com o seu banquete divino, é mais do que um lugar de repouso: é uma celebração da grandeza, do amor e do espírito aventureiro que define os portugueses.
Ler este trecho é permitir encantar-se pela riqueza das descrições, pela musicalidade dos versos e pela capacidade de Camões de unir o humano e o divino numa única experiência poética. É um convite a mergulhar numa atmosfera de celebração, beleza e significado, onde cada detalhe é pensado para honrar a epopeia e os seus protagonistas.
Estas estrofes do Canto X de Os Lusíadas descrevem um momento marcante no qual Camões utiliza a mitologia e um tom épico para representar o banquete oferecido pelas ninfas aos navegadores liderados por Vasco da Gama.


250px250px250px


  • 1. Recurso livre- Ilustração - Tétis preside ao banquete para os portugueses na Ilha dos Amores, ilustração de Os Lusíadas, edição 1880

457px-Tetis e o banquete dos portugueses.jpg


  • 2 Recurso livre

B2.jpeg