Camões no Algarve
Saa, Mário por Julião, Quintinha
Mário Saa (1893-1917), dedicou-se à filosofia, à genealogia, à geografia antiga, à poesia, à problemática camoniana, às investigações arqueológicas, e mesmo à astrologia e à grafologia. O seu interesse pela arqueologia e a investigação que realizou sobre vias romanas deram origem à sua obra de maior importância, «As Grandes Vias da Lusitânia», em seis volumes, o produto de mais de 20 anos de investigações e prospeções arqueológicas que é, ainda hoje, uma obra de referência. A par com a arqueologia, Mário Saa destacou-se, também, no panorama da poesia portuguesa das décadas de 20 e 30 do século XX, publicando com assiduidade na revista Presença e privando com os grandes poetas e intelectuais da época no âmbito da boémia literária da Brasileira do Chiado. Em 1959 colaboraria ainda no primeiro número da revista «Tempo Presente».
In: https://www.e-cultura.pt/efemeride/1328
Artigo de Julião Quintinha, publicado no Jornal Correio do Sul de 27 de Agosto de 1922
Foi há poucos dias num recanto do “Martinho” a propósito dos seus curiosos estudos e investigações, sempre originais, que Mário Saa, um grande temperamento de intelectual — obrigou a minha atenção a fixar-se nas suas revelação inéditas, acerca de Camões.
Mário Saa falou-me do seu livro já no prelo, Camões no Maranhão em cujas páginas nos conta como e porque o mal-aventurado poeta veio dar a terras do Alentejo do Algarve; e este caso, para mim, inédito, de Camões ter vindo terras algarvias, parece-me digno de contar aos meus comprovincianos que tiverem a simpática mania de se interessar por tudo que, de qualquer forma, se prende à nossa terra.
Desataviado de broquéis literários, eu contarei como ouvi; antes, duas palavras sobre o autor do estudo.
Não conhecem talvez o Mário Saa?
É uma figura minúscula, pouco mais dum côvado de estatura, duas dúzias de anos de idade, com uma cabeça que é pequena — vê-se bem — para conter tenta coisa que tem lá dentro; a sua fisionomia agitada, enriquecida por um olhar penetrante, exterioriza alguns curiosos contrastes: Ele nervoso, ágil, inquieto, e ao mesmo tempo, os seus atos e atitudes são duma grande severidade é simples nas palavras, modesto no vestuário, contudo possui uma notável intuição de elegância e requintes; é comunicativo, dispersando alegria aos punhados, mas os seus olhos humedecem-se de lágrimas à mais pequena emoção.
Mário Saa tem vivido com sábios e estudiosos, tem corrido o país e parte do estrangeiro, consultando pessoas, lendo nas pedras e nas esquinas, enriquecendo os seus estudos rácicos, genealógicos e de arqueologia.
Foi ele quem lançou a audaciosa afirmação de Portugal, presentemente, era governado por judeus, acrescentando: que entrar no Parlamento Português o mesmo é que entrar numa sinagoga; foi ele que nos contou que Afonso Costa é judeu, descendente de Pero da Costa que foi queimado por judaísmo, pela inquisição, em Coimbra, no ano de 1636 — dando-se a coincidência daquele ser queimado num dia 5 de outubro e com a mesma idade que Afonso Costa tinha quando, também a 5 de Outubro de 1910, ajudou implantar a República.
Apesar de moço Mário Saa tem obra — : uma vasta colaboração em revistas e jornais; e os livros: “Evangelho de S. Vito”, “Camões no Maranhão” e “Código Incivil”.
E, agora que lhes apresentei homem, vou contar o que ele me disse:
Luís de Camões em 1546, teve de fugir de Lisboa por causa dos amores com sua prima Isabel Tavares, indo refugiar-se no Alentejo, em Avis, terras de seus parentes, nuns montes próximos duma ribeira que é das mais selvagens que serpeiam pelo Alentejo; ainda hoje, a duas léguas deste local, existe, em ruínas uma torre onde viveu, no tempo de Camões, um outro Luís de Camões, parente daquele, também aventureiro e poeta, e ambos da mesma idade.
Destes sítios partiu o grande épico para o Algarve onde tinha um tio, Pero Vaz de Camões, — de onde descendem, até hoje, os representantes da baronia Vaz de Camões.
O alcaide mor de Silves e o alcaide mor de Lagos eram parentes de Camões, presumindo-se que este estivesse refugiado no morgado da Boina, à margem duma ribeira que desce da serra de Monchique — morgado que era também seu parente muito chegado, e irmão do poeta Jorge da Silva que, por amores com uma infanta, fugira da corte, refugiando-se em casa do irmão, na mesma época em que Camões andava desterrado no Algarve. Da nossa província partiu Luís de Camões para Lisboa e logo, depois, para a celebre viagem da Índia. Há versos seus, onde descreve toda a flora e fauna do Algarve, em que faz especiais referências à ribeira da Boina.
Mário Saa contou-me haver desvendado toda a descendência do tio do poeta Pero Vaz de Camões, do Algarve, quase até há presente data; averiguando que um dos últimos varões — amoroso aventureiro, vida agitada — tinha acabado no Alentejo próximo de Crato, onde se suicidara numa Cisterna — minado por dores e desventuras.
JULIÃO QUINTINHA