Difference between revisions of "Textos de Camões sobre o Algarve"
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+ | Português de nação, como conquista<br /> | ||
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+ | Em vingança dos sete caçadores? <br /> | ||
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+ | O poeta menciona '''Tavira (Tavila)''', aludindo à sua conquista e à vingança dos "sete caçadores", reforçando o contexto de luta e recuperação das terras algarvias. | ||
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+ | Vês, com bélica astúcia ao Mouro ganha<br /> | ||
+ | Silves, que ele ganhou com força ingente:<br /> | ||
+ | É Dom Paio Correia, cuja manha<br /> | ||
+ | E grande esforço faz enveja à gente.<br /> | ||
+ | Mas não passes os três que em França e Espanha<br /> | ||
+ | Se fazem conhecer perpetuamente<br /> | ||
+ | Em desafios, justas e torneus,<br /> | ||
+ | Nelas deixando públicos troféus.<br /> | ||
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+ | == '''SILVES (cidade de): III.86.3;88.7; VIII.26.2''' == | ||
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− | Sancho quis ajudar na guerra fera, | + | Sancho quis ajudar na guerra fera,<br /> |
− | Já que em serviço vai do santo Marte. | + | Já que em serviço vai do santo Marte.<br /> |
− | Assi como a seu pai acontecera | + | Assi como a seu pai acontecera<br /> |
− | Quando tomou Lisboa, da mesma arte | + | Quando tomou Lisboa, da mesma arte<br /> |
− | Do Germano ajudado, '''Silves''' toma | + | Do Germano ajudado, '''Silves''' toma<br /> |
− | E o bravo morador destrui e doma. | + | E o bravo morador destrui e doma.<br /> |
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+ | Por fim, '''o Sacro Promontório (Cabo de São Vicente)''' aparece no Canto III, estrofe 74, ligando o Algarve à narrativa da presença de São Vicente, o santo padroeiro de Lisboa, cujos restos mortais foram trazidos para a cidade após a sua morte. | ||
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+ | Silves, que ele ganhou com força ingente:<br /> | ||
+ | É Dom Paio Correia, cuja manha<br /> | ||
+ | E grande esforço faz enveja à gente.<br /> | ||
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+ | Se fazem conhecer perpètuamente<br /> | ||
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− | Embora as referências ao Algarve em Camões sejam breves, elas sublinham a importância da região tanto na história de Portugal quanto na construção do imaginário nacional. | + | Embora as referências ao Algarve em Camões sejam breves, elas sublinham a importância da região tanto na história de Portugal quanto na construção do imaginário nacional.<br /> |
Revision as of 13:29, 29 January 2025
Presença de Camões no Algarve antes do Exílio
Teófilo Braga refere que Camões passou pelo Algarve, onde terá estado refugiado, antes de partir para a África, mais concretamente na Quinta de Santo António, em Monchique, onde terá escrito o poema Por meio de umas serras mui fragosas dedicado à ribeira de Boina:
.
Contents
[hide]Por meio de umas serras mui fragosas,
Por meio de umas serras mui fragosas,
cercadas de silvestres arvoredos,
retumbando por ásperos penedos,
correm perenes águas deleitosas.
Na ribeira de Boina, assi chamada,
celebrada -
porque em prados
esmaltados
com frescura
de verdura,
assi se mostra amena, assi graciosa,
que excede a qualquer outra mais fermosa -
as correntes se vêem que, aceleradas,
as aves regalando e as boninas,
se vão a entrar nas águas neptuninas
por diversas ribeiras derivadas.
Com mil brancas conchinhas a áurea areia
bem se arreia;
voam aves;
mil suaves
passarinhos
nos raminhos
acordemente estão sempre cantando,
com doce acento os ares abrandando.
O doce rouxinol num ramo canta,
e de outro o pintassilgo lhe responde.
A perdiz de entre a mata, em que se esconde,
o caçador sentindo, se levanta;
voando vai ligeira mais que o vento,
vai buscando;
porém quando
vai fugindo,
retinindo
trás ela mais veloz a seta corre,
de que ferida logo cai e morre.
Aqui Progne, de um ramo em outro ramo,
co peito ensanguentado anda voando,
cibato para o ninho indo buscando;
a leda codorniz vem ao reclamo
do sagaz caçador, que a rede estende,
e pretende
com engenho
fazer dano
à coitada,
que enganada
duns esparzidos grãos de louro trigo,
nas mãos vai a cair de seu imigo.
Aqui soa a calhandra na parreira;
a rola geme; palra o estorninho;
sai a cândida pomba de seu ninho;
o tordo pousa em cima da oliveira.
Vão as doces abelhas sussurrando,
e apanhando
o rocio
fresco e frio
por o prado
de erva ornado,
com que o bravo licor fazem, que deu
à humana gente a indústria de Aristeu.
Aqui as uvas luzidas, penduradas
das pampinosas vides, resplandecem;
as frondíferas árvores se oferecem
com diferentes frutos carregadas;
os peixes n'água clara andam saltando
levantando
as pedrinhas,
e as conchinhas
rubicundas,
que as jucundas
ondas consigo trazem, crepitando
por a praia alva com ruído brando.
Aqui por entre as selvas se levantam
animais calidónios, e os veados
na fugida inda mal assegurados,
porque do som dos próprios pés se espantam.
Sai o coelho; a lebre sai manhosa
da frondosa
breve mata,
donde a cata
cão ligeiro.
Mas primeiro
que ela ao contrário férvido se entregue,
às vezes deixa em branco a quem a segue.
Luzem as brancas e purpúreas flores,
com que o brando Favónio a terra esmalta;
o fermoso Jacinto ali não falta,
lembrado dos antigos seus amores;
inda na flor se mostram esculpidos
os gemidos;
aqui Flora
sempre mora;
e com rosas
mais fermosas,
com lírios e boninas mil fragrantes,
alegra os seus amores inconstantes.
Aqui Narciso em líquido cristal
se namora de sua fermosura;
nele os pendentes ramos da espessura
debuxando-se estão ao natural.
Adónis, com que a linda Citereia
se recreia,
bem florido,
convertido
na bonina
que Ericina
por imagem deixou de qual seria
aquele por quem ela se perdia.
Lugar alegre, fresco, acomodado
para se deleitar qualquer amante,
a quem com sua ponta penetrante
o cego Amor tivesse derribado;
e para memorar ao som das águas
suas mágoas
amorosas,
as cheirosas
flores vendo,
escolhendo,
para fazer preciosas mil capelas,
e dar per grão penhor a Ninfas belas.
Eu delas, por penhor de meus amores,
uma capela à minha deusa dava;
que lhe queria bem, bem lhe mostrava
o bem-me-queres entre tantas flores;
porém, como se fora malmequeres,
os poderes
da crueldade
na beldade
bem mostrou.
Desprezou
a dádiva de flores; não por minha,
mas porque muitas mais ela em si tinha.
Este poema apresenta uma descrição rica e detalhada de uma paisagem idílica, centrada na Ribeira de Boina, localizada no Algarve, perto de Portimão. Camões exalta as belezas naturais da região, desde as águas cristalinas até a abundância de flora e fauna, transmitindo um ambiente paradisíaco e fértil.
A natureza é personificada e ganha vida: os rios fluem como símbolos de constância, as aves cantam harmoniosamente, os frutos e flores surgem em abundância, e até as figuras mitológicas, como Narciso, Adónis e Flora, são invocadas para enaltecer a perfeição do lugar. Apesar de toda essa beleza, o poeta insere uma nota melancólica ao final, mencionando o desdém da sua "deusa" pela dádiva de flores que ele lhe oferece, simbolizando o amor não correspondido.
== Os Lusíadas e o Algarve ==
Terra dos ALGARVES:
Canto III
95
Da terra dos Algarves, que lhe fora
Em casamento dada, grande parte
Recupera co braço, e deita fora
O Mouro, mal querido já de Marte.
Este de todo fez livre e senhora
Lusitânia, com força e bélica arte,
E acabou de oprimir a nação forte,
Na terra que aos de Luso coube em sorte.
Canto VIII
25
Olha um Mestre que desce de Castela,
Português de nação, como conquista
A terra dos Algarves, e já nela
Não acha que por armas lhe resista.
Com manha, esforço e com benigna estrela,
Vilas, castelos, toma à escala vista.
Vês Tavila tomada aos moradores,
Em vingança dos sete caçadores?
No Canto III, estrofe 86, Camões faz referência a Silves, cidade algarvia que, durante a Reconquista, foi tomada pelos cristãos com a ajuda de cruzados. Esta cidade, que outrora foi um importante bastião muçulmano, ganha destaque no poema como um símbolo das vitórias que moldaram o território português.
TAVILA (Tavira): VIII.25.7.
Olha um Mestre que dece de Castela,
Português de nação, como conquista
A terra dos Algarves, e já nela
Não acha que por armas lhe resista.
Com manha, esforço e com benigna estrela,
Vilas, castelos, toma à escala vista.
Vês Tavila tomada aos moradores,
Em vingança dos sete caçadores?
O poeta menciona Tavira (Tavila), aludindo à sua conquista e à vingança dos "sete caçadores", reforçando o contexto de luta e recuperação das terras algarvias.
26
Vês, com bélica astúcia ao Mouro ganha
Silves, que ele ganhou com força ingente:
É Dom Paio Correia, cuja manha
E grande esforço faz enveja à gente.
Mas não passes os três que em França e Espanha
Se fazem conhecer perpetuamente
Em desafios, justas e torneus,
Nelas deixando públicos troféus.
SILVES (cidade de): III.86.3;88.7; VIII.26.2
a cidade de Silves é destacada, sublinhando a importância estratégica e histórica dessa cidade durante a luta contra os mouros.
86 Despois que foi por Rei alevantado, Havendo poucos anos que reinava, A cidade de Silves tem cercado, Cujos campos o Bárbaro lavrava. Foi das valentes gentes ajudado Da Germânica armada que passava, De armas fortes e gente apercebida, A recobrar Judeia já perdida.
88
Mas a fermosa armada, que viera
Por contraste de vento àquela parte,
Sancho quis ajudar na guerra fera,
Já que em serviço vai do santo Marte.
Assi como a seu pai acontecera
Quando tomou Lisboa, da mesma arte
Do Germano ajudado, Silves toma
E o bravo morador destrui e doma.
Por fim, o Sacro Promontório (Cabo de São Vicente) aparece no Canto III, estrofe 74, ligando o Algarve à narrativa da presença de São Vicente, o santo padroeiro de Lisboa, cujos restos mortais foram trazidos para a cidade após a sua morte.
26
Vês, com bélica astúcia ao Mouro ganha
Silves, que ele ganhou com força ingente:
É Dom Paio Correia, cuja manha
E grande esforço faz enveja à gente.
Mas não passes os três que em França e Espanha
Se fazem conhecer perpètuamente
Em desafios, justas e tornéus,
Nelas deixando públicos troféus.
Embora as referências ao Algarve em Camões sejam breves, elas sublinham a importância da região tanto na história de Portugal quanto na construção do imaginário nacional.
Camões e o Algarve: Ecos da História e da Poesia
O Algarve, embora não seja uma presença constante na obra de Luís de Camões, surge em momentos chave de "Os Lusíadas", evocando tanto a história de conquistas militares quanto as paisagens marcantes da região.
No Canto III, estrofe 86, Camões faz referência a Silves, cidade algarvia que, durante a Reconquista, foi tomada pelos cristãos com a ajuda de cruzados. Esta cidade, que outrora foi um importante bastião muçulmano, ganha destaque no poema como um símbolo das vitórias que moldaram o território português.
No Canto VIII, estrofe 25, o poeta menciona Tavira (Tavila), aludindo à sua conquista e à vingança dos "sete caçadores", reforçando o contexto de luta e recuperação das terras algarvias.
Já nas estrofes 88 e 26 do Canto III, a cidade de Silves é novamente destacada, sublinhando a importância estratégica e histórica dessa cidade durante a luta contra os mouros.
Por fim, o Sacro Promontório (Cabo de São Vicente) aparece no Canto III, estrofe 74, ligando o Algarve à narrativa da presença de São Vicente, o santo padroeiro de Lisboa, cujos restos mortais foram trazidos para a cidade após a sua morte.
Além das referências históricas, Camões também celebra a paisagem do Algarve de uma forma poética e nostálgica, como na sua evocação da Ribeira de Boina. Esta poesia descreve a beleza natural da região, ligando-a à memória afetiva do autor. A Ribeira de Boina, situada entre Monchique e Portimão, aparece nas suas obras como um local de reflexão e melancolia, onde a natureza e o sofrimento se encontram de forma simbólica. Ao referir-se a este rio, Camões não apenas evoca o ambiente físico, mas também sugere um espaço de introspecção e de conexão com a vida e com a história.