Difference between revisions of "Rosa, António Ramos"
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- António Vitor Ramos Rosa
Faro, 17/10/1924 - Faro, 23/09/2013.
Escritor. Poeta. Tradutor. Crítico. Desenhador. É patrono da Biblioteca Municipal de Faro. Estudou no Liceu Nacional de Faro / Escola Secundária João de Deus.
- Amor da palavra, amor do corpo
A nudez da palavra que te despe.
Que treme, esquiva.
Com os olhos dela te quero ver,
que não te vejo.
Boca na boca através de que boca
posso eu abrir-te e ver-te?
É meu receio que escreve e não o gosto
do sol de ver-te?
Todo o espaço dou ao espelho vivo
e do vazio te escuto.
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo
de onde nasces, morres, brilhas, branca?
És palavra ou és corpo unido em nada?
É de mim que nasces ou do mundo solta?
Amorosa confusão, te perco e te acho,
à beira de nasceres tua boca toco
e o beijo é já perder-te.
- «TELEGRAMA SEM CLASSIFICAÇÃO ESPECIAL»
Ao Egito Gonçalves
Estamos nus e gramamos.
Na grama secular um passarinho verde
canta para um poema lírico, para um poeta lírico,
que se nasceu
é certo que não cantou.
As paisagens continuam a existir.
As paisagens são suaves.
Continuam também a existir
outras coisas
que dão matéria para poemas.
A vida continua.
Felizmente que há ódios, comichões, vaidades.
A estupidez, esta crassa crença intratável, esta confiança
indestrutível em si mesmo,
é o que felizmente dá uma densidade, uma plenitude a isto.
Num mundo descoroçoante de puras imagens
é bom este banho de resistências, pressões, vontades, atritos,
é bom navegar.
porque este presente é logo saudoso.
Na grama um passarinho canta.
Evidentemente que o poeta suicidou-se.
A vida continua.
Certas coisas que pareciam mortas
estão agora vivas ou, pelo menos, mexem-se.
Ausentes, dominam-nos.
Não é para nós que utilizam as palavras,
que insistem,
não é para nós!
Estes grandes ornamentos, estes sábios discursos
fluem em visões, em ondas, como se não no presente.
Ter-se-á o presente extinguido?
A vida continua tão improvávelmente.
Na grama um passarinho canta.
Canta por cantar, ou não, canta.
Eu poderia, com rigor, agora
cantar:
Os anjos exactos
que empunham tesouras
de encontro aos factos
- ó minhas senhoras!
Ou rigorosamente ainda,
com veemente exactidão,
inutilizar o poema,
todos os poemas
porque
Estamos nus e gramamos.
4 de Janeiro de 1952 in «Árvore»
- MÃE
Conheço a tua força, mãe, e a tua fragilidade.
Uma e outra têm a tua coragem, o teu alento vital.
Estou contigo mãe, no teu sonho permanente na tua esperança incerta
Estou contigo na tua simplicidade e nos teus gestos generosos.
Vejo-te menina e noiva, vejo-te mãe mulher de trabalho
Sempre frágil e forte. Quantos problemas enfrentaste,
Quantas aflições! Sempre uma força te erguia vertical,
sempre o alento da tua fé, o prodigioso alento
a que se chama Deus. Que existe porque tu o amas,
tu o desejas. Deus alimenta-te e inunda a tua fragilidade.
E assim estás no meio do amor como o centro da rosa.
Essa ânsia de amor de toda a tua vida é uma onda incandescente.
Com o teu amor humano e divino
quero fundir o diamante do fogo universal.
António Ramos Rosa, Antologia poética
- Notas Biográficas
António Vítor Ramos Rosa um dos maiores poetas portugueses do século XX, a quem foram atribuídos os maiores prémios literários do nosso país bem como as mais altas condecorações, trabalhando ao longo da sua vida como empregado de escritório, e ainda como tradutor e professor. Em 1945 participou na formação do MUD Juvenil e em 1949, coerente com a sua atitude de oposição ao Estado Novo, recusou-se a receber o Prémio Nacional de Poesia da Secretaria de Estado de Informação e Turismo atribuído a "Nos Seus Olhos o Silêncio". Desenvolvendo uma importante atividade nos domínios da teorização e da criação poética, o nome de António Ramos Rosa surge ligado a publicações literárias dos anos 50, como Árvore, Cassiopeia ou Cadernos do Meio-Dia, que primaram não só por uma postura de isenção relativamente aos diversos feixes estéticos que atravessam a década de 50 (legado surrealista; evolução da poesia neorrealista, entre outros), como por um critério de respeito pela qualidade estética dos trabalhos literários publicados. São esses aliás os princípios de Árvore, revista que co-fundou, em 1951, com os poetas António Luís Moita, José Terra, Luís Amaro e Raul de Carvalho, e em cujo número inaugural subscreve, em "A Necessidade da Poesia", como imperativos da publicação a liberdade e a isenção ("Não pode haver razões de ordem social que limitem a altitude ou a profundidade dum universo poético, que se oponham à liberdade de pesquisa e apropriação dum conteúdo cuja complexidade exige novas formas, o ir-até-ao-fim das possibilidades criadoras e expressivas."), postergando apenas da aventura poética a "gratuitidade como intenção", posto que a poesia decorre de uma "superior necessidade [...] tanto no plano da criação como no da demanda social" (ibi., p. 4). Recordando a importância, na sua experiência pessoal, do encontro com os vários poetas reunidos no projeto Árvore, António Ramos Rosa revela que, sem esse estímulo, "nunca teria adquirido a confiança necessária para iniciar e prosseguir a [sua] carreira poética", salientando nessa convergência de vozes a "firme convicção de que a poesia não é o fruto de uma aventura verbal, mas uma constante inquirição do que na palavra é a dimensão do ser, ou seja, o que, transcendendo a palavra, é a palavra viva do desconhecido que a promove e que, por seu turno, é o seu incessante termo." (ROSA, António Ramos, "Um Espaço Indispensável à Poesia", in Letras & Letras, n.º 56, outubro de 1991). De um modo geral e sucinto, a sua poesia é caracterizada por uma linhagem de um lirismo depurado, exigente, atento ao poder da palavra no conhecimento ou na fundação de um real dificilmente dizível ou inteligível.Em 2003, a Universidade do Algarve, atribui-lhe o grau de Doutor Honoris Causa.
in https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$antonio-ramos-rosa
- Bibliografia:
- O Grito Claro, 1958.
- Viagem Através duma Nebulosa, 1960.
- Voz Inicial, 1961.
- Sobre o Rosto da Terra, 1961.
- Poesia, Liberdade Livre, 1962.
- Ocupação do Espaço, 1963.
- Terrear, 1964.
- Estou Vivo e Escrevo Sol, 1966.
- A Construção do Corpo, 1969.
- Nos Seus Olhos de Silêncio, 1970.
- A Pedra Nua, 1972.
- Não Posso Adiar o Coração (vol.I, da Obra Poética), 1974.
- Animal Olhar (vol.II, da Obra Poética), 1975.
- Respirar a Sombra (vol.III, da Obra Poética), 1975.
- Ciclo do Cavalo, 1975.
- Boca Incompleta, 1977.
- A Imagem, 1977.
- A Palavra e o Lugar, 1977.
- As Marcas no Deserto, 1978.
- A Nuvem Sobre a Página, 1978.
- Figurações, 1979.
- Círculo Aberto, 1979.
- O Incêndio dos Aspectos, 1980.
- Declives, 1980.
- Le Domaine, 1980.
- Figura: Fragmentos, 1980.
- As Marcas do Deserto, 1980.
- O Centro na Distância, 1981.
- O Incerto Exacto, 1982.
- Quando o Inexorável, 1983.
- Gravitações, 1983.
- Dinâmica Subtil, 1984.
- Ficção, 1985.
- Mediadoras, 1985.
- Volante Verde, 1986.
- Vinte Poemas para Albano Martins, 1986.
- Clareiras, 1986.
- No Calcanhar do Vento, 1987.
- O Livro da Ignorância, 1988.
- O Deus Nu(lo), 1988.
- Três Lições Materiais, 1989.
- Acordes, 1989.
- Duas Águas, Um Rio (colaboração com Casimiro de Brito), 1989.
- O Não e o Sim, 1990.
- Facilidade do Ar, 1990.
- Estrias , 1990.
- A Rosa Esquerda, 1991.
- Oásis Branco, 1991.
- Pólen- Silêncio, 1992.
- As Armas Imprecisas, 1992.
- Clamores, 1992.
- Dezassete Poemas, 1992.
- Lâmpadas Com Alguns Insectos, 1993.
- O Teu Rosto, 1994.
- O Navio da Matéria, 1994.
- Três, 1995.
- Delta, 1996.
- Figuras Solares, 1996.
- Nomes de Ninguém, 1997.
- À mesa do vento seguido de As espirais de, 1997.
- Versões/Inversões, 1997.
- A imagem e o desejo, 1998.
- A imobilidade fulminante, 1998.
- Pátria soberana seguido de Nova ficção, 1999.
- O princípio da água, 2000.
- As palavras, 2001.
- Deambulações oblíquas, 2001.
- O deus da incerta ignorância seguido de Incertezas ou, 2001.
- O aprendiz secreto, 2001.
- Os volúveis diademas, 2002.
- O alvor do mundo. Diálogo poético, em colaboração, 2002.
- Cada árvore é um ser para ser em nós, 2002.
- O sol é todo o espaço, 2002.
- Os animais do sol e da sombra seguido de corpo inicial, 2003.
- Meditações metapoéticas, em colaboração com Robert Bréchon, 2003.
- O que não pode ser dito, 2003.
- Relâmpago do nada, 2004.
- Bichos, em colaboração com Isabel Aguiar Barcelos, 2005.
- Génese seguido de Constelações, 2005.
- Vasos Comunicantes, Diálogo Poético com Gisela Ramos Rosa, 2006.
- Horizonte a Ocidente, 2007.
- Rosa Intacta, 2007.
- La herida intacta / A intacta ferida. Ediciones Sequitur, Madrid (em espanhol), 2009.
- Prosas seguidas de diálogos (única obra em prosa), 2011.
- Numa folha, leve e livre, 2013.
- Clique aqui para ver os livros de António Ramos Rosa no site da wook.pt.
- Veja mais sobre António Ramos Rosa nos seguintes links:
- Livros de António Ramos Rosa na wook.pt.
- Meia dúzia de poemas de António Ramos Rosa no site escritas.org.
- 2013 - Notícia do Jornal Expresso sobre a morte de António Ramos Rosa.
- 1999 - Página no terravista.pt com uma dezena de poemas de António Ramos Rosa.
- 2000 - António Ramos Rosa no Projecto Vercial.
- 2001 - Artigo de Fernando Martinho Guimarães, Leitor de Português em Cabo Verde, sobre António Ramos Rosa.
- 2010 - "O grande sortilégio do poema", artigo de Maria Augusta Silva, no DN.pt sobre António Ramos Rosa.