Difference between revisions of "Fonseca, Tomás da - Livros Proibidos"

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*'''Tomás da Fonseca''' ( 1877-1968)<br />
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Poeta, escritor, historiador, jornalista, professor e militante republicano e anticlerical, pertenceu ao Movimento de Unidade Democrática (MUD) e à Maçonaria. Foi um intelectual de renome, um dos mais tenazes opositores ao regime salazarista, tendo estado várias vezes preso pela polícia política.<br />A perseguição a '''Tomás da Fonseca''' afastou-o das atividades docentes que ele desenvolvia no Conselho Superior de Instrução Pública, da direção da Escola Normal de Lisboa e de Coimbra e da Universidade Livre de Coimbra, que ele ajudou a fundar. <br /> Na imagem seguinte mostramos um excerto da Carta de '''Tomás da Fonseca''' ao Diretor da Penitenciaria [de Coimbra], datada de 1918, onde os professores signatários [José Nunes Cordeiro, Cesar Anjo de Deus e] José Tomás da Fonseca,  presos políticos, põem à disposição do diretor da Penitenciária os seus serviços profissionais de professores, a fim de poderem passar a dar aulas aos seus companheiros de cárcere analfabetos.<br />[[File:FonsecaTomasCartaAdiretorDaPenitenciariaexcerto.jpg|500px]][https://purl.pt/13858/1/autores/fonseca-tomas.html]
  
*'''TOMÁS DA FONSECA''' ( 1877 - 1968)<br />
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*Livro Proibido - '''Filha de Labão'''<br />
  Poeta, escritor, historiador, jornalista, professor e militante republicano e veemente anti-clerical, pertenceu ao Movimento de Unidade Democrática (MUD) e à Maçonaria. Foi um intelectual de renome, um dos mais tenazes opositores ao regime salazarista, tendo estado várias vezes preso pela policia politica.<br />A perseguição a Tomás da Fonseca o afastou das atividades docentes que ele desenvolvia no Conselho Superior de Instrução Pública, da direção da Escola Normal de Lisboa e de Coimbra e da Universidade Livre de Coimbra, que ele ajudou a fundar.<br />
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  Data de 1951, o livro  '''''Filha de Labão''''', novela rústica (na modesta definição do autor), cuja acção decorre na segunda metade do século XIX. [É]uma aguarela pitoresca e poética de costumes e tipos humanos, onde a vida campesina palpita bucólica e rude, com suas virtudes, atavismos e vícios.
  
'''Filha de Labão'''<br />
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*'''Excerto 1''' - Lido por Gustavo Ralha, 12.º ano.
Data de 1951, Filha de Labão, uma novela rústica (na modesta definição do autor), cuja acção decorre na segunda metade do século XIX. Nela nos oferece o romancista uma aguarela pitoresca e poética de costumes e tipos humanos, onde a vida campesina palpita bucólica e rude, com suas virtudes, atavismos e vícios.<br />
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E o sentimento que ela punha em tudo o que da garganta lhe saía!<br />Foi a mulher do Julião a primeira que reparou nesse dom da pequena:<br />- É uma cotovia!
  
II
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*'''Excerto 2''' - lido por Rita M., 12.º ano.
* Na Cova da Onça<br />
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A Ciranda e o Verde Gaio não esqueciam nunca.<br />Debruçado sobre o fole, que alargava para em seguida o comprimir,<br />o Agostinho acelerava a dança, fazendo andar tudo numa verdadeira dobadoira.
Aos anos que isso foi!<br />Era no Outono, porque andavam na Lapa da Raposa a apanhar o medronho, quando ela desceu o Cabeço do Galo, embrulhadita num mandil.<br />Franzina, uns dez anos talvez, mas revelando já os traços finos e maneiras que em poucos anos fariam dela a moça esbelta e resoluta cuja memória seria sempre evocada com saudade.Contratara-a o Fusco para pastora do rebanho que possuía então: meio cento de cabras, bravias como feras.<br />Veio trazê-la uma velhota, sua avó, porque a mãe, doente havia meses, mal se arrastava da lareira para a porta da casa, onde fiava lã e dobava os novelos para a vizinha tecedeira que, por caridade, lhe dava ocupação.<br />Com o Fusco vivia a irmã Florinda – mulher barbuda e violenta que entre os vizinhos nunca foi estimada.<br />Por isso, quando a viram passar – saíta curta, blusa no fio e descalça -, todos tiveram pena.<br />- Onde ela foi cair!<br />Não se enganaram. Ainda a manhã estava em Celorico, e já os berros atroavam a casa.<br />- Salta fora, mostrengo. Não vales o que comes.<br />E, pela noite adiante, sempre naquela pregação.<br />- Quem te partisse uma cavaca na cabeça… Não serves para coisa nenhuma… És uma lesma…<br />Quer chovesse ou nevasse, lá ia ela ceifar erva ou apanhar azeitona, até à hora de seguir para o monte com o gado, levando apenas na algibeira um bocado de broa e uma sardinha assada.<br />Valia-lhe o medronho, as amoras e o farnel das companheiras. Os gados quase sempre os juntavam, sobretudo no Estio, para melhor os guardarem das ínsuas e das vinhas. As outras pastoras, mais velhas, sentavam-se a falar de rapazes, a costurar ou fazer renda, e era a ela que mandavam aqueivar o rebanho ou correr às vessadas, para onde fugiam sempre as cabras ladras.<br />- Ó Maria! Não vejo a Ruiva. Deve andar já na ladroagem.<br />E a pobre a correr logo na direcção do rio, à beira do qual verdejavam os milhos e os cordões de videiras subiam nas testadas.<br />Aos domingos, os rapazes, no regresso da missa, iam ter à Ribeira dos Moinhos, onde, à sombra dos carvalhos, passavam horas esquecidas, conversando ou bailando com as suas namoradas.Mas se do outro lado do rio aparecia o Antonino, fato novo, chapéu cor de café, relógio à cinta e um cravo entalado nas cravelhas da requinta, a todos nascia uma alma nova.<br />Tudo se preparava para, sobre a relva macia, entoar em coro a Machadinha ou estalar o Vira, guiados pela voz da Parrana:<br />Ó moças, dançai o vira…<br />Às vezes juntavam-se-lhes ranchos numerosos, atraídos pela guitarra do Abel Zoto, ou pelo harmónium do Agostinho:<br />Ó minha caninha verde,<br />Ó minha verde caninha…<br />A Ciranda e o Verde Gaio não esqueciam nunca. Debruçado sobre o fole, que alargava para em seguida o comprimir, o Agostinho acelerava a dança, fazendo andar tudo numa verdadeira dobadoira:<br />Vem para os meus braços,<br />Que o teu bem sou eu…<br />O Abílio de Eirigo era dos mais assíduos; mas as raparigas não lhe tinham afeição, porque as beliscava, e à noite, na fonte, se lhes ajudava os cântaros, era na mira de partidinhas sem graça. Além disso, tinha a língua ponteira, só sabendo dizer coisas atrevidas ou feias.<br />Um dia, soltando uma das suas, foi expulso da roda.<br />- És uma besta – berrou-lhe o Vitorino. – Quem assim é, vai para a estrebaria.<br />- Vá ele mais a …<br />Galegada esta que lhe valeu dois bofetões, tão em cheio que nesse Verão não tornou mais a aparecer.<br />Em geral eram rapazes divertidos, que nunca levavam a confiança além de um estreitamento mais forte quando andavam enlaçados ao par. Outros arrancavam-lhes o lenço da cabeça e atavam-no em volta do pescoço, como laço de amor.<br />Elas não desgostavam, apesar de saberem que ao findar os bailados, se queriam reavê-los, tinham de ir desatá-los, o que dava lugar, quase sempre, a uma ou outra graça com que faziam rir a malta.<br />- Foi para que me enforcasses… Mas tu, que não quiseste, lá sabes a razão.<br />Se o lenço fora atado em nó cego, demoravam mais a deslaçá-lo. Por vezes fingiam-se zangadas. E eles:<br />- Não olhes para mim dessa maneira, que me tiras o sono…<br />E elas:<br />- Toleirão!<br />O gado, esse, é que não se importava com bailados, e por isso era preciso alguém que o aqueivasse ou o seguisse, de valeiro em valeiro, através de matagais, com as pernas em sangue, arranhadas pelo bico dos tojos e das silvas.<br />- Ó Maria, anda lá, que nós já vamos…<br />Mas às vezes as danças só findavam quando o rabanho apontava no Alto das Penedas.<br />Todavia, nunca daquela boca delicada se soltou um queixume.<br />Apesar de criança, tinha uma voz harmoniosa e clara, ensaiada nas cantigas que ouvia às companheiras:<br />
 
Quero cantar, quero rir,<br />Que a tristeza não faz bem…<br />E o sentimento que ela punha em tudo o que da garganta lhe saía!<br />Foi a mulher do Julião a primeira que reparou nesse dom da pequena:<br />- É uma cotovia!<br />
 
                                                     
 
  
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*'''Excerto 3''' - Lido por Diogo A., 12.º ano.
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O Abílio de Eirigo era dos mais assíduos; mas as raparigas não lhe tinham afeição, porque as beliscava, e à noite, na fonte, se lhes ajudava os cântaros, era na mira de partidinhas sem graça. Além disso, tinha a língua ponteira, só sabendo dizer coisas atrevidas ou feias.<br />Um dia, soltando uma das suas, foi expulso da roda.<br />- És uma besta – berrou-lhe o Vitorino. – Quem assim é, vai para a estrebaria.<br />- Vá ele mais a …<br />Galegada esta que lhe valeu dois bofetões, tão em cheio que nesse Verão não tornou mais a aparecer.
  
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*'''Excerto 4''' - lido por António G., 12.º ano.
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Quer chovesse ou nevasse, lá ia ela ceifar erva ou apanhar azeitona, até à hora de seguir para o monte com o gado, levando apenas na algibeira um bocado de broa e uma sardinha assada.<br />Valia-lhe o medronho, as amoras e o farnel das companheiras. Os gados quase sempre os juntavam, sobretudo no Estio, para melhor os guardarem das ínsuas e das vinhas. As outras pastoras, mais velhas, sentavam-se a falar de rapazes, a costurar ou fazer renda, e era a ela que mandavam aqueivar o rebanho ou correr às vessadas, para onde fugiam sempre as cabras ladras.<br />- Ó Maria! Não vejo a Ruiva. Deve andar já na ladroagem.<br />E a pobre a correr logo na direção do rio, à beira do qual verdejavam os milhos e os cordões de videiras subiam nas testadas.
  
 
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*'''Excerto 5''' - Capítulo II - ''Na Cova da Onça.''
 
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Aos anos que isso foi!<br />Era no Outono, porque andavam na Lapa da Raposa a apanhar o medronho, quando ela desceu o Cabeço do Galo, embrulhadita num mandil.<br />Franzina, uns dez anos talvez, mas revelando já os traços finos e maneiras que em poucos anos fariam dela a moça esbelta e resoluta cuja memória seria sempre evocada com saudade. Contratara-a o Fusco para pastora do rebanho que possuía então: meio cento de cabras, bravias como feras.<br />Veio trazê-la uma velhota, sua avó, porque a mãe, doente havia meses, mal se arrastava da lareira para a porta da casa, onde fiava lã e dobava os novelos para a vizinha tecedeira que, por caridade, lhe dava ocupação.<br />Com o Fusco vivia a irmã Florinda – mulher barbuda e violenta que entre os vizinhos nunca foi estimada.<br />Por isso, quando a viram passar – saíta curta, blusa no fio e descalça -, todos tiveram pena.<br />- Onde ela foi cair!<br />Não se enganaram. Ainda a manhã estava em Celorico, e já os berros atroavam a casa.<br />- Salta fora, mostrengo. Não vales o que comes.<br />E, pela noite adiante, sempre naquela pregação.<br />- Quem te partisse uma cavaca na cabeça… Não serves para coisa nenhuma… És uma lesma…
 
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*'''Excerto 6''' - Capítulo XX - ''A Cotovia Voltara Ao Ninho.''
A Cotovia Voltara Ao Ninho<br />
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A casa onde nascera eram quatro paredes sem reboco, dentro das quais havia uma saleta, a cozinha e, à retaguarda, dois quartos iluminados por janelas de madeira.<br />Um como muitos das casebres da serra, hoje como há duzentos anos, despidos do mais elementar conforto.<br />À entrada da porta, o sobrado forma um semicírculo onde, sobre terra batida ou lajes de granito, se acende o lume, a panela ferve e o grilo canta.<br />As visitas sentam-se no escabelo de pinho, se o há, ou no rebordo do sobrado. No canto, o armário da louça – duas tábuas seguras na parede -, a pilheira para as maçarocas e o poial para o assado.<br />Às vezes aparece a cadeira de pinho, por pintar, a mesa do mesmo pau, onde se come, se joga a bisca, se passa a ferro ou se talha a blusa e objectos de confecção caseira, se há mulher ordenada.<br />Por trás da taipa, o mobiliário é igualmente escasso e primitivo. Dois bancos toscos sobre que assenta um rectângulo de madeira, que se enche de palha solta, quando falta a enxerga de estopa, duas mantas de farrapos, é o leito onde se dorme e os filhos nascem.<br />Na mesma divisão, a arca para o bragal e um ou outro tareco, de fabrico local.<br />O casebre onde vivia agora a Cotovia só tinha a mais que o das vizinhas o asseio.
 
 
A casa onde nascera eram quatro paredes sem reboco, dentro das quais havia uma saleta, a cozinha e, à retaguarda, dois quartos iluminados por janelas de madeira.<br />Um como muitos das casebres da serra, hoje como há duzentos anos, despidos do mais elementar conforto.<br />À entrada da porta, o sobrado forma um semicírculo onde, sobre terra batida ou lajes de granito, se acende o lume, a panela ferve e o grilo canta.<br />As visitas sentam-se no escabelo de pinho, se o há, ou no rebordo do sobrado. No canto, o armário da louça – duas tábuas seguras na parede -, a pilheira para as maçarocas e o poial para o assado.<br />Às vezes aparece a cadeira de pinho, por pintar, a mesa do mesmo pau, onde se come, se joga a bisca, se passa a ferro ou se talha a blusa e objectos de confecção caseira, se há mulher ordenada.<br />Por trás da taipa, o mobiliário é igualmente escasso e primitivo. Dois bancos toscos sobre que assenta um rectângulo de madeira, que se enche de palha solta, quando falta a enxerga de estopa, duas mantas de farrapos, é o leito onde se dorme e os filhos nascem.<br />Na mesma divisão, a arca para o bragal e um ou outro tareco, de fabrico local.<br />O casebre onde vivia agora a Cotovia só tinha a mais que o das vizinhas o asseio.<br />
 
 
                                                                        
 
                                                                        
 
*'''Para saber mais'''<br />
 
*'''Para saber mais'''<br />
 
https://www.cm-mortagua.pt/autarquia/figuras-ilustres/tomas-da-fonseca<br />
 
https://www.cm-mortagua.pt/autarquia/figuras-ilustres/tomas-da-fonseca<br />
 
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Carta de Tomás da Fonseca ao Director da Penitenciaria [de Coimbra], datada de 1918, onde os professores signatários [José Nunes Cordeiro, Cesar Anjo de Deus e] José Tomás da Fonseca,  presos políticos, põem à disposição do director da Penitenciária os seus serviços profissionais de professores, a fim de poderem passar a dar aulas aos seus companheiros de cárcere analfabetos.<br />
 
  
 
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Latest revision as of 23:15, 1 June 2024

TomasFonsecafoto.jpg Filha labão.jpg FonsecaTomasCartaAdiretorDaPenitenciaria.jpg

  • Tomás da Fonseca ( 1877-1968)
Poeta, escritor, historiador, jornalista, professor e militante republicano e anticlerical, pertenceu ao Movimento de Unidade Democrática (MUD) e à Maçonaria. Foi um intelectual de renome, um dos mais tenazes opositores ao regime salazarista, tendo estado várias vezes preso pela polícia política.
A perseguição a Tomás da Fonseca afastou-o das atividades docentes que ele desenvolvia no Conselho Superior de Instrução Pública, da direção da Escola Normal de Lisboa e de Coimbra e da Universidade Livre de Coimbra, que ele ajudou a fundar.
Na imagem seguinte mostramos um excerto da Carta de Tomás da Fonseca ao Diretor da Penitenciaria [de Coimbra], datada de 1918, onde os professores signatários [José Nunes Cordeiro, Cesar Anjo de Deus e] José Tomás da Fonseca, presos políticos, põem à disposição do diretor da Penitenciária os seus serviços profissionais de professores, a fim de poderem passar a dar aulas aos seus companheiros de cárcere analfabetos.
FonsecaTomasCartaAdiretorDaPenitenciariaexcerto.jpg[1]
  • Livro Proibido - Filha de Labão
Data de 1951, o livro  Filha de Labão, novela rústica (na modesta definição do autor), cuja acção decorre na segunda metade do século XIX. [É]uma aguarela pitoresca e poética de costumes e tipos humanos, onde a vida campesina palpita bucólica e rude, com suas virtudes, atavismos e vícios.
  • Excerto 1 - Lido por Gustavo Ralha, 12.º ano.
E o sentimento que ela punha em tudo o que da garganta lhe saía!
Foi a mulher do Julião a primeira que reparou nesse dom da pequena:
- É uma cotovia!
  • Excerto 2 - lido por Rita M., 12.º ano.
A Ciranda e o Verde Gaio não esqueciam nunca.
Debruçado sobre o fole, que alargava para em seguida o comprimir,
o Agostinho acelerava a dança, fazendo andar tudo numa verdadeira dobadoira.
  • Excerto 3 - Lido por Diogo A., 12.º ano.
O Abílio de Eirigo era dos mais assíduos; mas as raparigas não lhe tinham afeição, porque as beliscava, e à noite, na fonte, se lhes ajudava os cântaros, era na mira de partidinhas sem graça. Além disso, tinha a língua ponteira, só sabendo dizer coisas atrevidas ou feias.
Um dia, soltando uma das suas, foi expulso da roda.
- És uma besta – berrou-lhe o Vitorino. – Quem assim é, vai para a estrebaria.
- Vá ele mais a …
Galegada esta que lhe valeu dois bofetões, tão em cheio que nesse Verão não tornou mais a aparecer.
  • Excerto 4 - lido por António G., 12.º ano.
Quer chovesse ou nevasse, lá ia ela ceifar erva ou apanhar azeitona, até à hora de seguir para o monte com o gado, levando apenas na algibeira um bocado de broa e uma sardinha assada.
Valia-lhe o medronho, as amoras e o farnel das companheiras. Os gados quase sempre os juntavam, sobretudo no Estio, para melhor os guardarem das ínsuas e das vinhas. As outras pastoras, mais velhas, sentavam-se a falar de rapazes, a costurar ou fazer renda, e era a ela que mandavam aqueivar o rebanho ou correr às vessadas, para onde fugiam sempre as cabras ladras.
- Ó Maria! Não vejo a Ruiva. Deve andar já na ladroagem.
E a pobre a correr logo na direção do rio, à beira do qual verdejavam os milhos e os cordões de videiras subiam nas testadas.
  • Excerto 5 - Capítulo II - Na Cova da Onça.
Aos anos que isso foi!
Era no Outono, porque andavam na Lapa da Raposa a apanhar o medronho, quando ela desceu o Cabeço do Galo, embrulhadita num mandil.
Franzina, uns dez anos talvez, mas revelando já os traços finos e maneiras que em poucos anos fariam dela a moça esbelta e resoluta cuja memória seria sempre evocada com saudade. Contratara-a o Fusco para pastora do rebanho que possuía então: meio cento de cabras, bravias como feras.
Veio trazê-la uma velhota, sua avó, porque a mãe, doente havia meses, mal se arrastava da lareira para a porta da casa, onde fiava lã e dobava os novelos para a vizinha tecedeira que, por caridade, lhe dava ocupação.
Com o Fusco vivia a irmã Florinda – mulher barbuda e violenta que entre os vizinhos nunca foi estimada.
Por isso, quando a viram passar – saíta curta, blusa no fio e descalça -, todos tiveram pena.
- Onde ela foi cair!
Não se enganaram. Ainda a manhã estava em Celorico, e já os berros atroavam a casa.
- Salta fora, mostrengo. Não vales o que comes.
E, pela noite adiante, sempre naquela pregação.
- Quem te partisse uma cavaca na cabeça… Não serves para coisa nenhuma… És uma lesma…
  • Excerto 6 - Capítulo XX - A Cotovia Voltara Ao Ninho.
A casa onde nascera eram quatro paredes sem reboco, dentro das quais havia uma saleta, a cozinha e, à retaguarda, dois quartos iluminados por janelas de madeira.
Um como muitos das casebres da serra, hoje como há duzentos anos, despidos do mais elementar conforto.
À entrada da porta, o sobrado forma um semicírculo onde, sobre terra batida ou lajes de granito, se acende o lume, a panela ferve e o grilo canta.
As visitas sentam-se no escabelo de pinho, se o há, ou no rebordo do sobrado. No canto, o armário da louça – duas tábuas seguras na parede -, a pilheira para as maçarocas e o poial para o assado.
Às vezes aparece a cadeira de pinho, por pintar, a mesa do mesmo pau, onde se come, se joga a bisca, se passa a ferro ou se talha a blusa e objectos de confecção caseira, se há mulher ordenada.
Por trás da taipa, o mobiliário é igualmente escasso e primitivo. Dois bancos toscos sobre que assenta um rectângulo de madeira, que se enche de palha solta, quando falta a enxerga de estopa, duas mantas de farrapos, é o leito onde se dorme e os filhos nascem.
Na mesma divisão, a arca para o bragal e um ou outro tareco, de fabrico local.
O casebre onde vivia agora a Cotovia só tinha a mais que o das vizinhas o asseio.
  • Para saber mais

https://www.cm-mortagua.pt/autarquia/figuras-ilustres/tomas-da-fonseca


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