Fonseca, Tomás da - Livros Proibidos

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  • Tomás da Fonseca ( 1877-1968)
Poeta, escritor, historiador, jornalista, professor e militante republicano e anticlerical, pertenceu ao Movimento de Unidade Democrática (MUD) e à Maçonaria. Foi um intelectual de renome, um dos mais tenazes opositores ao regime salazarista, tendo estado várias vezes preso pela polícia política.
A perseguição a Tomás da Fonseca afastou-o das atividades docentes que ele desenvolvia no Conselho Superior de Instrução Pública, da direção da Escola Normal de Lisboa e de Coimbra e da Universidade Livre de Coimbra, que ele ajudou a fundar.
  • Livro Proibido - Filha de Labão
Data de 1951, o livro  Filha de Labão, novela rústica (na modesta definição do autor), cuja acção decorre na segunda metade do século XIX. [É]uma aguarela pitoresca e poética de costumes e tipos humanos, onde a vida campesina palpita bucólica e rude, com suas virtudes, atavismos e vícios.
  • Excerto 1- Capítulo II
  • Na Cova da Onça
Aos anos que isso foi!
Era no Outono, porque andavam na Lapa da Raposa a apanhar o medronho, quando ela desceu o Cabeço do Galo, embrulhadita num mandil.
Franzina, uns dez anos talvez, mas revelando já os traços finos e maneiras que em poucos anos fariam dela a moça esbelta e resoluta cuja memória seria sempre evocada com saudade.Contratara-a o Fusco para pastora do rebanho que possuía então: meio cento de cabras, bravias como feras.
Veio trazê-la uma velhota, sua avó, porque a mãe, doente havia meses, mal se arrastava da lareira para a porta da casa, onde fiava lã e dobava os novelos para a vizinha tecedeira que, por caridade, lhe dava ocupação.
Com o Fusco vivia a irmã Florinda – mulher barbuda e violenta que entre os vizinhos nunca foi estimada.
Por isso, quando a viram passar – saíta curta, blusa no fio e descalça -, todos tiveram pena.
- Onde ela foi cair!
Não se enganaram. Ainda a manhã estava em Celorico, e já os berros atroavam a casa.
- Salta fora, mostrengo. Não vales o que comes.
E, pela noite adiante, sempre naquela pregação.
- Quem te partisse uma cavaca na cabeça… Não serves para coisa nenhuma… És uma lesma…
  • Excerto 2
Quer chovesse ou nevasse, lá ia ela ceifar erva ou apanhar azeitona, até à hora de seguir para o monte com o gado, levando apenas na algibeira um bocado de broa e uma sardinha assada.
Valia-lhe o medronho, as amoras e o farnel das companheiras. Os gados quase sempre os juntavam, sobretudo no Estio, para melhor os guardarem das ínsuas e das vinhas. As outras pastoras, mais velhas, sentavam-se a falar de rapazes, a costurar ou fazer renda, e era a ela que mandavam aqueivar o rebanho ou correr às vessadas, para onde fugiam sempre as cabras ladras.
- Ó Maria! Não vejo a Ruiva. Deve andar já na ladroagem.
E a pobre a correr logo na direcção do rio, à beira do qual verdejavam os milhos e os cordões de videiras subiam nas testadas.
  • Excerto 3
Aos domingos, os rapazes, no regresso da missa, iam ter à Ribeira dos Moinhos, onde, à sombra dos carvalhos, passavam horas esquecidas, conversando ou bailando com as suas namoradas.Mas se do outro lado do rio aparecia o Antonino, fato novo, chapéu cor de café, relógio à cinta e um cravo entalado nas cravelhas da requinta, a todos nascia uma alma nova.
Tudo se preparava para, sobre a relva macia, entoar em coro a Machadinha ou estalar o Vira, guiados pela voz da Parrana:
Ó moças, dançai o vira…
Às vezes juntavam-se-lhes ranchos numerosos, atraídos pela guitarra do Abel Zoto, ou pelo harmónio do Agostinho:
Ó minha caninha verde,
Ó minha verde caninha…

A Ciranda e o Verde Gaio não esqueciam nunca. Debruçado sobre o fole, que alargava para em seguida o comprimir, o Agostinho acelerava a dança, fazendo andar tudo numa verdadeira dobadoira:
Vem para os meus braços,
Que o teu bem sou eu…
  • Excerto 4
O Abílio de Eirigo era dos mais assíduos; mas as raparigas não lhe tinham afeição, porque as beliscava, e à noite, na fonte, se lhes ajudava os cântaros, era na mira de partidinhas sem graça. Além disso, tinha a língua ponteira, só sabendo dizer coisas atrevidas ou feias.
Um dia, soltando uma das suas, foi expulso da roda.
- És uma besta – berrou-lhe o Vitorino. – Quem assim é, vai para a estrebaria.
- Vá ele mais a …
Galegada esta que lhe valeu dois bofetões, tão em cheio que nesse Verão não tornou mais a aparecer.
  • Excerto 5
Em geral eram rapazes divertidos, que nunca levavam a confiança além de um estreitamento mais forte quando andavam enlaçados ao par. Outros arrancavam-lhes o lenço da cabeça e atavam-no em volta do pescoço, como laço de amor.
Elas não desgostavam, apesar de saberem que ao findar os bailados, se queriam reavê-los, tinham de ir desatá-los, o que dava lugar, quase sempre, a uma ou outra graça com que faziam rir a malta.
- Foi para que me enforcasses… Mas tu, que não quiseste, lá sabes a razão.
Se o lenço fora atado em nó cego, demoravam mais a deslaçá-lo. Por vezes fingiam-se zangadas. E eles:
- Não olhes para mim dessa maneira, que me tiras o sono…
E elas:
- Toleirão!
O gado, esse, é que não se importava com bailados, e por isso era preciso alguém que o aqueivasse ou o seguisse, de valeiro em valeiro, através de matagais, com as pernas em sangue, arranhadas pelo bico dos tojos e das silvas.
- Ó Maria, anda lá, que nós já vamos…
Mas às vezes as danças só findavam quando o rebanho apontava no Alto das Penedas.
Todavia, nunca daquela boca delicada se soltou um queixume.
Apesar de criança, tinha uma voz harmoniosa e clara, ensaiada nas cantigas que ouvia às companheiras:<br /quero cantar, quero rir,
Que a tristeza não faz bem…
E o sentimento que ela punha em tudo o que da garganta lhe saía!
Foi a mulher do Julião a primeira que reparou nesse dom da pequena:
- É uma cotovia!
  • Capítulo XX A Cotovia Voltara Ao Ninho

Excerto 6

A casa onde nascera eram quatro paredes sem reboco, dentro das quais havia uma saleta, a cozinha e, à retaguarda, dois quartos iluminados por janelas de madeira.
Um como muitos das casebres da serra, hoje como há duzentos anos, despidos do mais elementar conforto.
À entrada da porta, o sobrado forma um semicírculo onde, sobre terra batida ou lajes de granito, se acende o lume, a panela ferve e o grilo canta.
As visitas sentam-se no escabelo de pinho, se o há, ou no rebordo do sobrado. No canto, o armário da louça – duas tábuas seguras na parede -, a pilheira para as maçarocas e o poial para o assado.
Às vezes aparece a cadeira de pinho, por pintar, a mesa do mesmo pau, onde se come, se joga a bisca, se passa a ferro ou se talha a blusa e objectos de confecção caseira, se há mulher ordenada.
Por trás da taipa, o mobiliário é igualmente escasso e primitivo. Dois bancos toscos sobre que assenta um rectângulo de madeira, que se enche de palha solta, quando falta a enxerga de estopa, duas mantas de farrapos, é o leito onde se dorme e os filhos nascem.
Na mesma divisão, a arca para o bragal e um ou outro tareco, de fabrico local.
O casebre onde vivia agora a Cotovia só tinha a mais que o das vizinhas o asseio.
  • Para saber mais

https://www.cm-mortagua.pt/autarquia/figuras-ilustres/tomas-da-fonseca

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Carta de Tomás da Fonseca ao Director da Penitenciaria [de Coimbra], datada de 1918, onde os professores signatários [José Nunes Cordeiro, Cesar Anjo de Deus e] José Tomás da Fonseca,  presos políticos, põem à disposição do director da Penitenciária os seus serviços profissionais de professores, a fim de poderem passar a dar aulas aos seus companheiros de cárcere analfabetos.


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