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− | Uma leitura intercultural d’Os Lusíadas: o episódio da Chegada à Índia
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− | '''''A epopeia Os Lusíadas''''', publicada há 450 anos, (...) é a primeira obra da literatura europeia que descreve o subcontinente indiano.<br /> A Índia só reaparece na literatura europeia dois séculos mais tarde, com a publicação, na década de 1780, em Inglaterra, das primeiras “narrativas indianas”. No entanto, o género só em 1888 viria a popularizar-se com as '''''Plain Tales from the Hills''''', de '''Rudyard Kipling''' (Buda, 1985), uma antologia de contos, dois dos quais estão publicados, em Portugal, nos '''''Três Contos da Índia''''' (1998) – '''''“Para lá da cerca” e “O portão das cem mágoas”''''' sendo este último considerado um dos melhores romances alguma vez escritos sobre a Índia (Buda, 1985). Em 1907, '''Kipling''' foi o primeiro escritor de língua inglesa a ser galardoado com o Prémio Nobel.<br />
| + | [[File:LusiadasAteneu.jpg]] |
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| + | Primeira edição de Os Lusíadas em exibição no Ateneu Comercial do Porto para assinalar os 450 anos da publicação da obra de Camões, que custou 170 escudos, em 1904… |
| + | In: |
| + | https://ateneucomercialporto.pt/2022/03/01/em-exibicao-primeira-edicao-de-os-lusiadas-para-assinalar-os-450-anos-da-publicacao-da-obra-de-camoes/ |
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| + | '''Os Lusíadas''' é mais do que um poema épico; é um testemunho do espírito aventureiro e da força do sonho humano. Escrito por '''Luís de Camões''' no auge das Descobertas Portuguesas, a obra celebra a coragem, a determinação e o engenho de um povo que ousou cruzar mares desconhecidos e expandir horizontes. |
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| + | Combinando história, mitologia e emoção, '''Camões''' transforma as conquistas marítimas numa narrativa universal sobre desafios e superação. Em cada verso, sentimos a paixão por Portugal e pela humanidade, enquanto a busca por glória se mistura com reflexões profundas sobre a fragilidade humana e a grandeza do destino. |
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− | * Sugestão de Leitura de algumas estrofes do episódio "A Chegada à Índia":<br />
| + | Os Lusíadas não é apenas um relato de viagens, mas um convite à reflexão sobre o que significa ousar, sonhar e persistir. Lê-lo é embarcar em uma jornada de inspiração, onde cada estrofe nos lembra que, com coragem e visão, podemos navegar pelos nossos próprios "mares nunca dantes navegados". |
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− | '''1.1. A Índia em 1498''' (VII.16-22)<br />
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− | Na sua descrição da Índia à chegada de Vasco da Gama, em 1498, Camões assinala as principais características geográficas (VII.17; VII.18) – os rios Indo e Ganges, os Himalaias, a península e o oceano Índico –, refere oito povos e/ou reinos cujos territórios correspondem à quase totalidade do subcontinente indiano, o que é hoje o Paquistão, o Nepal, o Butão, o Bangladeche e a Índia.<br />
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− | '''17'''<br />
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− | Além do Indo jaz e aquém do Gange <br />
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− | Um terreno mui grande e assaz famoso <br />
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− | Que pela parte Austral o mar abrange <br />
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− | E pera o Norte o Emódio cavernoso. <br />
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− | Jugo de Reis diversos o constrange <br />
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− | A várias leis: alguns o vicioso<br />
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− | Mahoma, alguns os Ídolos adoram, <br />
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− | Alguns os animais que entre eles moram.<br />
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− | <br />
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− | Nota: 17.1-7 <br />
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− | ''“Além do Indo jaz e aquém do Gange”'': o Poeta traça os limites da Índia. <br />
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− | Para o norte o “Emódio” (Hemodus ou Emodus), parte do Himalaia;<br />
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− | envolve-o a oriente e a ocidente o oceano Índico (golfo de Bengala a oriente e mar Arábico a ocidente);<br />
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− | '''18'''<br />
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− | <br />
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− | Lá bem no grande monte que, cortando <br />
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− | Tão larga terra, toda Ásia discorre, <br />
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− | Que nomes tão diversos vai tomando <br />
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− | Segundo as regiões por onde corre, <br />
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− | As fontes saem donde vêm manando <br />
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− | Os rios cuja grão corrente morre<br />
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− | No mar Índico, e cercam todo o peso <br />
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− | Do terreno, fazendo-o quersoneso<br />
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− | <br />
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− | '''19'''<br />
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− | <br />
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− | Entre um e o outro rio, em grande espaço<br />
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− | Sai da larga terra ũa longa ponta,<br />
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− | Quási piramidal, que, no regaço <br />
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− | Do mar, com Ceilão ínsula confronta; <br />
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− | E junto donde nasce o largo braço <br />
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− | Gangético, o rumor antigo conta <br />
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− | Que os vizinhos, da terra moradores, <br />
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− | Do cheiro se mantêm das finas flores.<br />
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− | Notas:<br />
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− | 18.1-8 <br />
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− | ''“Lá bem no grande monte que, cortando”'': só pode tratar-se do "Emódio cavernoso" ou Himalaia, donde saem as fontes do Indo e do Ganges; “... e cercam todo o peso / Do terreno, fazendo-o quersoneso”: o Indo vem de norte para ocidente e o Ganges de norte para oriente. Toda a terra da Índia abaixo desses rios até ao Índico forma uma península (quersoneso). <br /> >
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− | 19.1-8 <br />
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− | “Entre um e o outro rio, ... / Sai da larga terra ũa longa ponta, / Quási piramidal, ...”: desde as margens dos dois grandes rios a terra da Índia vem-se estreitando até tomar quase a forma de pirâmide, cuja ponta confronta com a ilha de Ceilão; “... o rumor antigo conta / Que os vizinhos, ... / Do cheiro se mantêm das finas flores”: na composição Querendo escrever um dia o Poeta refere a lenda nestes termos: <br />
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− | Escrevem vários autores,<br />
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− | que, junto da clara fonte<br />
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− | do Ganges, os moradores<br />
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− | vivem do cheiro das flores <br />
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− | que nacem naquele monte.<br />
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− | Se os sentidos podem dar <br />
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− | mantimento ao viver, <br />
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− | não é, logo, d’ espantar,<br />
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− | se estes vivem de cheirar, <br />
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− | que viv’eu só de vos ver. <br />
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− | (Rimas, mihi, p. 8) <br />
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− | “ad extremos fines Indiae ab oriente circa fontem Gangis Astomorum gentem sine ore, corpore toto hirtam, vestiri frondium lanugine, halitu tantum viventem et odore quem naribus trahant; nullum illis cibum nullumque potum, radicum tantum florumque varios odores et silvestrium malorum, quae secum portant longiore itinere ne desit olfactus» (Plínio, NH, VII.25).<br />
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− | <br />
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− | 20<br />
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− | Mas agora, de nomes e de usança<br />
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− | Novos e vários são os habitantes: <br />
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− | Os Deliis, os Patanes, que em possança <br />
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− | De terra e gente, são mais abundantes; <br />
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− | Decanis, Oriás, que a esperança <br />
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− | Têm de sua salvação nas ressonantes <br />
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− | Águas do Gange; e a terra de Bengala, <br />
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− | Fértil de sorte que outra não lhe iguala;<br />
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− | 21<br />
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− | <br />
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− | O Reino de Cambaia belicoso<br />
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− | (Dizem que foi de Poro, Rei potente); <br />
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− | O Reino de Narsinga, poderoso <br />
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− | Mais de ouro e pedras que de forte gente.<br />
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− | Aqui se enxerga, lá do mar undoso,<br />
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− | Um monte alto, que corre longamente, <br />
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− | Servindo ao Malabar de forte muro, <br />
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− | Com que do Canará vive seguro. <br />
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− | 22 <br />
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− | Da terra os naturais lhe chamam Gate, <br />
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− | Do pé do qual, pequena quantidade, <br />
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− | Se estende ũa fralda estreita, que <br />
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− | Do mar a natural ferocidade. <br />
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− | Aqui de outras cidades, sem debate, <br />
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− | Calecu tem a ilustre dignidade <br />
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− | De cabeça de Império, rica e bela; <br />
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− | Samorim se intitula o senhor dela<br />
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Os Lusíadas não é apenas um relato de viagens, mas um convite à reflexão sobre o que significa ousar, sonhar e persistir. Lê-lo é embarcar em uma jornada de inspiração, onde cada estrofe nos lembra que, com coragem e visão, podemos navegar pelos nossos próprios "mares nunca dantes navegados".