Difference between revisions of "Alegre, Manuel - Livros proibidos"

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minha pátria à flor das águas<br />
 
para onde vais? Ninguém diz.<br />
 
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Vi florir os verdes ramos<br />
 
direitos e ao céu voltados.<br />
 
E a quem gosta de ter amos<br />
 
vi sempre os ombros curvados.<br />
 
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E o vento não me diz nada<br />
 
ninguém diz nada de novo.<br />
 
Vi minha pátria pregada<br />
 
nos braços em cruz do povo.<br />
 
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Vi minha pátria na margem<br />
 
dos rios que vão pró mar<br />
 
como quem ama a viagem<br />
 
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Vi navios a partir<br />
 
(minha pátria à flor das águas)<br />
 
vi minha pátria florir<br />
 
(verdes folhas verdes mágoas).<br />
 
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Há quem te queira ignorada<br />
 
e fale pátria em teu nome.<br />
 
Eu vi-te crucificada<br />
 
nos braços negros da fome.<br />
 
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E o vento não me diz nada<br />
 
só o silêncio persiste.<br />
 
Vi minha pátria parada<br />
 
à beira de um rio triste.<br />
 
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Ninguém diz nada de novo<br />
 
se notícias vou pedindo<br />
 
nas mãos vazias do povo<br />
 
vi minha pátria florindo.<br />
 
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E a noite cresce por dentro<br />
 
dos homens do meu país.<br />
 
Peço notícias ao vento<br />
 
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Mas há sempre uma candeia<br />
 
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canções no vento que passa.<br />
 
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Mesmo na noite mais triste<br />
 
em tempo de servidão<br />
 
há sempre alguém que resiste<br />
 
há sempre alguém que diz não.<br />
 
 
– Manuel Alegre, do livro “Praça da Canção”, 1965.
 
 
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Mas há sempre uma candeia<br />
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'''Manuel Alegre, do livro “Praça da Canção”, 1965.'''
  
 
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Revision as of 16:06, 31 January 2024

  • O Canto e as Armas


*“As mãos”

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas de mãos.
E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas: nas tuas mãos começa a liberdade.

Manuel Alegre, O Canto e as Armas, 1967


  • “O canto e as armas”


Canto as armas e os homens
as pedras os metais
e as mãos que transformando
se transformam. Eu canto
o remo e a foice. Os símbolos.
Meu sangue é uma guitarra
tangida pelo Tempo.

Canto as armas e as mãos.
E as palavras que foram
areias tempestades
minutos. E o amor.
E também a memória
do cravo e da canela.
E também a quentura
de outras mãos: terra e astros.
E também a tristeza
e a festa. O sangue e as lágrimas.
O vinho: puro arder.
E também a viagem:
navegação lavoura
indústria – esse combate.
Procurai-me nas armas
no sílex no barro.
Pedra: meu nome é esse.
E escreve-se no vento.
Canto o carvão e as cinzas
as gazelas e os peixes
na fogueira contínua
das cavernas. E a pele
do tigre sobre a pele
do homem. Eis meu rosto:
está gravado na rocha.
Procurai-me no fóssil
e no carvão. Meu rosto
é cinza e Primavera.

Canto as armas e os homens.
Porque a Tribo me disse:
tu guardarás o fogo.
E por armas me deu
o bronze das palavras.

Meu nome é flecha. E perde-se
no pássaro. Começa
meu canto onde começa
a construção. Pastores
do tempo são meus dedos.
Caçadores de coisas
impossíveis. Eu canto
os dedos que transformam
e se transformam. Canto
as marítimas mãos
de Magalhães. As mãos
voadoras de Gagárine.

Procurai-me no mar
procurai-me no espaço.
Estou no centro da terra.
Meu nome é cinza. E espalha-se
no vento. Sou adubo
fermentação floresta.
E cintilo nas armas.

Canto as armas e o Tempo.
As minhas armas o
meu tempo. E desarmado
pergunto à flor pergunto
ao vento: vistes lá
o meu país? E o meu
país está nas palavras.
Porque a Tribo me disse:
tu guardarás o fogo.
E por armas me deu
esta espada este canto.

O Canto e as Armas, 1967

Trova do vento que passa
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas
.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio — é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre, do livro “Praça da Canção”, 1965.

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