Alegre, Manuel - Livros proibidos

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Alegre, Manuel - fotog.jpg Alegre, Manuel - O Canto e as Armas - capa.jpg ManuelAlegredespacho.1800x0.jpg PracadacancaomanuelAlegre.jpg

Informação de um agente da PIDE sobre a inquirição de Manuela Duarte, mãe de Manuel Alegre, relativa à edição de O Canto e as Armas, 15 junho de 1970
.

  • Manuel Alegre (1936 - )
Poeta, escritor, político e deputado. Esteve preso pela PIDE em 1963 e partiu para o exílio em 1964 (Paris e Argel). Prémio Camões em 2017. "Antifascista corajoso, bateu-se contra a Ditadura em várias frentes de luta. Passou dez anos exilado em Argel, onde foi dirigente da Frente Patriótica de Libertação Nacional. Aos microfones da emissora «A Voz da Liberdade», a sua voz converte-se num símbolo de resistência e liberdade. É um poeta e militante da Resistência." in facebook Antifacistas da Resistência. 
  • Livros Censurados
"Na década de 1960, os seus dois primeiros livros, Praça da Canção (1965) e “O Canto e as Armas” (1967), foram apreendidos pela censura. Os seus poemas foram cantados por, entre outros, José Afonso, Amália Rodrigues, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e Luís Cília." [1] "A poesia de Manuel Alegre em Praça da canção e O Canto e as Armas atua como um discurso de testemunho da Guerra Colonial e como resistência à mitologia imperialista do Estado Novo de Salazar. (...) Os poemas de Manuel Alegre, escritos no exílio e ainda no decorrer da guerra questionam a identidade nacional portuguesa, evidenciado que a imagem de império, símbolo máximo do nacionalismo salazarista e da história lusitana correspondia também a uma realidade permeada pela violência e opressão. O testemunho poético/literário de Manuel Alegre, [partiu] da [sua] experiência dos campos de batalha no norte de Angola na Guerra Colonial."[2]
ManuelAlegredespacho-censura.jpg

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Eu vi Abril por fora e Abril por dentro
vi o Abril que foi e o Abril de agora
eu vi Abril em festa e Abril lamento
Abril como quem ri como quem chora.

Eu vi chorar Abril e Abril partir
vi o Abril de sim e Abril de não
Abril que já não é Abril por vir
e como tudo o mais contradição.

Vi o Abril que ganha e Abril que perde
Abril que foi Abril e o que não foi
eu vi Abril de ser e de não ser.

Abril de Abril vestido (Abril tão verde)
Abril de Abril despido (Abril que dói)
Abril já feito. E ainda por fazer.

in Chegar aqui, 1984.
Nota: este poema foi publicado depois do 25 de Abril, ainda assim faz todo o sentido aqui estar. Todos os seguintes poemas são dos livros proibidos referidos acima.

PracadacancaomanuelAlegre.jpg
Praça da Canção, 1965.

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas
.
Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio — é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Alegre, Manuel - O Canto e as Armas - capa.jpg
O Canto e as Armas, 1967.

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas de mãos.
E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas: nas tuas mãos começa a liberdade.


É possível falar sem um nó na garganta
é possível amar sem que venham proibir
é possível correr sem que seja fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.

É possível andar sem olhar para o chão
é possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros
se te apetece dizer não grita comigo: não.

É possível viver de outro modo. É
possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.

Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.


As colunas partiam de madrugada
Para o norte partiam para a morte
Partiam de Luanda flor pisada
Levavam morte de Luanda para o norte.

De Luanda partiam flor pisada
Colunas que levavam.
Luanda para o norte para a morte
De Luanda partiam madrugada.

De Luanda madrugada para o norte
As colunas partiam
Levavam de Luanda a flor pisada
Para a morte do norte para a morte.

Partiam de Luanda madrugada
Colunas para o norte
Levavam morte de Luanda
Para o norte da morte flor pisada.

De Luanda partiam as colunas
Para o norte partiam flor pisada
De Luanda levavam para o norte
A morte de madrugada.

Partiam as colunas de Luanda
Levavam para a morte
A madrugada: flor pisada
Ao norte.


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  • O Canto e as Armas”, pág. 19 a 21.

Canto as armas e os homens
as pedras os metais
e as mãos que transformando
se transformam. Eu canto
o remo e a foice. Os símbolos.
Meu sangue é uma guitarra
tangida pelo Tempo.

Canto as armas e as mãos.
E as palavras que foram
areias tempestades
minutos. E o amor.
E também a memória
do cravo e da canela.
E também a quentura
de outras mãos: terra e astros.
E também a tristeza
e a festa. O sangue e as lágrimas.
O vinho: puro arder.
E também a viagem:
navegação lavoura
indústria – esse combate.
Procurai-me nas armas
no sílex no barro.
Pedra: meu nome é esse.
E escreve-se no vento.
Canto o carvão e as cinzas
as gazelas e os peixes
na fogueira contínua
das cavernas. E a pele
do tigre sobre a pele
do homem. Eis meu rosto:
está gravado na rocha.
Procurai-me no fóssil
e no carvão. Meu rosto
é cinza e Primavera.

Canto as armas e os homens.
Porque a Tribo me disse:
tu guardarás o fogo.
E por armas me deu
o bronze das palavras.

Meu nome é flecha. E perde-se
no pássaro. Começa
meu canto onde começa
a construção. Pastores
do tempo são meus dedos.
Caçadores de coisas
impossíveis. Eu canto
os dedos que transformam
e se transformam. Canto
as marítimas mãos
de Magalhães. As mãos
voadoras de Gagárine.

Procurai-me no mar
procurai-me no espaço.
Estou no centro da terra.
Meu nome é cinza. E espalha-se
no vento. Sou adubo
fermentação floresta.
E cintilo nas armas.

Canto as armas e o Tempo.
As minhas armas o
meu tempo. E desarmado
pergunto à flor pergunto
ao vento: vistes lá
o meu país? E o meu
país está nas palavras.
Porque a Tribo me disse:
tu guardarás o fogo.
E por armas me deu
esta espada este canto.

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