Pastora da serra - Redondilha - Luís de Camões
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pintura de Camille Pissarro - Pastora e ovelhas
Pastora da serra
CANTIGA ALHEIA
Pastora da serra,
da serra da Estrela,
perco-me por ela.
VOLTAS
Nos seus olhos belos
tanto Amor se atreve,
que abrasa entre a neve
quantos ousam vê-los.
Não solta os cabelos
Aurora mais bela:
perco-me por ela.
Não teve esta serra
no meio da altura
mais que a fermosura
que nela se encerra.
Bem céu fica a terra
que tem tal estrela:
perco-me por ela.
Sendo entre pastores
causa de mil males,
não se ouvem nos vales
senão seus louvores.
Eu só por amores
não sei falar nela:
sei morrer por ela.
De alguns que, sentindo,
seu mal vão mostrando,
se ri, não cuidando
que inda paga, rindo.
Eu, triste, encobrindo
só meus males dela,
perco-me por ela.
Se flores deseja
por ventura delas,
das que colhe, belas,
mil morrem de enveja.
Não há quem não veja
todo o milhor nela:
perco-me por ela.
Se na água corrente
seus olhos inclina,
faz luz cristalina
parar a corrente.
Tal se vê, que sente,
por ver-se, água nela:
perco-me por ela.
Vilancete composto a partir de um mote, talvez de origem popular. As endechas, de uma grande frescura, sugerem a poesia tradicional e, sob a forma de uma linguagem bucólica e pastoril, ainda em voga na época, é possivelmente uma homenagem cortesã.
Este poema é uma celebração da beleza encantadora e da presença radiante da pastora da serra da Estrela, apresentada como uma figura sublime e irresistível. O eu lírico confessa-se completamente enfeitiçado por ela, a ponto de se perder de si mesmo.
Os olhos belos da pastora são comparados ao poder da aurora e ao calor que desafia a frieza da serra. A sua beleza supera até as alturas da serra e transforma a terra em um verdadeiro céu. Além disso, o impacto de sua presença é tão grande que causa inveja às flores e parece influenciar até mesmo a corrente dos rios, que para ao refletir sua imagem.
Apesar de ser objeto de louvor e desejo de muitos, a pastora mantém-se indiferente, sorrindo sem perceber que pode causar sofrimento. O poeta, em contraste com outros, prefere ocultar sua dor e exalta sua devoção à amada, vivendo e morrendo pelo amor que sente por ela.
A cantiga expressa a força transformadora do amor e da beleza, utilizando imagens naturais e sensações para descrever a magnitude da paixão do eu lírico.