Passos, Bernardo - A Obra Poética de Bernardo de Passos
Bernardo de Passos (1876–1930)
Poeta e jornalista de São Brás de Alportel, muito ligado ao movimento republicano e à poesia de inspiração social e regional. Formou-se em Direito em Coimbra, onde conviveu com figuras ligadas ao ideal republicano e à Geração de 90. Depois regressou ao Algarve, onde se destacou pela sua poesia social, cívica e profundamente humana.
A sua casa natal, em São Brás de Alportel, é hoje Casa-Museu Bernardo de Passos, centro de preservação da sua memória literária e cívica.
O texto que se segue, o prefácio de Joaquim Magalhães à "Obra Poética de Bernardo Passos" apresenta o poeta como um homem tímido, sensível e de vida discreta. A sua obra poética, embora breve, revela um lirismo marcado pela sensibilidade, bondade, ternura e patriotismo sentimental, combina a delicadeza lírica com o amor ao próximo, à natureza e à pátria, tornando-a acessível e ao mesmo tempo rica em sensibilidade, convidando o leitor a descobrir pessoalmente as nuances e riquezas dos seus poemas
PALAVRAS DE INTRODUÇÃO
- Excerto 1
Algumas datas assinalam naturalmente a vida de Bernardo de Passos. Uma vida sem grandes aventuras, que não as teve um homem tímido e sensível como ele foi.
Em 1876 — nascimento, a 29 de Outubro.
EM 1930 — morte, em Faro, a 2 de Junho.
A existência do poeta decorre assim, entre estes dois pontos no tempo; e entre estes dois sítios: a sua vila natal e a cidade em que exerceu várias funções.
Filho de jornalista, republicano desde a infância, assim se pode dizer, como também do mesmo modo se pode afirmar que foi poeta, quando descobriu a veia, por volta dos nove anos.
Quiseram destiná-lo à vida comercial. Experimentou a de farmacêutico, em S. Brás e em Lisboa, onde aliás fez os respetivos preparatórios. Mas a vida comercial não o seduziu.
Foi solicitador na sua vila natal; e também aqui escrivão do juízo de paz.
Com o advento da República, no começo do mês em que completava 34 anos, foi nomeado administrador do concelho e comissário de polícia de Faro, por inerência de cargo, bem entendido.
Mais tarde conseguiram os amigos convencê-lo a estabilizar-se nas funções de Secretário da Câmara de Faro.
Nesta cidade deu lições, gratuitamente, claro, no Centro Republicano. Em Faro escreveu em jornais. Em Faro, com outro amador jornalista, António Santos, funda "O Correio do Sul" (1 de Fevereiro de 1920).
Estas, algumas, as mais significativas atividades do homem e do cidadão. Porque a grande aventura de Bernardo de Passos é evidentemente a obra poética. Não muito extensa, em autor tão Auto exigente, como foi. Meia dúzia de títulos, apenas, no total.
"ADEUS" — 1902; "GRÃO DE TRIGO" — 1907; "PORTU-GAL NA CRUZ" — 1909; "BANDEIRA DA REPÚBLICA" — 1913. E mais: "A ÁRVORE E O NINHO" — 1931; e "REFÚGIO" — 1936, postumamente publicados, mas organizados pelo autor.
O volume de poesias dispersas, que fora anunciado será o que corresponderia às tais já referidas composições "muito antigas" e outras que em seus rascunhos aparecem e agora se incluem nesta publicação.
- Excerto 2
A obra de Bernardo de Passos é toda ela de expressão lírica. O que o poeta escreveu é reflexo da sua vida interior, o espelho de uma sensibilidade e de uma consciência. Do seu amor ao Belo, da sua ternura pelo fraco, pelo desvalido, pelo pobre, pelo desamparado.
Deste modo, a bondade, a ternura, a delicadeza, a timidez, o sorriso, são as notas dominantes do seu lirismo.
Acrescentem-se-lhes as notas de patriotismo sentimental e o inevitável pendor saudosista de todo o português que se preza, seja poeta ou não.
Logo no primeiro livro, "ADEUS", de 1902, publicado dois anos depois da morte de António Nobre, autor do "Só", e num tempo em que a pessoa de Junqueiro e a sua poesia marcam, entre nós, o clima de sensibilidade, os temas desenvolvidos, melhor dizendo inspiradores, são, no nosso poeta, além do "Adeus" do título, o desencanto, a dúvida, o "spleen", a doçura do pranto, as ruínas, o inverno, a dor inútil, o apelo e a presença do sorriso, como palavras mais vezes presentes.
Aliás estas são as que servem de título a vários dos poemas do volume inicial. E revelam insofismavelmente, sem necessidade de aprofundamentos psicológicos difíceis, uma sensibilidade, dominada por uma melancolia saudosista, sem rebuscar formas de expressão.
"O GRÃO DE TRIGO" (Versos à Natureza e à Vida) sugere-nos a ideia de uma como que retificação ou reconciliação com a vida e consequentemente uma espécie de libertação dos domínios da tristeza.
A Natureza e a Vida tomam, neste algarvio típico, a lógica posição de primeiro lugar.
- Excerto 3
Outra nota característica, já anteriormente enunciada é a de insatisfação do artista. Melhorar formalmente um poema parece ser uma constante preocupação do artista.
No "GRÃO DE TRIGO" está, por exemplo, um poema com o título "A Árvore e o Ninho". São dezasseis quadras. Ora,.com quarenta e cinco prepara o voluminho saído em 31, póstumo com o mesmo título.
O poema "Sermão da Montanha" ("Grão de Trigo") vai aparecer em versão corrigida e aumentada e melhorada no volume "REFÚGIO" (1936).
E outros exemplos se poderiam dar.
Estes bastam, no entanto, apenas como possível chamar de atenção para uma faceta que nos parece fundamental da obra de Bernardo de Passos.
E, mais ou menos comum a todos os artistas, que como este, não desdenham os caminhos da perfeição.
O leitor curioso, porém, descobrirá por si as riquezas destes poemas, que, a partir de agora, ficam mais à sua disposição.
In: "A Obra Poética de Bernardo de Passos" p. 7 e 8
- Para saber mais sobre Bernardo de Passos:
1. Artigo de Joaquim Magalhães sobre Bernardo Passos no jornal Noticias de S. Braz:
https://hemeroteca.ualg.pt/resources/PDF/Noticias_SBraz_1976-10-29_0000.pdf
- Alguns poemas do livro A Obra poética de Bernardo Passos:
1. SAUDADES
Saudades de amor, são penas
Que nascem do coração…
E como as penas das aves,
Quantas mais, mais brandas são!
Meu coração fez um ninho
Como o das aves perfeito,
Juntando todas as penas
De que ele me encheu o peito…
E nesse ninho, a sonhar
Dorme, assim, horas serenas,
Como dorme um passarinho
Sobre o seu ninho de penas
2. REGRESSO
Minha aldeia, voltei! Ave-marias…
Teu crepúsculo de oiro até parece
Que me canta e me embala e me adormece,
A florir a amargura dos meus dias…
Como a urze das tuas serranias,
Poeta aqui nasci, sem que o soubesse,
E aqui, - visão de estrelas e de prece,
Vi meu primeiro amor, quando me vias!
Minha aldeia, voltei! – Anoiteceu…
Sobre o meu coração como um ninho,
Estendes a asa de oiro do teu céu…
E ele dorme e sorri, - o abandonado!-
Como dorme e sorri um passarinho,
Sob a asa da mãe agasalhado.
P.176
3. MEU PAI
Enquanto a chuva cai e o vento grita
No silêncio do noite escura e fria,
Evoco o tempo em que velhinho o via
Junto a lareira que ora aqui trepita.
Por esta casa que a Saudade habita,
Tão erma como a noite mais sombria,
Ainda vitro a trémula harmonia,
O eco triste d'essa voz bendita...
E sonho tê-lo, como então, ao lado,
Junto do lume antigo, aqui sentado,
Com o seu ar de santa em doce preces...
E desta solidão já me inebrio...
Ai! ver o Lar e achá-lo assim vazio
De quem sempre tão cheio ele parece!...
P. 41
4. MINHA ALDEIA
Visão Antiga
Dormita a aldeia ao longo da verdura,
E em torno. as fontes vão cantando às mároas.
Assim tranauila, caiadinha e pura,
Parece um cisne de brilhante alvura.
Sonhando auieto no frescor das águas.
Bate-lhe em cheio a lua opalescente,
Numa visão estranha de balada..
Oue paz augusta, elísia, ridente,
Paira sobre ela, a pálida dormente.
E aue festim de luz imaculada!
O vêu de prata que lhe tece a lua
Aranha cuia teia é o luar lindo.
Recorda fina gaze que flutua
Sobre uma criança alva, toda nua,
Em berço d'oiro a dormitar, sorrindo.
Um solitário cão, de quando em quando,
Đá um latido prolongado, insonte.
Algum lebréu a suspirar, sonhando,
Sobre nevadas palhas dormitando,
Junto à cabana, de vigia ao monte.
(...)
(p. 59)
5.CANTARES
(Para a sua boca)
Tens frescores da manha
Na tua boca pequena..
São dois bagos de romā
Esses teus lábios, morena!
À vista da tua boca,
- Rosa vermelha entreabrindo
Eu sinto-me abelha louca,
Para os teus lábios fugindo ...
São um botão entreaberto
Esses teus lábios sem par,
Que as borboletas, por certo,
Vão iludidas beijar!
A tua boca é notada,
Entre as das mais raparigas,
Como a papoila encarnada
Entre o oiro das espigas...
É taça cheia de amor
Essa boca graciosa...
Ainda sinto o sabor
Dos teus beijos cor de rosa!
(...)
P.70
In A obra poética de Bernardo de Passos, Edição Câmara Municipal de São Brás de Alportel, 1983
