Lamas, Maria - Livros Proibidos
(Fotos de Maria Lamas presa pela PIDE, em dezembro de 1949.)
- Maria Lamas (1893-1983)
Feminista, escritora, tradutora, jornalista e conferencista. Mulher de ação e intervenção cívica e política que lhe valeu a prisão por várias vezes: em 1949, sob acusação de difusão de notícias falsas e apelo à libertação dos presos políticos; em 1950, pelo crime de defender a paz; e em 1953, no regresso dum Congresso Mundial da Paz, realizado na URSS. Com a saúde afetada, decide-se pelo exílio político, tendo residido em Paris entre 1962 e 1969. Foi uma das mulheres portuguesas mais notáveis do século XX.
- Livro Proibido - Duas Conferências em Defesa da Paz
Em Portugal, Maria Lamas e Teixeira de Pascoaes, ao publicarem Duas Conferências em Defesa da Paz (1950), sofreram também a proibição do seu opúsculo, mas tal não foi suficiente. Maria Lamas foi encarcerada e a editora e organização, a Associação Feminina Portuguesa para a Paz, seria desmantelada pela ditadura.
- Obra quase proibida - As Mulheres do Meu País
O livro As Mulheres do meu País, publicado entre 1948 e 1950, em fascículos para fugir à censura do Estado Novo, é uma obra escrita e visual única sobre a vida das mulheres portuguesas dos anos de 1940. Maria Lamas dedicou este livro “a todas a mulheres portuguesas”. Confrontada com a indiferença do governo em relação à condição feminina em Portugal e com o encerramento da última associação feminina que persistia da 1ª República, o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, Maria Lamas respondeu que «iria observar como vivem as mulheres portuguesas e confirmar se os seus problemas estão realmente resolvidos». Foi assim que decidiu empreender a grande viagem por um Portugal ditatorial, subdesenvolvido e analfabeto.
Com o lema SEMPRE MAIS ALTO, a escritora viajou de autocarro, de carro, de carroça, a pé, de burro, subiu e desceu montes e vales, falou com centenas de pessoas, tirou centenas de fotografias. Relatou com realismo a vida das operárias, das intelectuais e das artistas; Fez o testemunho direto do modo de vida das mulheres portuguesas sobretudo as das zonas rurais. Encontrou a miséria, a ignorância, a superstição, o obscurantismo, a falta de condições básicas de higiene e de salubridade e a falta quase total de cuidados médicos.
- Excerto 1 - Conferência A Paz e a Vida por Maria Lamas, pág. 26, lido por Matilde Malgazeiro.
Agora, na segunda grande guerra, de 1939 a 1945, a ação da mulher foi tão importante, tão eficiente e decidida, que, sem ela, as Nações Unidas não poderiam ter alcançado a vitória.
Assim o declarou, entre outros, o general Montgomery.
Na agricultura, nas fábricas de material de guerra, nos serviços públicos, nos hospitais, e até nas mais complicadas e perigosas missões de carácter internacional, a mulher esteve presente com a sua inteligência, a sua capacidade de adaptação e competência técnica, a sua resistência física e moral, a sua dedicação sem limites.
Ela foi operária, trabalhadora rural, médica, funcionária, aviadora, meteorologista, foi tudo, quanto a guerra lhe exigiu que fosse!
Nas horas infernais dos bombardeamentos aéreos, a mulher deu as maiores provas de serenidade, coragem e altruísmo. A sua compreensão do que significava aquela guerra, e o seu amor pela Pátria, atingiram uma altura quase sobre-humana!
Pondo de parte a diferença de classes, de opiniões politicas e de crenças religiosas, as mulheres uniram-se na luta contra o inimigo comum, e foram, incontestavelmente, heroicamente, imprescindíveis obreiras do triunfo das democracias.
Sob o ponto de vista de coragem e valiosíssima colaboração, não há que distinguir entre as mulheres deste ou daquele país.
Todas foram admiráveis, no seu esforço de cumprir as tarefas de que as incumbiam ou de que elas próprias tomavam a iniciativa, conforme o perigo e as condições de luta lhe impunham.
- Excerto 2 - Conferência Pro Paz por Teixeira de Pascoaes, pág. 53, lido por Tiago V. Miguel.
Este facho imagino descobri-lo nas mãos das mulheres portuguesas, que lutam, no sentido divino deste verbo, pela sua independência e integração na História Humana, que tem sido exclusivamente masculina. Os doutores da lei, como tremendos machos, negavam todos os direitos às mulheres. E até lhes negavam a alma os doutores da igreja mais machos ainda que os da lei! E todavia foram elas que implantaram, no Mundo, o Cristianismo, para benefício dos homens ou das almas, pois só os homens têm alma, segundo os tais doutores. E assim, por culpa desses teólogos, há, no céu, marmanjos em vez de anjos. Se implantaram, no Mundo, a religião do amor, que elas plantem, agora, na Terra, a bandeira branca da paz! Fossem os governos constituídos por mulheres, ou por filósofos! Esta opinião, acerca dos filósofos, não me pertence. É dum alemão que vivia, na Foz, quando rebentou a primeira grande guerra, ou a primeira explosão da loucura germânica! Almoçava eu, no Mary Castro, na companhia de alemães e portugueses. A certa altura, comecei a falar contra a guerra, e assim disse: Como é que a Alemanha provoca semelhante conflito, na hora em que ela vai atingir o seu maior desenvolvimento científico, industrial e comercial! O alemão ouviu-me, e declarou com a maior naturalidade: Não haveria guerras, se as nações fossem governadas por filósofos. Não lhe respondi, então, como te responderia agora: Sim, por filósofos ou por mulheres. Um governo feminino, que, nessa época, se nos afigurava impossível, começa, enfim, a possibilizar-se, e será, amanhã uma realidade -que o impossível possibilisa-se, como afirmei no princípio desta palestra escrita e lida, tal é a ação da vontade humana sobre as próprias leis da Natureza, e a da liberdade sobre a fatalidade. A vontade faz milagres, com Santa ou como Demónia. Há milagres luminosos e tenebrosos. Agindo, a vontade masculina, desde a pré-história até aos nossos dias, tem cometido uma sucessão ininterrupta de crimes. A História Humana!"
- Poema Ode Sexta, In Sete Odes do Canto Comum, pág. 33 - 34 de
Orlando da Costa [1], lido por Tiago V. Miguel.
À Maria Lamas
Porque trazes na voz a voz das companheiras
Companheira te chamamos
Porque no teu olhar se alargam os olhos que semeiam e vigiam
O sol a todas as alturas o sol dos meninos e das colheitas
Porque nele se tornam mais límpidos os límpidos olhos das namoradas
Companheira te chamamos
(…)
Porque até o sol remoça na neve tranquila dos teus cabelos
E o vento sopra-te com a mesma força que a nós
Companheira te chamamos
Porque as palavras na tua boca
Têm a medida do mundo e a face dos mortais
Porque no teu ventre a fome e a vida se completaram
Porque no teu rosto fala o tempo até nós
Mãe te chamaríamos
Companheira te chamamos.
- Excerto 3 da obra "As Mulheres do Meu País"
As que têm filhos levam-nos, quase sempre, consigo. As crianças permanecem no recinto do «fogão», pasmadas, ou entretidas em brincadeiras pacatas, enquanto as mães trabalham. As crianças, naquele ambiente, têm um ar tristonho, que confrange. Dir-se-ia que qualquer coisa as atemoriza e lhes tira a natural vivacidade. Quando o filho é de «peito», uma irmãzinha ou outra criança toma conta dele e leva-o à mãe, para que ela lhe dê de mamar (…). A mãe, então dá-lhe o seio, mesmo de pé, sem sair da «lavra do arroz» nem tirar, sequer, os pés da água.
- Excerto 4 pág.18 do livro "Duas Conferências em Defesa da Paz"
«... Os povos querem hoje, mais do que nunca, o engrandecimento das respetivas pátria», o seu desenvolvimento e prestígio, tanto nacional como internacional. Mas, justamente porque se tornaram mais conscientes, os povos reconhecem que só na Paz - uma Paz estável e justa! - será possível resolver os seus problemas, não em teoria, mas realmente, em face das suas necessidades, dos seus direitos e das suas naturais aspirações.
Todos os conflitos de carácter internacional podem e devem ser resolvidos pacificamente, sem quebra de dignidade de parte a parte.
Posto isto, porque insistir na intensificação da psicose da guerra?
Será que, apesar de derrotado o fascismo, prevalecem ainda as condições que tornaram possível a sua ação nefasta, durante vinte anos de pesadelo, cujo desfecho foi a guerra mundial?...
- Excerto 5 pág.22 do livro "Duas Conferências em Defesa da Paz"
(...) Números referentes à segunda grande guerra:
Jovens de todas as raças e nacionalidades, que perderam a vida nos campos de batalha - 32 milhões;
Velhos, mulheres e crianças movro rtos em consequência de bombardeamentos aéreos - 20 milhões;
Pessoas deslocadas, deportadas e internadas 45 milhões;
Seres humanos que sucumbiram nos campos de concentração-26 milhões;
Pessoas feridas, mutiladas ou inutilizadas para o trabalho -30 milhões.
Esta lista macabra, mas incompleta, não chega a dar-nos uma ideia precisa do sofrimento trágico desses milhões de vítimas da guerra: crianças e adultos, feridos, estropiados, torturados em campos de concentração, expatriados, reduzidos à fome, à vagabundagem, a um enfraquecimento físico e a uma deformação moral sem possibilidades de recuperação. No entanto, é verdadeiramente esmagadora !
- Excerto 6 pág.22 do livro "Duas Conferências em Defesa da Paz"
Os filmes de guerra ou de reconstituição de episódios e ambiente de guerra, que se têm exibido e continuam a exibir nos nossos cinemas, assim como outros que não chegaremos a ver, são também documentários aflitivamente expressivos da crueldade, das devastações, da angústia e embrutecimento humano, que a última guerra causou.
A delinquência infantil, a prostituição, a falta de escrúpulos de toda a espécie, aumentaram, durante e a seguir à guerra, de forma alarmante, não somente nos países devastados, como em toda a parte!
A par disto, foram destruídos, incendiados e saqueados museus, bibliotecas e arquivos, que constituíam uma parte importantíssima do património intelectual e artístico da Humanidade.
E deu-se este facto bárbaro e paradoxal: As mais espantosas conquistas da ciência, nos nossos dias, que representam ○ maior triunfo da inteligência, e deveriam abrir novas perspetivas de progresso e valorização de todos os valores humanos, foram empregadas no aniquilamento do homem!
As descobertas cientificas, que deveriam ser elemento de abundância, de otimismo e vida, foram utilizados como elementos de terror, destruição e morte!(Pág.22)
- Excerto 7 da obra "As Mulheres do Meu País"
“Alentejo! Uma palavra só. Tanto basta para evocar todo um mundo descampado, silencioso, mas empolgante, onde as gentes refletem a melancolia ambiente. A terra transtagana, tão generosa, capaz de alimentar Portugal inteiro, está impregnada de indizível angústia. Cada herdade abrange dezenas, centenas ou mesmo um milhar de hectares, com o «monte» a alvejar entre os ferregiais, os montados tristonhos e as «folhas» destinadas, alternadamente, à cultura cerealífera e ao sustento dos rebanhos.”
- Excerto 8 da obra "As Mulheres do Meu País"
“Na província alentejana tudo assume proporções vastas: as grandes lavouras, as grandes riquezas, as grandes distâncias...a camponesa tem, por isso, ali uma feição diferente. Nada que se compare com a visa da lavradeira e jornaleira minhota, ou da caseira serrana. Também são diferentes tipo de habitação e os hábitos de asseio. A mulher do campo alentejana trabalha, sem dúvida, mas não é «animal de carga», como as suas irmãs do Norte. Há os períodos intensos da faina agrícola, como a apanha da azeitona e da bolota, as mondas e as ceifas; muitas labutam todo o ano, a sargaçar, a apanhar pedra, a sachar o grão (…)Quanto à mentalidade, não há diferença sensível: a mesma ignorância, o mesmo apego a crendices absurdas, a mesma inconsciência perante os mais graves problemas da sua vida de mulheres, mães e cidadãs.”
- Excerto 9 - Parte I do Discurso de Casimiro de Brito sobre Maria Lamas
Justificação de uma homenagem
—São passados trinta e um anos sobre o termo da 2.• Guerra Mundial, sobre a queda do nazi fascismo, sobre a maior vaga de esperança coletiva dos povos do mundo. A Europa e o 'Mundo cantavam sabre minas: eram trinta milhões de mortos, milhares de povoações arruadas pela guerra, mas era também a vitória sobre a fome, sobre a corrupção, era o renascer da esperança, era a confiança no futuro da humanidade. As forças do Progresso e da Paz tinham derrotado as forças do obscurantismo.
—Portugal também vibrou com a vitória dos aliados, com o fim do fascismo; o Portugal popular, o Portugal oprimido pelo fascismo salazarento. Houve quem pensasse que estavam criadas as condições para o derrube do regime reacionário. Houve quem tivesse lutado com todas as suas forças pela emancipação do País. Entre esses grandes lutadores conta-se a nessa homenageada de hoje, Maria Lamas. Nome de mulher, nome de resistente antifascista...
- Excerto 10 - Parte II do Discurso de Casimiro de Brito sobre Maria Lamas
—Só trinta anos mais tarde, em Abril de 74, o fascismo cairia no nosso pala; só trinta anos mais tarde a grande festa da libertação acontecia em Portugal; só trinta anos alai& tarde se rasgariam novos horizontes para a libertação de um povo: foi o Movimento das Forças Armadas, é o movimento popular de massas, é e será a luta dos portugueses pelas grandes transformações sociais.
—Atravessámos um período de grandes vitórias, aparentemente irreversíveis: as liberdades, as racionalizações, o controlo operário, a Reforma Agrária, o facto de possuirmos uma Constituição avançada. Ma s, ao metam tempo, desenham-se manchas negras no horizonte: alguns dos militares de Abril foram desviados do processo revolucionário, torcionários e fascistas foram libertados, a contrarrevolução campeia livremente nalguns órgãos de Comunicação Social, lançam-se bombas contra forças progressistas e o Poder, no meio desta situação, vacila. Estamos a viver num tecido social extremamente completo, onde se cruzam vitórias e denotas. Mais do que nunca temos de estar vigilantes.
- Excerto 11 - Parte III do Discurso de Casimiro de Brito sobre Maria Lamas
—A nossa Homenagem a Maria Lamas é a Homenagem dos intelectuais portugueses a uma grande lutadora antifascista, mas é também uma jornada de luta. Maria Lamas não representa para nós, Secretariado do MUTI, o pando—mas um exemplo de confiança no futuro. Mede Lamas não E só o símbolo da reais. teoria antifascista, Maria Lamas é também uma presença saca que nos ajudara a lutar pela democracia e pelo socialismo. As forças da Paz e do Progresso, a vários níveis de unidade (entre as forças políticas, aura o povo e o teu braço armado, entre os intelectuais e as manas trabalhadoras), vencerão. A luta continua.
In:- "Homenagem a Maria Lamas" MUTI, Junho de 26
- Para saber mais:
https://gulbenkian.pt/agenda/as-mulheres-do-meu-pais/
http://cvc.instituto-camoes.pt/seculo-xx/maria-lamas-dp16.html
https://maislisboa.fcsh.unl.pt/maria-lamas-a-mulher-que-desafiou-o-estado-novo/
https://bibliotecapontesor.files.wordpress.com/2017/03/mulheres-do-meu-pais.pdf