Jorge, Luiza Neto

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  • Luiza Neto Jorge

Lisboa, 10/05/1939 — Lisboa, 23/02/1989


Poetisa. Tradutora. Professora no Liceu de Faro em 1960. Patrona de uma escola básica, em Marvila, que integra o Agrupamento de Escolas D. Dinis, em Lisboa


  • Anos Quarenta, os Meus

De eléctrico andava a correr meio mundo
subia a colina ao castelo-fantasma
onde um pavao alto me aflorava muito
em sonhos à noite. E sofria de asma

alma e ar reféns dentro do pulmão
( como um chimpanzé que à boca da jaula
respirava ainda pela estendida mão ).
Salazar tres vezes, no eco da aula.

As verdiças tranças prontas a espigar
escondiam na auréola os mais duros ganchos.
E o meu coito quando jogava a apanhar
era nesse tronco do jardim dos anjos

que hoje inda esbraceja numa árvore passiva.
Níqueis e organdis, espelhos e torpedos
acabou a guerra meu pai grita "Viva".
Deflagram no rio golfinhos brinquedos.

Já bate no cais das colunas uma
onda ultramarina onde singra um barco
pra cacilhas e, no céu que ressuma
névoas águas mil, um fictício arco-
-irís como é, no seu cor-a-cor,
uma dor que ao pé doutra se indefine.
No cinema lis luz o projector
e o FIM através do tempo retine.

Luiza Neto Jorge com a mãe


  • Poesia 61

Texto do Jornal Sol sobre a poesia de Luíza Neto Jorge : "Poeta, com uma das vozes mais marcantes da segunda metade do século XX, senão de toda a poesia portuguesa". Figura de lugar reconhecidamente destacado no movimento inovador que ficou conhecido como Poesia 61, movimento que procurava revitalizar a palavra como unidade central do texto poético, a autora do Ciclópico Acto teve numa mão a pena e na outra sempre o aço temperado das palavras, meio de resistência e arma de ataque contra a opressão do tempo que lhe coube viver e o aviltamento da criatividade artística.Os seus livros, que só de modo inevitavelmente redutor aceitam a etiqueta (pós)surrealista, são um breviário de guerrilha que recusam tanto os modelos que o realismo privilegiara como a base ética que os escorava. Espadas, punhais, adagas, naifas, arpões, farpas, flechas fazem a sua aparição num universo textual de liberdade indómita. Distante dos valores rígidos de uma ordem social imposta, onde à mulher cabia observar certas regras apetecidas pelo sistema de valores promovido pelo Estado Novo, Luiza Neto Jorge sabia-se fora dos regulares padrões femininos.

  • Dezanove Recantos

Dinamitando a tradição, transgredindo com as suas «escritas daninhas» – assim as definia – as abordagens tradicionais da realidade, afrontando uma sociedade discriminatória, rebelou-se contra a ditadura monótona dos corpos vestidos, celebrou o corpo e a experiência erótica, que homologa ao acto de escrita, e tomou em mãos uma tarefa tipicamente masculina ao escrever Dezanove Recantos, uma «epopeia sumária» (assim a designa o irónico subtítulo) de narração descontínua que revê toda uma linhagem patriarcal, relatando «outro tipo de acções heróicas – como viver e permanecer vivo, inventar a nova face de tudo, amar desvendando, desfalsificar – que outras acções heróicas não há!». Desta epopeia não se conhece notícia de solicitação persistente, mas a verdade é que o Portugal politicamente repressivo e discriminatório, produtor de quadros de amedrontamento e suspeição, carecia de um livro que o reflectisse. Centrados no comum existir, estes re-cantos, que têm como significativo centro gravítico o verbo ‘contornar’, fazem inflectir o modelo épico num sentido substancialmente novo que recusa o heroísmo viril, como o título desde logo indicia ao aludir aos dez cantos da epopeia de Camões para de imediato os desequilibrar.

  • «O Corpo Insurrecto»

Na sua «Minibiografia», a autora de «O corpo insurrecto» tracejou um programa de vida que encontrou na sua poesia, esquiva ao cerco hermenêutico, a justa forma de expressar-se: «Diferente me concebo e só do avesso / o formato mulher se me acomoda.» O ímpeto transformador daquela que nos ensinou que «o poema ensina a cair / sobre os vários solos / desde perder o chão repentino sob os pés / como se perde os sentidos numa queda de amor», logo se revelou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde ingressa em 1957 para frequentar o curso de Filologia Românica. Aqui, dirige o Círculo de Teatro de Letras, promovendo a apresentação de peças de Ionesco e Thornton Wilder. Do teatro voltará a abeirar-se, mais tarde, pela via da tradução, um domínio que, ocupando uma posição excepcionalmente relevante no conjunto da sua obra, lhe permitirá alcançar um amplo prestígio e o reconhecimento de um público vasto." in [https://sol.sapo.pt/artigo/550622/luiza-neto-jorge-resistir-suberverter-re-criar - 2017.

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  • Notas Biográficas

Luiza Neto Jorge fez o bacharelato na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no curso de Filologia Românica. Durante a sua estadia na universidade, integrou-se no movimento estudantil de ideais de esquerda, e fez parte do Grupo de Teatro de Letras, onde conheceu o futuro poeta Gastão Cruz.
Casou com o escritor António Barahona da Fonseca e veio viver para o Algarve, onde residiu como hóspede de Gastão Cruz. Começou a sua carreira como professora no ano letivo de 1961 para 1962, no Liceu de Faro.
Naquela cidade, fez parte de um grupo de artistas que se reunia no Café Aliança, e que era frequentado especialmente por escritores e poetas, como José Afonso, Gastão Cruz, Casimiro de Brito e António Ramos Rosa.
Foi considerada a personalidade de maior destaque do grupo de poetas que se reuniu em torno do movimento Poesia 61, no âmbito do qual publicou a obra "Quarta Dimensão". Rebelou-se contra o Estado Novo e o papel que cabia à mulher e a sua poesia é disso um exemplo.
Destacou-se igualmente como artista plástica em desenho e cerâmica, e especialmente em pintura, tendo feito exposições no Círculo de Artes Plásticas, entidade onde também foi diretora. Também fez várias ilustrações para capas de livros. in [https://aeddinislisboa.wixsite.com/aeddinis/luiza-neto-jorge

- 2008 - Biografia de Luiza Neto Jorge da qual trancrevemos o seguinte excerto: "nasceu em Lisboa, a 10 de Maio de 1939, sendo os seus pais Ricardo Jorge Rodrigues, advogado, e Adriana Neto. O irmão, Vítor, nasceria seis anos depois. Após a separação dos pais, fica a viver com o pai, no então chamado Bairro das Colónias, aos Anjos, onde frequenta a escola primária. Há referências a este período no poema autobiográfico “Anos quarenta, os meus”: a proximidade do Castelo de São Jorge “De eléctrico andava a correr meio mundo/subia a colina ao castelo-fantasma”, os problemas respiratórios “... E sofria de asma//alma e ar reféns dentro do pulmão”, a instrução primária salazarista “Salazar três vezes, no eco da aula”), os jogos de infância no Jardim dos Anjos “E o meu coito quando jogava a apanhar/era nesse tronco do jardim dos anjos”, o fim da guerra “acabou a guerra meu pai grita ‘Viva’”, os passeios até ao Terreiro do Paço “Deflagram no rio golfinhos brinquedos//Já bate no cais das colunas uma/onda ultramarina onde singra um barco/pra cacilhas ...”, as idas ao Cinema Lis, na Avenida Almirante Reis “No cinema lis luz o projector/e o FIM através do tempo retine”.O poema em causa encontra-se acima transcrito.

  • Bibliografia

A Noite Vertebrada (1960)
Terra imóvel : poemas (1964)
Dezanove recantos : epopeia sumária (1969)
Os sítios sitiados (1973), poesia
A lume (1989)
Poesia : 1960-1989 : os sítios sitiados : a lume : dispersos (1993)
Par le feu (1996)
Corpo insurrecto e outros poemas (2008)
Poesia traduzida (2011)
Izzi Clap


  • Veja mais sobre Luiza Neto Jorge nos seguintes links:

in https://arquivo.pt


-2008- Reprodução do "Caderno de Rascunho de Luiza Neto Jorge" cedido por Gastão Cruz

Capa do Caderno de Rascunhos Página do Caderno de Rascunhos

- 2008- Referência à sua vida em Faro

- 2009- Página do Instituto Camões sobre Luiza Neto Jorge

- 2009- Blog sobre a poesia de Luíza Neto Jorge com texto sobre a sua poesia e alguns poemas.

-2016- Texto na Infopédia sobre Luíza Neto Jorge

- 2016- Alguns poemas de Luíza Neto Jorge

- 2017- Notícia sobre a vida e obra de Luíza Neto Jorge

- 2017- Iconografia de Luíza Neto Jorge

-2017- Alguns poemas de Luíza Neto Jorge ditos por Luís Gaspar

- 2017- Texto do jornal "Sol" sobre a poesia de Luíza Neto Jorge, do qual se retirou o texto acima transcrito.

- 2018- Página das "Edições Afrodite" sobre Luíza Neto Jorge.