Ferreira, Vergílio - Livros Proibidos

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Vergilio ferreira3-768x567.jpg Manhasubmersa.jpgDespacho da Censura para Manhã Submersa.jpg

  • Vergílio Ferreira (1916 - 1996)
Romancista, ensaísta e professor. Licenciou-se em Filologia Clássica na Universidade de Coimbra, exerceu funções docentes no Ensino Secundário e chegou a dar aulas na escola João de Deus / Liceu de Faro, que funcionava onde hoje é a escola Tomás Cabreira. Notabilizou-se no domínio da prosa ficcional, sendo um dos maiores romancistas portugueses. "Foi um homem sempre contra o sistema: viveu mal com o antigo regime, com os neo-realistas e com o comunismo, com o regabofe revolucionário, com as perversidades do capitalismo".[1]
  • Livro Proibido Manhã Submersa
Vergílio Ferreira teve quatro dos seus livros proibidos pela censura. Um deles, o romance Manhã Submersa foi baseado em aspetos autobiográficos dos tempos de adolescência do autor no Seminário do Fundão e foi originalmente publicado sob o título Cavalo Degolado.
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  • Excerto 1
A névoa da madrugada desprendia-se dos campos, ia envolvendo a montanha. Dobrado de frio, o queixo nos joelhos, a saca da roupa ao lado, eu sentia-me quase feliz, mas de uma estranha felicidade inquietante. Perturbavam-me de prazer a trepidação da partida, o halo da novidade e sobretudo o apelo intrínseco e doce de todas as pequenas coisas que ficavam mais perto de mim, como o fato novo, estreado esse dia, e o farnel da merenda para comer no comboio. Fechado nestas quimeras, eu calava-me também, como se com o silêncio me defendesse de tudo o que era ameaça à minha roda. Porque tudo para mim era estranho e ameaçador, desde a montanha imóvel na enorme manhã circular até ao espectro do Calhau e dos bois, tão insólitos na sua placidez inicial, como se viessem carregando o carro, submissamente, através de longos séculos...
Afinal chegámos meia hora antes do comboio. De modo que, aproveitando esse bónus de espera, Calhau e eu pusemo-nos a estudar as linhas, os vagões nos desvios, a engrenagem das agulhas. Como achava tudo aquilo maravilhoso, estranhei que o Calhau só três vezes tivesse visto o comboio.
  • Excerto 2
- Ó Lopes! Você... Você gosta de andar no Seminário?
Tremi. Por muito que eu estimasse o Gama, por maior que fosse a minha confiança nele, a resposta que eu desse era agora, desde a conversa com o Reitor, do tamanho da minha vida. Por isso eu me calei um instante, calculando a distância que ia do que eu dissesse até à face inteira do meu amigo. E, receoso, respondi:
- Não, Gama, não gosto nada do Seminário.
- Nem eu - clamou ele logo, num desaforo.
Mas, subitamente triste, declarou que a mãe dele o queria fazer padre – era assim.
- Agora vou tentar outra vez. Vou-lhe dizer que não tenho vocação. Mas, se ela me fizer voltar, então eu...
Travou abruptamente, à beira do precipício, fitando-me quase com ódio, como se eu o estivesse induzindo à confissão. Em todo o caso, perguntei:
- Então você o quê, Gama?
- Nada.
Era a Ideia, a grande Esperança que ele trazia fechada no coração a defendê-lo contra a amargura de tudo. Senti que ele precisava de repartir com alguém o peso daquele sonho. Mas senti igualmente que eu era criança bastante para o estragar e perder. Por isso não insisti. Olhei-lhe a face já devastada de fúria, olhei-lhe as mãos grossas no cabo do guarda-sol, e saudei-o apenas, com um afecto humilde, desde o fundo da minha solidão.
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