Cristo atado à coluna - Soneto - Luís de Camões
Cristo atado à coluna
Cristo atado à coluna, 1565,Óleo sobre madeira de castanho. Atribuído a António Leitão. Museu de Lamego
A flagelação de Jesus, também conhecido como Cristo na coluna, é um episódio da Paixão de Cristo que aparece com bastante frequência na arte cristã, em ciclos da Paixão ou como um grande tema nos ciclos da Vida de Cristo.
Se misericórdia e amor não vos atara,
A corda per si só se desfizera;
E, se isto deste modo acontecera,
Quem da prisão eterna me livrara?
Se amor, com vos prender, não me soltara,
Em cárcere infernal sempre estivera;
E, se do Céu esse amor vos não descera,
Quem do inferno ao céu me levantara?
Por demais foram gemidos nem oferta,
Se amor vos não tivera tão atado.
E cuidam cegos que a corda vos aperta!
E vós de amor estais tão apertado
Que só ele se acende e se desperta
Mais que algos contra vós, por meu pecado.
Fonte:
Cancionero recompilado por Manuel de Faria. – Dedicado ao Conde de Haro em 1666, ms., f. 36.
O poema reflete sobre o sacrifício de Cristo, que está atado à coluna não pelas cordas físicas, mas por misericórdia e amor pela humanidade. O poeta reconhece que, sem esse amor divino, ele estaria preso eternamente no inferno. Camões ressalta a profundidade desse amor, que supera as forças humanas e até as próprias dores de Cristo. A visão crítica recai sobre aqueles que não entendem que é o amor que o "prende", e não a corda. O soneto conclui com a ideia de que Cristo assume o sofrimento para redimir os pecados do homem.
Artigo da Lusa de 13/07/2022, "Poeta e investigador Nuno Júdice descobriu soneto inédito de Camões:
- Síntese
O poeta, professor e investigador Nuno Júdice disse à agência Lusa ter descoberto um soneto de Luís de Camões, intitulado "Cristo Atado à Coluna", presente num manuscrito datado de 1666, editado por Manuel de Faria, no século XVIII.
Júdice defende a autenticidade do soneto, embora reconheça que sua edição possa necessitar do "trabalho de especialistas". Segundo o investigador, o manuscrito foi encontrado na Biblioteca Digital Hispânica, onde há diversos outros poetas do Barroco que ainda precisam ser melhor estudados. Para ele, essa descoberta evidencia que ainda há muito por revelar e valorizar na literatura, sendo um estímulo para novos estudos e investigações.
No soneto, Camões desenvolve uma ideia considerada pouco ortodoxa para o catolicismo vigente na época, argumentando que "Cristo é torturado e chicoteado, mas liberta-se pelo amor à humanidade". Esse conceito dialoga com a ideia do "cárcere por amor", já explorada por Diego San Pedro (1437-1498), autor da obra Cárcel de Amor.
O texto também relembra aspetos da vida e obra de Camões, destacando sua produção em diversos gêneros literários, como as redondilhas, rimas, sonetos e peças de teatro, além do épico Os Lusíadas, publicado em 1572. O poeta também escreveu em castelhano, algo comum durante a monarquia dual (1581-1640), período em que Portugal e Espanha estavam sob a mesma coroa, facilitando a circulação de ideias.
Por fim, o texto apresenta uma breve biografia de Nuno Júdice, ressaltando sua trajetória como poeta, ensaísta, professor e diretor de revistas literárias. Destacam-se suas contribuições à literatura portuguesa, como sua atuação na revista Tabacaria (1996-2009), na Colóquio Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian, e sua experiência como conselheiro cultural em Paris. Ao longo da carreira, foi distinguido com diversos prêmios, como o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana (2013), consolidando-se como uma figura essencial da cultura lusófona.
- Excerto
Nuno Júdice afirmou que o poema é atribuído a Camões e a autoria não lhe suscita dúvidas, apesar de uma possível edição implicar "o trabalho de especialistas".
O manuscrito foi encontrado pelo investigador na Biblioteca Digital Hispânica, onde se encontram vários outros poetas "do barroco, que merecem ser melhor estudados".
Nuno Júdice salientou que esta sua descoberta demonstra "que há ainda muito por revelar nas bibliotecas e por estudar e dar o devido valor", na área da literatura.
"É uma esperança para os investigadores", disse o também diretor da revista Colóquio Letras da Fundação Calouste Gulbenkian, referindo que "não está tudo estudado ou descoberto", profetizando que há território literário por desvendar.
Referindo-se ao poema, Júdice disse que Manuel de Faria "foi o primeiro editor a sério de Camões", no século XVII, e não seria este soneto que tornaria Camões um poeta maior e tão conhecido.
Esta poema, segundo Nuno Júdice, "desenvolve uma ideia nada ortodoxa", com o catolicismo vigente na época, já que Camões argumenta que o amor liberta.
Segundo o investigador, neste soneto, Camões afirma que "Cristo é torturado e chicoteado, mas liberta-se pelo amor à humanidade".
Pode ler o artigo completo in: https://www.noticiasaominuto.com/cultura/2034663/poeta-e-investigador-nuno-judice-descobriu-soneto-inedito-de-camoes
- Para saber mais:
1. Um inédito triplamente publicado
"Em conversa informal com o Professor Felipe de Saavedra, da Rede Camões na Ásia (RCnA) - http://www.asia.pt ficámos a saber que o soneto de Camões anunciado hoje por vários órgãos de imprensa portugueses como "inédito" e recém-descoberto, foi já publicado em pelo menos três instâncias":
1.- Edição princeps: em 1968, por Edward Glaser na ed. crítica do Cancioneiro de Manuel de Faria, p. 218.
2.- A partir daí entrou nas edições que se seguiram dos sonetos de Camões - por C. Berardinelli na ed. dos Sonetos de 1980', p. 457 e 663.
- por M. L. Saraiva na ed. da Lírica Completa II de 1994, p. 485.
3.-Também se encontra mencionado por Leodegário de Azevedo na Lírica de Camões, vol. 1, p. 241.
In: https://www.luisdecamoes.pt/search?q=Cristo+atado+a+coluna,
2. A propósito de um "novo" soneto de Camões
Notícia do diario-de-noticias a propósito de um "novo" soneto de Camões por Pere Ferré Professor Honorífico da Universidade Complutense de Madrid publicada a 15 Jul 2022.
In:https://www.dn.pt/opiniao/amp/a-proposito-de-um-novo-soneto-de-camoes-15023594.html/
3. Um inédito de Camões: com alecrim de entrada e manjerona à sobremesa
JÚDICE, Nuno – Um inédito de Camões: com alecrim de entrada e manjerona à sobremesa, in JL – Jornal de Letras, Ano XLII, n.º 1352, de 27.07 a 9.08.2022, Portugal, pp. 6-7.
https://www.luisdecamoes.pt/search?q=Cristo+atado+a+coluna in Luís de Camões Diretório de Camonística
- Poema de Nuno Júdice inspirado em Camões:
Nuno Júdice - Quem és tu, bárbara, que moras
Quem és tu, bárbara, que moras
num poema que se estuda nas escolas
e se lê em recitais,
- tu que te limitaste a ser amada
por um poeta que, se calhar, mais
não te deu em troca do amor
do que esse poema que tu, se calhar,
nunca chegaste a ouvir? Quem és,
ninguém sabe nada - a não ser
que te amou, e te deitou nesse
poema em que ainda vives, e respiras
como no dia em que ele o escreveu
lembrando-se do teu corpo, e dos
teus lábios, e dos dias, ou noites,
que contigo se passaram? Quem és,
mulher real e sonhada que habitas
todos os poemas que esse poema
inspirou, e todos os sonhos que
nessa bárbara encontraram uma imagem
precisa e definitiva? volta-te
nesses versos, para que te vejamos
o rosto, e diz-nos o teu nome o nome
autêntico, e não esse que o poeta
inventou para te chamar num poema
que de ti só guarda o segredo;
e adormece depois, esquecendo
o que de ti disseram, e os comentários
de que foste o pretexto, e as imagens
em que, cada vez mais, foste perdendo
a tua, e única, imagem.
in
Júdice, Nuno. "Um Canto na Espessura do Tempo", 1992
Num claro diálogo com a lírica camoniana, Júdice reinventa neste poema a figura icónica de Bárbara, de " Endechas a Bárbara escrava ".
Bárbara, antítese do estereótipo de beleza petrarquista, é apresentada no poema camoniano como um exemplo de beleza singular, tanto física como psicologicamente, numa clara transgressão dos códigos sociais e culturais da época. No entanto, o sujeito poético considera que essa é também uma imagem idealizada, interpelando, então, a figura feminina para que se revele sem máscaras, para que deixe de ser a mulher objeto estudada nas aulas de Português.
Assim, apesar da evidente evocação do nosso património cultural, o sujeito poético não deixa de tentar resgatar aquela cativa do poema camoniano, elevando-a a uma figura com individualidade própria, que é mais do que a mera musa de Camões, Bárbara deve deixar de ser " camoniana ", para ser ela própria, talvez até com outro nome, o seu real.
In:
https://quizlet.com/pt/290569645/nuno-judice-flash-cards/