António Aleixo - Este livro que vos deixo

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Nos excertos escolhidos do prefácio e dos textos introdutórios, Joaquim Magalhães apresenta António Aleixo como um poeta do povo, cuja simplicidade e singularidade escondiam uma inteligência vivaz e uma sensibilidade poética extraordinária. Revela a origem de algumas das suas obras, como o Auto do Curandeiro, mostrando o entusiasmo criativo que Aleixo compartilhava com amigos e leitores.
A leitura destes excertos permite aproximar-se da vida, da personalidade e do talento do poeta, compreendendo como a sua poesia nasceu da experiência quotidiana e permanece viva na memória cultural do Algarve:


ESBOÇO DE RETRATO DO POETA ALEIXO

  • Excerto 1

O caso singularíssimo deste poeta do povo, que chegou muito além da craveira simplesmente agradável de qualquer versejadorvulgar com algum talento, torna-se, para mim, cada dia mais singular, à medida que o tempo passa e se dobram os anos que o vão separando de nós. Com efeito, decorridos dezanove anos sobre a sua morte, a audiência do poeta, que já era larga na altura do seu desaparecimento, tem aumentado sempre. Bem sei que a família de António Aleixo, por compreensíveis razões, não tem descurado a herança recebida. Mas as edições parciais têm-se sucedido e esgotado, e o interesse continua vivo e exigente. E então, se compararmos com ○ que se passa com os artistas algarvios de renome nacional, vemos melhor a diferença e o contraste. Estamos precisados de renovadas publicações dos poemas de João de Deus e de João Lúcio, de Bernardo de Passos e de Cândido Guerreiro, cujo centenário se avizinha. Os versos de Emiliano da Costa continuam limitados, apesar da sua originalidade real, às escassas dezenas de exemplares das edições para os amigos que o pai da <Rosairinha> fazia. Com António Aleixo é isto que se vê. (p. 9)

  • Excerto 2

Conheci António Aleixo nuns jogos florais que o Ginásio Clube de Faro promoveu em 1937. O poeta concorreu com uma glosa e obteve o 4.° prémio. Na noite da distribuição dos prémios, apareceu na sala do clube, para assistir e intervir no ritual da festa, o poeta desconhecido. Pela evidente timidez e modestíssima apresentação, bem depressa despertou na assistência uma compreensível e justificada curiosidade, que se transformou, pouco a pouco, em generalizada simpatia, ao divulgar-se que se tratava de um humilde vendedor de cautelas, que vivia em Loulé, que era cantor popular por festas e romarias e improvisador de quadras, mas analfabeto ou pouco menos.
Estas informações pareciam ser confirmadas pelo aspeto doentio de trabalhador mal alimentado e precocemente envelhecido que, num corpo magro e curvado, apresentava mais de 40 anos. Os olhos pequenos, porém, perspicazes e maliciosos, a revelar uma inteligência vivíssima, que só mais tarde vim a conhecer.
Nessa noite, pela curiosidade despertada, foi o <cantador algarvio António Aleixo o rei dos jogos florais. O seu 4.° prémio colocou-o acima dos restantes concorrentes. E recordo-me bem de que no beberete oferecido aos poetas foi António Aleixo aquele que, em nome de todos, em duas ou três sextilhas improvisadas, agradeceu o brinde que lhe fora feito(...).(P. 11)

  • Excerto 3

(...) É do nascimento do Auto do Curandeiro que vos vou dar um conhecimento mais seguro, numa transcrição fiel de um trecho de uma carta que sobre o caso me escreveu. Eis como nasceu o Auto do Curandeiro, em carta do autor, de Coimbra, datada de 28 de Março de 1947:
[Carta de António Aleixo a Joaquim Magalhães]
[...] esta tem o fim de lhe contar a estória de um auto que ai lhe enviamos como presente [...] tem direito primeiro de que ninguém. Isto nasceu assim: costuma fazer todos os anos uma festa cá no Sanatório ao Dr. Alberto Fontes, nosso médico. E o TÒSSAN disse-me: você se quisesse podia fazer um auto para nós levarmos à cena no dia da festa. E eu respondi ao António: mas tu sabes que nunca fiz nada disso e de resto não sairá nada capaz, mas ele instou comigo chamando-me até uns nomes engraçados e eu para não ouvir mais disse-lhe: bom pega lá no lápis e vai escrevendo. Como se tratava da homenagem a um médico lembrei-me que podia ter graça descrever a vida desses curandeiros do campo que eu conheço bem, mas dando-lhe um duplo sentido como faço em quase tudo o que faço, como o Sr. Doutor sabe tão bem como eu. Mas comecei sem convicção, quer dizer, sem ideia de que pudesse levar aquilo ao fim; mas à maneira que ia dizendo, o António me dizia: isto vai muito bem, assim mesmo e tal. Eu ainda me parecia que era paleio dele para me entusiasmar. Mas continuando vi que não, porque ele já estava tão ou mais entusiasmado do que eu, ajudando-me é claro nas regras que eu desconhecia dizendo-me: já chega a conversa desse personagem, passamos agora a este, àquele e assim sucessivamente. Cada vez mais satisfeito. Acabou por me dizer que aquilo estava bom e finalmente tínhamos gasto três ou quatro horas de trabalho. Mas não ficou por aqui ○ entusiasmo do nosso amigo. Agarrou no auto e foi mostrá-lo a vários amigos que ele tem no Teatro Académico. Todas as vezes que vai a Coimbra volta radiante porque todos têm gostado daquilo [...](P.21)

In: Aleixo, António - "Este Livro Que Vos Deixo", lido na Casa do Algarve em 16 de Dezembro de 1968, publicado na revista "Sol do Algarve".

  • Algumas quadras do livro "Este livro que vos deixo" de António Aleixo:

A rir ninguém a conhece:
põe as maçãs salientes,
Fecha os olhos, mostra os dentes,
E o nariz desaparece.

Amor, perdoa... Não nego:
Quando vejo coisas belas,
Fico doido, fico cego,
Só ando às apalpadelas.

Tenho, contra o meu desejo,
Na minha boca, beldade,
Metade de um lindo beijo
... Tu tens a outra metade!

Um beijo é simples gracejo
Quando for dado na face;
Mas quatro lábios num beijo
Formam um beijo de classe!

Certas viúvas discretas,
De luto pesado em cima,
Lembram cachos de uvas pretas,
A pedir outra vindima.

(P.69)

Há muitas rosas na mesa,
Mas na sala ainda há mais
Com mais graça e mais beleza,
Do que as rosas naturais.

És a deusa que eu adoro,
Teus olhos são meu altar,
Tua janela, uma igreja
Onde eu quisera rezar.

A rica tem nome fino,
A pobre tem nome grosso,
A rica teve um menino,
A pobre pariu um moço.

○ avião desmantalado,
Que ao café Serra veio ter,
Logo foi cair no prato,
Para o Aleixo o comer.
(p.21A


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Foto do livro

Inéditos

Prefácio, com o título "Pequena explicação", escrito por Joaquim Magalhães, para o livro de António Aleixo - "Inéditos"

Neste prefácio, Joaquim Magalhães explica a publicação de composições inéditas de António Aleixo, reunidas com cuidado a partir de manuscritos e testemunhos de quem com ele conviveu. Destaca o talento singular do improvisador algarvio, cuja sensibilidade e inteligência se manifestam nas suas quadras, espontâneas e profundamente humanas.
A leitura deste livro permite aprofundar a compreensão da obra e do pensamento do poeta, revelando dimensões até então desconhecidas e confirmando a sua importância na literatura portuguesa.

PEQUENA EXPLICAÇÃO

  • Excerto 1

Dado o condicionalismo que forçosamente limitou a publicação integral de todo o material que se ia recolhendo no convívio com o poeta, houve que o selecionar na altura das edições dos primeiros livrinhos; e, depois, no seu conjunto, de modo a evitar sempre possíveis prejuízos. Assim se justifica que se tenha conservado inédito um certo número de composições que o talento superior de António Aleixo improvisava, cantava, ditava ou escrevia, mas que as circunstâncias atuais da vida portuguesa já permitem dar a conhecer.
Não cremos que este conjunto de peças inéditas, até agora mantido em reserva, venha tornar maior a justa aura de popularidade que a parte já divulgada da obra do Poeta lhe conquistou. Mas também estamos convencidos de que a não diminui - apenas a confirma e lhe dá, talvez, maior amplitude.
Tanto basta, em nosso parecer, para justificar o esforço de se ter recolhido, de manuscritos por vezes dificultosos de interpretar, e colhido de testemunhos vivos de conviventes do poeta, pequenas ou pouco extensas composições que foram, e são, outras tantas contribuições para o conhecimento mais amplo de uma obra, cuja publicação revelou um raro poeta.

  • Excerto 2

Neste volume de inéditos se publica o que pareceu de alguma importância para tornar mais nítida a imagem do singular improvisador algarvio. Supomos que a leitura destes inéditos dará. aos que a fizerem, a mesma impressão que temos de que valeu a pena a iniciativa de os ditar.
Não é, naturalmente, possível garantir que se tenha recolhido tudo o que a memória fiel dos amigos e simples conviventes ocasionais, contactados, fixou e se transcreve. Julgamos ainda que pequenas composições de circunstância muito restrita nada acrescentariam glória literária do poeta, nem da imagem de fulgurante talento que dele fazemos.
Esperamos que os leitores mais exigentes julguem este empreendimento esta decisão pelo cuidado posto, desde a primeira publicação, na escolha e no respeito pelo que consideramos melhor e o tornou merecedor da aura de aceitação de que o seu nome hoje justamente disfruta.
Cremos ainda que a obra de Aleixo, agora aumentada com este volume, possibilita um estudo mais aprofundado do que de melhor o poeta nos deixou.

  • Excerto 3

Ficam, deste modo, à disposição dos que o queiram, ou possam fazer, mais elementos para a compreensão de um pensamento, tão perfeito pela forma como pela originalidade do conteúdo, que foi sendo elaborado e expresso na sua forma predileta e espontânea de quadras, com inspiração espevitada na convivência com pessoas de mais evoluída cultura, sobretudo nos seus últimos anos de vida. O improvisador, semianalfabeto e de poucas letras, adquiriu e assimilou, ouvindo, essa cultura por forma singularmente séria e profunda, bastante para impressionar os que o leem e se admiram, com justa razão, perante o caso raro e excecional.
Não nos parecem necessárias mais considerações. Esta curta explicação, ainda que indispensável, julgamos que será suficiente. Só que ficaria incompleta se não se dissesse, aqui mesmo, que sem o trabalho imenso de recolha e ordenação de elementos que Ezequiel Ferreira beneditinamente fez, teria sido impossível apresentar tudo o que se apresenta.
Joaquim Magalhães


  • Algumas quadras do livro "Inéditos" de António Aleixo

Pobres, para que nascem eles?..:
É fácil de compreender:
Nascem p'ra escravos daqueles
Que podem fugir de o ser.

Quem trabalha e mata a fome
Não come o pão de ninguém;
Mas quem não trabalha e come,
Come sempre o pão de alguém

Entre grandes e pequenos
Ficávamos quase iguais,
Dando a uns um pouco menos
E a outros um pouco mais.

É triste que a gente veja
Tanta gente que não come:
○ pão que a muitos sobeja
Matava bem essa fome...

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