Difference between revisions of "Teixeira, Judith - Livro Proibido"

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Leitura – Decadência, Judith Teixeira
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“A Estátua”
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*  '''Judith Teixeira''', ou Lena de Valois (Viseu, 25 de Janeiro de 1880 - Lisboa, 17 de Maio de 1959)
O teu corpo branco e esguio
 
prendeu todo o meu sentido…
 
Sonho que pela noite, altas horas,
 
Aqueces o mármore frio
 
do alvo peito entumecido…
 
  
E quantas vezes pela escuridão,
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Escritora e poetisa portuguesa. Publicou três livros de poesia e um livro de contos, entre outros escritos. Em 1925 lançou a revista Europa, de que saíram três números (Abril, Maio e Junho). Exemplares do seu livro '''''Decadência''''' (1923) foram apreendidos, juntamente com os livros de '''António Botto''' (Canções) e '''Raul Leal''' (Sodoma Divinizada), e mandados queimar pelo Governo Civil de Lisboa na sequência de uma campanha, liderada pela conservadora Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa, contra "os artistas decadentes, os poetas de Sodoma, os editores, autores e vendedores de livros imorais".
a arder na febre dum delírio,
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Segundo  Francisco Louçã "''Terá sido uma das raras mulheres do seu tempo a percorrer este caminho e a enfrentar o seu mundo. Uma modernista como nenhuma outra, explicam os seus editores. Mas o “amor impossível”, a “força da luxúria”, a violação das convenções sociais, a alusão lésbica de alguns poemas, a sensualidade de outros tantos, tudo em Judith faz a ponte entre esse romantismo passado e o modernismo que está a ser enunciado. Ela foi uma das suas inventoras neste canto à beira mar plantado."'' In: https://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2015/04/02/judith-teixeira-o-modernismo-que-chocava-a-sociedade/
os olhos roxos como um lírio,
 
venho espreitar os gestos que eu sonhei…
 
…………………………………………………………………….
 
- Sinto os rumores duma convulsão,
 
a confessar tudo que eu scismei!
 
  
Ó Venus sensual!
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* Livro Proibido  '''Decadência'''
Pecado mortal
 
do meu pensamento!
 
Tens nos seios de bico acerados,
 
num tormento,
 
a singular razão dos meus cuidados!
 
                                            Decadência, Judith Teixeira
 
  
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* Poema 1 '''''A Estátua'''''<br />
  
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O teu corpo branco e esguio<br />
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prendeu todo o meu sentido…<br />
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Sonho que pela noite, altas horas,<br />
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Aqueces o mármore frio<br />
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do alvo peito entumecido…<br />
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E quantas vezes pela escuridão,<br />
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a arder na febre dum delírio,<br />
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os olhos roxos como um lírio,<br />
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venho espreitar os gestos que eu sonhei…<br />
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- Sinto os rumores duma convulsão,<br />
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a confessar tudo que eu cismei!<br />
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Ó Vénus sensual!<br />
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Pecado mortal<br />
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do meu pensamento!<br />
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Tens nos seios de bico acerados,<br />
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num tormento,<br />
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a singular razão dos meus cuidados!<br />
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* Poema 2 '''''O Meu Chinês''''' <br />
  
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Nos olhos de seda<br />
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traçados em viés,<br />
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tem um ar tão sensual<br />
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o meu Chinês…<br />
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ou de heroína,<br />
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fujo levando<br />
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o meu Chinês comigo!<br />
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E lá vamos!<br />
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Nem eu sei<br />
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para que alcovas orientais,<br />
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em que países distantes,<br />
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realizar<br />
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as horas sensuais,<br />
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Eu e o meu Chinês<br />
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temos fugido tanta, tanta vez!<br />
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*Poema 3 '''''Os Meus Cabelos'''''<br />
  
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Doirado, fulvo, desmaiado<br />
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e vermelho,<br />
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tem reflexos de fogo o meu cabelo!<br />
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Neste conjunto diverso,<br />
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quando me vejo assim, ao espelho,<br />
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encontro no meu todo, um ar perverso…<br />
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Gosto dos meus cabelos tão doirados!<br />
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E enterro com volúpia,<br />
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doiro, desgrenhados,<br />
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revoltos e macios!<br />
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Fico às vezes a ver-me e a meditar<br />
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admirada,<br />
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nesse oiro fulvo e estridente<br />
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da minha cabeleira desmanchada,<br />
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que tão bem sabe exteriorizar,<br />
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o meu ser estranho  e ardente…<br />
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Há sol, outono e inverno,<br />
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brilhos metálicos, poente,<br />
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a chama do próprio inferno,<br />
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no meu cabelo igual ao meu sentir!<br />
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- E eu fico largo tempo a contemplar,<br />
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a cismar<br />
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e a sorrir,<br />
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ao meu perfil incoerente<br />
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e singular…<br />
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* Poema 4 '''A Outra'''<br />
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A Outra, a tarada,<br />
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aquela que vive em mim,<br />
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que ninguém viu, nem conhece,<br />
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e que enloirece<br />
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À hora linda do poente<br />
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pálida e desgrenhada –<br />
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Vem contar-me, muitas vezes,<br />
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na sua voz envolvente,<br />
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e desgarrada – <br />
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A estridência da cor,<br />
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a ânsia do momento…<br />
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A rubra dor<br />
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do sensualismo,<br />
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Não há angústia maior<br />
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que essa tragédia interior: - <br />
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A intransigência<br />
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dos seus nervos,<br />
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irreverentes servos<br />
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da sua inconsciência!<br />
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E é sempre a mesma dor angustiada<br />
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em cada sensação realizada…<br />
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Todo o seu canto morre num clamor!...<br />
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Nada é verdade.<br />
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Só existe a Dor!<br />
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Nada mais subsiste,<br />
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- Mesmo o prazer<br />
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e a sensualidade<br />
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só na Dor existe!<br />
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*'''Para saber mais'''
  
“O Meu Chinez”
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https://www.academia.edu/11718831/Quem_tramou_Judith_Teixeira_Uma_hist%C3%B3ria_com_fantasmas
Nos olhos de sêda
 
traçados em viez,
 
tem um ar tão sensual
 
o meu Chinez…
 
  
Vive sobre uma almofada
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http://wwweuropa.blogspot.com/2016/06/
de setim bordada,
 
pintado a côres.
 
  
Às vezes
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numa ansia inquieta
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que eu não mitigo,
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e que me domina,
 
Num sonho de poeta
 
ou de heroína,
 
fujo levando
 
o meu Chinez comigo!
 
  
E lá vamos!
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Nem eu sei
 
para que alcovas orientaes,
 
em que paizes distantes,
 
realisar
 
as horas sensuais,
 
as horas delirantes
 
com que eu sonhei…
 
……………………………………………………………………………….
 
Eu e o meu Chinez
 
temos fugido tanta, tanta vez!
 
                                            Decadência, Judith Teixeira
 
 
 
“Os Meus Cabelos”
 
Doirado, fulvo, desmaiado
 
e vermelho,
 
tem reflexos de fogo o meu cabelo!
 
Neste conjunto diverso,
 
quando me vejo assim, ao espelho,
 
encontro no meu todo, um ar perverso…
 
 
 
Gosto dos meus cabelos tão doirados!
 
E enterro com volupia,
 
os dedos esguios,
 
por entre os meus fios
 
doiro, desgrenhados,
 
revoltos e macios!
 
 
 
Fico às vezes a vêr-me e a meditar
 
admirada,
 
nesse oiro fulvo e estridente
 
da minha cabeleira desmanchada,
 
que tão bem sabe exteriorizar,
 
o meu ser estranho  e ardente…
 
 
 
Há sol, outono e inverno,
 
brilhos metálicos, poente,
 
a chama do próprio inferno,
 
no meu cabelo egual ao meu sentir!
 
- E eu fico largo tempo a contemplar,
 
a scismar
 
e a sorrir,
 
ao meu perfil incoerente
 
e singular…
 
                                            Decadência, Judith Teixeira
 
 
 
“A Outra”
 
 
 
A Outra, a tarada,
 
aquela que vive em mim,
 
que ninguém viu, nem conhece,
 
e que enloirece
 
À hora linda do poente
 
palida e desgrenhada –
 
 
 
Vem contar-me, muitas vezes,
 
na sua voz envolvente,
 
incoerente
 
e desgarrada –
 
A estridência da côr,
 
a ansia do momento…
 
 
 
A rubra dôr
 
do sensualismo,
 
no ardôr
 
de cada paroxismo…
 
 
 
Não ha angustia maior
 
que essa tragedia interior: -
 
 
 
A intransigência
 
dos seus nervos,
 
irreverentes servos
 
da sua inconsciencia!
 
 
 
E é sempre a mesma dôr angustiada
 
em cada sensação realisada…
 
 
 
Todo o seu canto morre num clamor!...
 
Nada é verdade.
 
Só existe a Dôr!
 
Nada mais subsiste,
 
- Mesmo o prazer
 
e a sensualidade
 
só na Dôr existe!
 
                                            Decadência, Judith Teixeira
 

Latest revision as of 12:17, 29 April 2024

Judith TeixeiraFoto.jpg JudithLivro.jpg

  • Judith Teixeira, ou Lena de Valois (Viseu, 25 de Janeiro de 1880 - Lisboa, 17 de Maio de 1959)
Escritora e poetisa portuguesa. Publicou três livros de poesia e um livro de contos, entre outros escritos. Em 1925 lançou a revista Europa, de que saíram três números (Abril, Maio e Junho). Exemplares do seu livro Decadência (1923) foram apreendidos, juntamente com os livros de António Botto (Canções) e Raul Leal (Sodoma Divinizada), e mandados queimar pelo Governo Civil de Lisboa na sequência de uma campanha, liderada pela conservadora Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa, contra "os artistas decadentes, os poetas de Sodoma, os editores, autores e vendedores de livros imorais".
Segundo  Francisco Louçã "Terá sido uma das raras mulheres do seu tempo a percorrer este caminho e a enfrentar o seu mundo. Uma modernista como nenhuma outra, explicam os seus editores. Mas o “amor impossível”, a “força da luxúria”, a violação das convenções sociais, a alusão lésbica de alguns poemas, a sensualidade de outros tantos, tudo em Judith faz a ponte entre esse romantismo passado e o modernismo que está a ser enunciado. Ela foi uma das suas inventoras neste canto à beira mar plantado." In: https://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2015/04/02/judith-teixeira-o-modernismo-que-chocava-a-sociedade/
  • Livro Proibido Decadência
  • Poema 1 A Estátua

O teu corpo branco e esguio
prendeu todo o meu sentido…
Sonho que pela noite, altas horas,
Aqueces o mármore frio
do alvo peito entumecido…

E quantas vezes pela escuridão,
a arder na febre dum delírio,
os olhos roxos como um lírio,
venho espreitar os gestos que eu sonhei…
……………………………………………………………………
- Sinto os rumores duma convulsão,
a confessar tudo que eu cismei!

Ó Vénus sensual!
Pecado mortal
do meu pensamento!
Tens nos seios de bico acerados,
num tormento,
a singular razão dos meus cuidados!


  • Poema 2 O Meu Chinês

Nos olhos de seda
traçados em viés,
tem um ar tão sensual
o meu Chinês…

Vive sobre uma almofada
de cetim bordada,
pintado a cores.

Às vezes
numa ânsia inquieta
que eu não mitigo,
e que me domina,
Num sonho de poeta
ou de heroína,
fujo levando
o meu Chinês comigo!

E lá vamos!
Nem eu sei
para que alcovas orientais,
em que países distantes,
realizar
as horas sensuais,
as horas delirantes
com que eu sonhei…
………………………………………………………………………………
Eu e o meu Chinês
temos fugido tanta, tanta vez!


  • Poema 3 Os Meus Cabelos

Doirado, fulvo, desmaiado
e vermelho,
tem reflexos de fogo o meu cabelo!
Neste conjunto diverso,
quando me vejo assim, ao espelho,
encontro no meu todo, um ar perverso…

Gosto dos meus cabelos tão doirados!
E enterro com volúpia,
os dedos esguios,
por entre os meus fios
doiro, desgrenhados,
revoltos e macios!

Fico às vezes a ver-me e a meditar
admirada,
nesse oiro fulvo e estridente
da minha cabeleira desmanchada,
que tão bem sabe exteriorizar,
o meu ser estranho e ardente…

Há sol, outono e inverno,
brilhos metálicos, poente,
a chama do próprio inferno,
no meu cabelo igual ao meu sentir!
- E eu fico largo tempo a contemplar,
a cismar
e a sorrir,
ao meu perfil incoerente
e singular…

  • Poema 4 A Outra


A Outra, a tarada,
aquela que vive em mim,
que ninguém viu, nem conhece,
e que enloirece
À hora linda do poente
pálida e desgrenhada –

Vem contar-me, muitas vezes,
na sua voz envolvente,
incoerente
e desgarrada –
A estridência da cor,
a ânsia do momento…

A rubra dor
do sensualismo,
no ardor
de cada paroxismo…

Não há angústia maior
que essa tragédia interior: -

A intransigência
dos seus nervos,
irreverentes servos
da sua inconsciência!

E é sempre a mesma dor angustiada
em cada sensação realizada…

Todo o seu canto morre num clamor!...
Nada é verdade.
Só existe a Dor!
Nada mais subsiste,
- Mesmo o prazer
e a sensualidade
só na Dor existe!

  • Para saber mais

https://www.academia.edu/11718831/Quem_tramou_Judith_Teixeira_Uma_hist%C3%B3ria_com_fantasmas

http://wwweuropa.blogspot.com/2016/06/

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