Difference between revisions of "Teixeira, Judith - Livro Proibido"

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Leitura – Decadência, Judith Teixeira
 
Leitura – Decadência, Judith Teixeira
  
“A Estátua”
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“A Estátua”<br />
O teu corpo branco e esguio
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O teu corpo branco e esguio<br />
prendeu todo o meu sentido…
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prendeu todo o meu sentido…<br />
Sonho que pela noite, altas horas,
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Sonho que pela noite, altas horas,<br />
Aqueces o mármore frio
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Aqueces o mármore frio<br />
do alvo peito entumecido…
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do alvo peito entumecido…<br />
 
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E quantas vezes pela escuridão,
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E quantas vezes pela escuridão,<br />
a arder na febre dum delírio,
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a arder na febre dum delírio,<br />
os olhos roxos como um lírio,
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os olhos roxos como um lírio,<br />
venho espreitar os gestos que eu sonhei…
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venho espreitar os gestos que eu sonhei…<br />
 
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- Sinto os rumores duma convulsão,
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- Sinto os rumores duma convulsão,<br />
a confessar tudo que eu scismei!
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a confessar tudo que eu cismei!<br />
 
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Ó Venus sensual!
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Ó Venus sensual!<br />
Pecado mortal
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Pecado mortal<br />
do meu pensamento!
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do meu pensamento!<br />
Tens nos seios de bico acerados,
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Tens nos seios de bico acerados,<br />
num tormento,
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num tormento,<br />
a singular razão dos meus cuidados!
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a singular razão dos meus cuidados!<br />
 
                                             Decadência, Judith Teixeira
 
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“O Meu Chinez”
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“O Meu Chinez”<br />
Nos olhos de sêda
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Nos olhos de sêda<br />
traçados em viez,
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traçados em viez,<br />
tem um ar tão sensual
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tem um ar tão sensual<br />
o meu Chinez…
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o meu Chinez…<br />
 
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Vive sobre uma almofada
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Vive sobre uma almofada<br />
de setim bordada,
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de setim bordada,<br />
pintado a côres.
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pintado a côres.<br />
 
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Às vezes
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Às vezes<br />
numa ansia inquieta
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numa ansia inquieta<br />
que eu não mitigo,
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que eu não mitigo,<br />
e que me domina,
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e que me domina,<br />
Num sonho de poeta
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Num sonho de poeta<br />
ou de heroína,
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ou de heroína,<br />
fujo levando
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fujo levando<br />
o meu Chinez comigo!
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o meu Chinez comigo!<br />
 
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E lá vamos!
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E lá vamos!<br />
Nem eu sei
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Nem eu sei<br />
para que alcovas orientaes,
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para que alcovas orientaes,<br />
em que paizes distantes,
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realisar
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realisar<br />
as horas sensuais,
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as horas delirantes
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com que eu sonhei…
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com que eu sonhei…<br />
 
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Eu e o meu Chinez
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Eu e o meu Chinez<br />
temos fugido tanta, tanta vez!
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temos fugido tanta, tanta vez!<br />
 
                                             Decadência, Judith Teixeira
 
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“Os Meus Cabelos”
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“Os Meus Cabelos”<br />
Doirado, fulvo, desmaiado
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Doirado, fulvo, desmaiado<br />
e vermelho,
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e vermelho,<br />
tem reflexos de fogo o meu cabelo!
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tem reflexos de fogo o meu cabelo!<br />
Neste conjunto diverso,
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Neste conjunto diverso,<br />
quando me vejo assim, ao espelho,
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quando me vejo assim, ao espelho,<br />
encontro no meu todo, um ar perverso…
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encontro no meu todo, um ar perverso…<br />
 
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Gosto dos meus cabelos tão doirados!
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Gosto dos meus cabelos tão doirados!<br />
E enterro com volupia,
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E enterro com volupia,<br />
os dedos esguios,
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os dedos esguios,<br />
por entre os meus fios
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por entre os meus fios<br />
doiro, desgrenhados,
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doiro, desgrenhados,<br />
revoltos e macios!
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revoltos e macios!<br />
 
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Fico às vezes a vêr-me e a meditar
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Fico às vezes a vêr-me e a meditar<br />
admirada,
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admirada,<br />
nesse oiro fulvo e estridente
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nesse oiro fulvo e estridente<br />
da minha cabeleira desmanchada,
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da minha cabeleira desmanchada,<br />
que tão bem sabe exteriorizar,
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que tão bem sabe exteriorizar,<br />
o meu ser estranho  e ardente…
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o meu ser estranho  e ardente…<br />
 
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Há sol, outono e inverno,
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Há sol, outono e inverno,<br />
brilhos metálicos, poente,
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brilhos metálicos, poente,<br />
a chama do próprio inferno,
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a chama do próprio inferno,<br />
no meu cabelo egual ao meu sentir!
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no meu cabelo egual ao meu sentir!<br />
- E eu fico largo tempo a contemplar,
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- E eu fico largo tempo a contemplar,<br />
a scismar
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e a sorrir,
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e a sorrir,<br />
ao meu perfil incoerente
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ao meu perfil incoerente<br />
e singular…
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e singular…<br />
 
                                             Decadência, Judith Teixeira
 
                                             Decadência, Judith Teixeira
  
“A Outra”
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“A Outra”<br />
 
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A Outra, a tarada,
+
A Outra, a tarada,<br />
aquela que vive em mim,
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aquela que vive em mim,<br />
que ninguém viu, nem conhece,
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que ninguém viu, nem conhece,<br />
e que enloirece
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e que enloirece<br />
À hora linda do poente
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À hora linda do poente<br />
palida e desgrenhada –  
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palida e desgrenhada –<br />
 
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Vem contar-me, muitas vezes,
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Vem contar-me, muitas vezes,<br />
na sua voz envolvente,
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na sua voz envolvente,<br />
incoerente
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incoerente<br />
e desgarrada –  
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e desgarrada – <br />
A estridência da côr,
+
A estridência da côr,<br />
a ansia do momento…
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a ansia do momento…<br />
 
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A rubra dôr
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A rubra dôr<br />
do sensualismo,
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do sensualismo,<br />
no ardôr
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no ardôr<br />
de cada paroxismo…
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de cada paroxismo…<br />
 
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Não ha angustia maior
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Não ha angustia maior<br />
que essa tragedia interior: -  
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que essa tragedia interior: - <br />
 
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A intransigência
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A intransigência<br />
dos seus nervos,
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dos seus nervos,<br />
irreverentes servos
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irreverentes servos<br />
da sua inconsciencia!
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da sua inconsciencia!<br />
 
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E é sempre a mesma dôr angustiada
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E é sempre a mesma dôr angustiada<br />
em cada sensação realisada…
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em cada sensação realisada…<br />
 
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Todo o seu canto morre num clamor!...
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Todo o seu canto morre num clamor!...<br />
Nada é verdade.
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Nada é verdade.<br />
Só existe a Dôr!
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Só existe a Dôr!<br />
Nada mais subsiste,
+
Nada mais subsiste,<br />
- Mesmo o prazer
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- Mesmo o prazer<br />
e a sensualidade
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e a sensualidade<br />
só na Dôr existe!
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só na Dôr existe!<br />
                                            Decadência, Judith Teixeira
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Revision as of 16:39, 22 February 2024

Leitura – Decadência, Judith Teixeira

“A Estátua”
O teu corpo branco e esguio
prendeu todo o meu sentido…
Sonho que pela noite, altas horas,
Aqueces o mármore frio
do alvo peito entumecido…

E quantas vezes pela escuridão,
a arder na febre dum delírio,
os olhos roxos como um lírio,
venho espreitar os gestos que eu sonhei…
……………………………………………………………………. - Sinto os rumores duma convulsão,
a confessar tudo que eu cismei!

Ó Venus sensual!
Pecado mortal
do meu pensamento!
Tens nos seios de bico acerados,
num tormento,
a singular razão dos meus cuidados!

                                            Decadência, Judith Teixeira




“O Meu Chinez”
Nos olhos de sêda
traçados em viez,
tem um ar tão sensual
o meu Chinez…

Vive sobre uma almofada
de setim bordada,
pintado a côres.

Às vezes
numa ansia inquieta
que eu não mitigo,
e que me domina,
Num sonho de poeta
ou de heroína,
fujo levando
o meu Chinez comigo!

E lá vamos!
Nem eu sei
para que alcovas orientaes,
em que paizes distantes,
realisar
as horas sensuais,
as horas delirantes
com que eu sonhei…
………………………………………………………………………………. Eu e o meu Chinez
temos fugido tanta, tanta vez!

                                            Decadência, Judith Teixeira

“Os Meus Cabelos”
Doirado, fulvo, desmaiado
e vermelho,
tem reflexos de fogo o meu cabelo!
Neste conjunto diverso,
quando me vejo assim, ao espelho,
encontro no meu todo, um ar perverso…

Gosto dos meus cabelos tão doirados!
E enterro com volupia,
os dedos esguios,
por entre os meus fios
doiro, desgrenhados,
revoltos e macios!

Fico às vezes a vêr-me e a meditar
admirada,
nesse oiro fulvo e estridente
da minha cabeleira desmanchada,
que tão bem sabe exteriorizar,
o meu ser estranho e ardente…

Há sol, outono e inverno,
brilhos metálicos, poente,
a chama do próprio inferno,
no meu cabelo egual ao meu sentir!
- E eu fico largo tempo a contemplar,
a scismar
e a sorrir,
ao meu perfil incoerente
e singular…

                                            Decadência, Judith Teixeira

“A Outra”

A Outra, a tarada,
aquela que vive em mim,
que ninguém viu, nem conhece,
e que enloirece
À hora linda do poente
palida e desgrenhada –

Vem contar-me, muitas vezes,
na sua voz envolvente,
incoerente
e desgarrada –
A estridência da côr,
a ansia do momento…

A rubra dôr
do sensualismo,
no ardôr
de cada paroxismo…

Não ha angustia maior
que essa tragedia interior: -

A intransigência
dos seus nervos,
irreverentes servos
da sua inconsciencia!

E é sempre a mesma dôr angustiada
em cada sensação realisada…

Todo o seu canto morre num clamor!...
Nada é verdade.
Só existe a Dôr!
Nada mais subsiste,
- Mesmo o prazer
e a sensualidade
só na Dôr existe!

Decadência, Judith Teixeira



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