Difference between revisions of "Soares, Mário - Livro Proibido"

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  Foi o sr. Presidente do Conselho à radiotelevisão portuguesa, no seu “estilo novo”, realizar mais uma “conversa em família” (*), Como frisou o Diário de Lisboa na “notado dia” – “soube o prof. Marcello Caetano afeiçoar o seu estilo e temperá-lo de uma bonomia cativante”. É inegável: a linguagem foi direta, os temas abordados importantes e o tom utilizado releva de um sentido de comunicação que não deixará de ter impressionado milhões de telespectadores a quem falou! É caso para dizer que, no período pré-eleitoral em que o País se encontra, a cinco breves meses das próximas eleições legislativas, marcou o Presidente do Conselho um ponto (ou um trunfo!) considerável…<br />É significativo que o chefe do Governo venha dizer que provém do Povo – e que representa para si um caso de consciência corresponder à confiança do Povo. Simplesmente, fá-lo como se este fosse uma realidade inerte, amorfa, sem vontade nem pensamento próprios, importando tão somente que o governante trabalhe ao seu serviço “guiado por honesta intenção”. É alguma coisa – há que reconhecer – mas não é tudo! Trata-se, no fundo, de uma conceção de raiz paternalista, deficiente, ultrapassada e, por isso, a única forma atual de corresponder à confiança do Povo – é restituir-lhe a voz, em toda a sua plenitude, conferir-lhe, na prática, o direito de falar claro e livremente, de se pronunciar sem medo sobre aquilo que lhe respeita, sobre o próprio sentido das medidas que o Governo encara tomar em seu favor.<br />Falou o sr. Presidente do Conselho de alguns problemas nacionais instantes e ao sabor da oportunidade: das condições verdadeiramente infrahumanas em que vive o rural português; da emigração, que provoca uma hemorragia no corpo nacional de consequências terríveis para o futuro; da necessidade de transformar as estruturas agrárias arcaicas do País. São factos claramente interdependentes: o Povo foge dos campos, num êxodo sem precedentes, porque não encontra na própria terra, tornada madrasta, aquele mínimo de condições favoráveis compatível com os padrões europeus, que os tempos lhe sugerem através dos meios audiovisuais de informação ao seu alcance.<br />Artigo publicado no Diário de Lisboa de 15 de Abril de 1969, embora com importantes cortes da Censura.
 
  Foi o sr. Presidente do Conselho à radiotelevisão portuguesa, no seu “estilo novo”, realizar mais uma “conversa em família” (*), Como frisou o Diário de Lisboa na “notado dia” – “soube o prof. Marcello Caetano afeiçoar o seu estilo e temperá-lo de uma bonomia cativante”. É inegável: a linguagem foi direta, os temas abordados importantes e o tom utilizado releva de um sentido de comunicação que não deixará de ter impressionado milhões de telespectadores a quem falou! É caso para dizer que, no período pré-eleitoral em que o País se encontra, a cinco breves meses das próximas eleições legislativas, marcou o Presidente do Conselho um ponto (ou um trunfo!) considerável…<br />É significativo que o chefe do Governo venha dizer que provém do Povo – e que representa para si um caso de consciência corresponder à confiança do Povo. Simplesmente, fá-lo como se este fosse uma realidade inerte, amorfa, sem vontade nem pensamento próprios, importando tão somente que o governante trabalhe ao seu serviço “guiado por honesta intenção”. É alguma coisa – há que reconhecer – mas não é tudo! Trata-se, no fundo, de uma conceção de raiz paternalista, deficiente, ultrapassada e, por isso, a única forma atual de corresponder à confiança do Povo – é restituir-lhe a voz, em toda a sua plenitude, conferir-lhe, na prática, o direito de falar claro e livremente, de se pronunciar sem medo sobre aquilo que lhe respeita, sobre o próprio sentido das medidas que o Governo encara tomar em seu favor.<br />Falou o sr. Presidente do Conselho de alguns problemas nacionais instantes e ao sabor da oportunidade: das condições verdadeiramente infrahumanas em que vive o rural português; da emigração, que provoca uma hemorragia no corpo nacional de consequências terríveis para o futuro; da necessidade de transformar as estruturas agrárias arcaicas do País. São factos claramente interdependentes: o Povo foge dos campos, num êxodo sem precedentes, porque não encontra na própria terra, tornada madrasta, aquele mínimo de condições favoráveis compatível com os padrões europeus, que os tempos lhe sugerem através dos meios audiovisuais de informação ao seu alcance.<br />Artigo publicado no Diário de Lisboa de 15 de Abril de 1969, embora com importantes cortes da Censura.
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Mário Soares (1924-2017)

Personalidade decisiva na história contemporânea de Portugal, na oposição ao salazarismo e na construção da democracia.
Quando Mário Soares publica estes Escritos Políticos em «Edição de Autor» (para não ter de comprometer nenhum editor com uma obra que certamente seria proibida), encontrava-se preso sem julgamento em São Tomé. Foi preso, aliás, 12 vezes, até acabar por partir para o exílio em França, no ano seguinte. O livro foi proibido, como se esperava.
  • Excerto 1
Em Portugal, (…). O Governo Português parece comprazer-se em viver segregado do Mundo e à parte dele, embora por esse facto seja forçado a atrasar o já de si insuficiente desenvolvimento económico da Nação. Por culpa exclusiva da orientação governativa, Portugal vai sendo cada vez menos um país europeu. A expansão económica da Europa Ocidental (que tem aproveitado até a países como a Jugoslávia ou a Grécia) toca-nos por uma forma ínfima. É que todo o nosso sistema económico- político é repulsivo às conceções dominantes na Europa Ocidental. Não só a falta de liberdades públicas torna o ar do nosso pobre País verdadeiramente irrespirável: o próprio sistema corporativo, que em boa parte é responsável pela anquilose da economia portuguesa, é completamente inaceitável pela Europa do Mercado Comum. A ausência de vida sindical livre, uma conceção dirigista obsoleta que entrava a iniciativa privada, a pesada burocracia, o favoritismo e a corrupção (que são males normais dum estado sem liberdade de imprensa e sem o controle da opinião pública) criam outras tantas carências, inibições e situações de real inferioridade que nos distanciam da Europa de hoje e nos transformam numa espécie de “reserva medieval”, talvez pitoresca para os turistas em busca de exotismo, mas completamente “desfasada” em relação aos padrões económicos e políticos europeus.
                                                                                     
  • Excerto 2
Foi o sr. Presidente do Conselho à radiotelevisão portuguesa, no seu “estilo novo”, realizar mais uma “conversa em família” (*), Como frisou o Diário de Lisboa na “notado dia” – “soube o prof. Marcello Caetano afeiçoar o seu estilo e temperá-lo de uma bonomia cativante”. É inegável: a linguagem foi direta, os temas abordados importantes e o tom utilizado releva de um sentido de comunicação que não deixará de ter impressionado milhões de telespectadores a quem falou! É caso para dizer que, no período pré-eleitoral em que o País se encontra, a cinco breves meses das próximas eleições legislativas, marcou o Presidente do Conselho um ponto (ou um trunfo!) considerável…
É significativo que o chefe do Governo venha dizer que provém do Povo – e que representa para si um caso de consciência corresponder à confiança do Povo. Simplesmente, fá-lo como se este fosse uma realidade inerte, amorfa, sem vontade nem pensamento próprios, importando tão somente que o governante trabalhe ao seu serviço “guiado por honesta intenção”. É alguma coisa – há que reconhecer – mas não é tudo! Trata-se, no fundo, de uma conceção de raiz paternalista, deficiente, ultrapassada e, por isso, a única forma atual de corresponder à confiança do Povo – é restituir-lhe a voz, em toda a sua plenitude, conferir-lhe, na prática, o direito de falar claro e livremente, de se pronunciar sem medo sobre aquilo que lhe respeita, sobre o próprio sentido das medidas que o Governo encara tomar em seu favor.
Falou o sr. Presidente do Conselho de alguns problemas nacionais instantes e ao sabor da oportunidade: das condições verdadeiramente infrahumanas em que vive o rural português; da emigração, que provoca uma hemorragia no corpo nacional de consequências terríveis para o futuro; da necessidade de transformar as estruturas agrárias arcaicas do País. São factos claramente interdependentes: o Povo foge dos campos, num êxodo sem precedentes, porque não encontra na própria terra, tornada madrasta, aquele mínimo de condições favoráveis compatível com os padrões europeus, que os tempos lhe sugerem através dos meios audiovisuais de informação ao seu alcance.
Artigo publicado no Diário de Lisboa de 15 de Abril de 1969, embora com importantes cortes da Censura.


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