Sartre, Jean-Paul - Livros Proibidos

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Sartre, Jean-Paul - as mãos sujas - Fotog.jpg Sarte, Jean-Paul - As Moscas - capa.jpgSarte, Jean-Paul - As Moscas - Censura.jpg Sarte, Jean-Paul - as mãos sujas - capa.jpg

  • Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905 – 1980)
Filósofo, escritor e crítico francês. Foi o expoente máximo do "Existencialismo" – corrente filosófica que pregava a liberdade individual do ser humano. Em maio de 1968, apoiou a rebelião estudantil que ajudou a derrubar o governo conservador francês.
  • Livros Proibidos
Nesta wiki apresentamos excertos de As Moscas e de As Mãos Sujas
Sarte, Jean-Paul - As Moscas - Censura-excerto.jpg
  • Excerto 0 (Página 32 da edição portuguesa referida no relatório da censura, em 1962)
ORESTES
Acaso já te disse que queria cá fazer alguma coisa? Ora vamos! Cala-te. (Aproxima-se do palácio.) Eis o meu palácio. Foi ai que nasceu meu pai. Foi aí que uma p... e o seu chulo o assassinaram. E foi aí também que eu nasci. Já tinha quase três anos quando os esbirros de Egisto me levaram. De certeza que passámos por esta porta; um deles segurava-me nos braços, e eu devia ir de olhos esbugalhados, a chorar... Ah! Nem a mais leve recordação eu tenho. Vejo um grande edifício mudo, erguido na sua solenidade provinciana. Vejo-o pela primeira vez.
  • Extrait 0
ORESTE
T'ai-je dit que j 'avais quelque chose à y faire ? Allons ! Tais-toi. (Il s'approche du palais.) Voilà mon palais. C'est là que mon père est né. C'est là qu'une putain et son maquereau l'ont assassiné. J'y suis né aussi , moi. J'avais près de trois ans quand les soudards d'Égisthe m'emportèrent. Nous sommes sûrement passés par cette porte ; l'un d'eux me tenait dans ses bras, j 'avais les yeux grands ouverts et je pleurais sans doute ... Ah ! pas le moindre souvenir. Je vois une grande bâtisse muette, guindée dans sa solennité pro­vinciale. Je la vois pour la première fois.


  • Excerto 1 de As MoscasSarte, Jean-Paul - As Moscas - capa.jpg
Uma praça em Argos. Uma estátua de Júpiter, deus das moscas e da morte, com os olhos revirados e o rosto manchado de sangue.
CENA I
Algumas velhas vestidas de preto entram em procissão e fazem libações em frente da estátua. Ao fundo está o idiota, sentado no chão. Entram Orestes e o Pedagogo e, a seguir, Júpiter.
ORESTES
Eh! Mulherzinhas!
As velhas voltam-se, dando um grito.
O PEDAGOGO
Podeis dizer-nos...?
As velhas escarram no chão, recuando um passo.
O PEDAGOGO
Escutai; somos caminhantes perdidos. Peço-vos apenas uma indicação.
As velhas fogem, deixando cair as urnas.
O PEDAGOGO
Estafermos! Cobiço-vos eu porventura? Ah! Meu senhor, que viagem agradável! Que bela inspiração a vossa em aqui vir, quando há mais de quinhentas cidades, tanto na Grécia como na Itália, que têm bons vinhos, estalagens acolhedoras e ruas cheias de gente. Estes montanheses parece que nunca viram turistas; cem vezes perguntei pelo nosso caminho nesta maldita cidadezeca a corar ao sol. Pois por toda a parte deparei com as mesmas exclamações de terror e as mesmas debandadas e tive que fazer longos percursos negros nas ruas ofuscantes. Puf! Estas ruas desertas, esta atmosfera vacilante e este sol... Haverá alguma coisa mais sinistra do que o sol?
ORESTES
Aqui nasci...
  • Extrait 1 "Les Mouches"

ACTE PREMIER
Une place d'Argos. Une statue de Jupiter, dieu des mouches et de la mort. Yeux blancs, face barbouillée de sang.
SCÈNE PREMIÈRE
De vieilles femmes vêtues de noir entrent en procession et font des libations devant la statue. Un idiot, assis par terre au fond.
Entrent Oreste et le Pédagogue, puis Jupiter.
ORESTE
Hé, bonnes femmes !
Elles se retournent toutes en poussant un cri.
LE PÉDAGOGUE
Pouvez-vous nous dire ...
Elles crachent par terre en reculant d'un pas.
LE PÉDAGOGUE
Écoutez, vous autres, nous sommes des voya­ geurs égarés. Je ne vous demande qu'un renseignement.
Les vieilles femmes s'enfuient en , laissant tomber leurs urnes.
LE PÉDAGOGUE
Vieilles carnes ! Dirait-on pas que j 'en veux à leurs charmes ? Ah ! mon maître, le plaisant voyage ! Et que vous fûtes bien inspiré de venir ici quand il y a plus de cinq cents capitales, tant en Grèce qu'en Italie, avec du bon vin, des auberges accueillantes et des rues populeuses. Ces gens de montagne semblent n'avoir jamais vu de touristes ; j'ai demandé cent fois notre chemin dans cette maudite bourgade qui rissole au soleil. Partout ce sont les mêmes [mots] d'épou­vante et les mêmes débandades, les lourdes courses noires dans les rues aveuglantes. Pouah ! Ces rues désertes, l'air qui tremble, et ce soleil ... Qu'y a-t-il de plus sinistre que le soleil?
ORESTE

Je suis né ici .

  • Excerto 2 de As MoscasSarte, Jean-Paul - As Moscas - capa.jpg
O PEDAGOGO
Para que são as moscas aqui chamadas?
JÚPITER
Oh! São um símbolo. Mas o que elas fizeram julgai-o por isto: olhai ali aquela centopeia velha que arrasta as negras patitas, rasando a parede; é um belo espécime dessa fauna negra e achatada que pulula nas fendas. É num instante que a apanho e vo-lo trago aqui. (Salta sobre a velha e trá-la para a boca da cena.) Aqui está o pescado. Vede que horror! (pág. 22)
  • Extrait 2 "Les Mouches"
LE PÉDAGOGUE
Qu'est-ce que les mouches ont à faire là­ dedans ? ...
JUPITER
Oh ! c'est un symbole. Mais ce qu'ils ont fait, jugez-en sur ceci: vous voyez cette vieille clo­porte, là-bas, qui trottine de ses petites pattes noires, en rasant les murs; c'est un beau spéci­men de cette faune noire et plate qui grouille dans les lézardes. Je bondis sur l'insecte, je le saisis et je vous le ramène. (Il saute sur la vieille et la ramène sur le devant de la scène.) Voilà ma pêche. Regardez-moi l'horreur !
  • Excerto 3 de As Moscas
ORESTES
De verdade? Paredes manchadas de sangue, moscas aos milhões, um cheiro a matadouro, um calor de rebentar, as ruas desertas, um deus com cara de assassino, essas larvas aterradas que batem nos peitos no recôndito das suas casas — e estes gritos insuportáveis; é então isto, o que agrada a Júpiter?
JÚPITER
Ah! Meu jovem, não julgueis os deuses, que eles têm dolorosos segredos.
ORESTES
Enganas-te; eu não me queixo. Nem me poderia queixar: tu deixaste-me uma liberdade igual à desse fios que o vento arranca as teias de aranha e que flutuam a dez pés do solo; ando pelos ares e não peso mais do que um fio. Sei que é uma sorte e como tal a aprecio. (Pausa). Há homens que nascem comprometidos; não têm outra alternativa, pois os impeliram para certo caminho, mas no fim desse caminho há um ato que os espera, o seu ato; e lá vão eles de pés descalços a comprimir a terra com força e a arranhar-se nos calhaus. Achas isto grosseiro este contentamento em ir para certo lugar? E ainda há outros, os taciturnos, que sentem no fundo do seu coração o peso das visões terrenas e turvas; a sua vida mudou porque certo dia da sua infância, com cinco anos, sete anos... Está bem, não são homens superiores. Agora eu, já aos sete anos sabia que era um exilado; os aromas e os sons, o barulho dá chuva nos telhados, as cintilações da luz, tudo isso eu deixava escorregar-me pelo corpo e cair à minha volta; já sabia que era aos outros que essas coisas pertenciam e que jamais poderia fazer delas as minhas recordações. As recordações são na verdade um rico alimento para o espírito dos que possuem as casas, os animais, os criados e os campos. Mas eu... Eu sou livre, graças a Deus. Ah! Como sou livre! E que esplêndido vazio trago na alma. (Aproxima-se do palácio.) Poderia ter vivido aí. Não teria lido nenhum dos teus livros e até talvez nem soubesse ler; é raro um príncipe que saiba ler. Mas teria entrado e saído dez mil vezes por esse portão. Em criança teria brincado com os seus batentes, tê-los empurrado, de pés fincados no chão e eles teriam apenas rangido sem ceder, ficando assim os meus braços a conhecer a sua resistência.
Mais tarde, tê-los-ia empurrado de noite, às escondidas, para ir ter com as raparigas. E, ainda mais tarde, no dia da minha maioridade, os escravos teriam aberto as portas de par em par e eu teria transposto a soleira a cavalo. Meu velho portão de madeira! Seria capaz de encontrar de olhos fechados a tua aldrava. E essa esfoladela aí em baixo, talvez tivesse sido eu quem ta tivesse feito, por imperícia, no primeiro dia em que me tivessem confiado uma lança. (Põe-se a certa distância.) Estilo pequeno-dórico, não é? E que te parecera essas incrustações em ouro? Vi-as parecidas em Dodona; é um belo trabalho. Olha, para te agradar, vou-te dizer: não é o meu palácio nem o meu portão. E nada temos aqui a fazer.
(…)ELECTRA
Mas de que tendes medo? Olho à vossa volta e apenas vejo as vossas sombras. Agora escutai o que acabo de saber e que desconheceis talvez; há cidades felizes na Grécia. Cidades claras e calmas que se aquecem ao sol como lagartos. A esta mesma hora, sob este mesmo céu há crianças a brincar nas praças de Corinto. E as mães não pedem qualquer perdão por os ter trazido ao mundo. Olham-nos sorrindo e têm orgulho deles. Sois ainda capazes de compreender o orgulho duma mulher que olha o seu filho e pensa: «Fui eu que o trouxe no meu seio»?


  • Excerto 1 de As Mãos SujasSarte, Jean-Paul - as mãos sujas - capa.jpg
HUGO
É tão cómodo dar aos outros: nada melhor para guardar as distâncias. E depois quem come tem sempre um ar de pessoa inofensiva. (Pausa) Peço-te que me desculpes: não tenho fome nem sede.
OLGA
Tinha sido mais prático dizeres logo.
HUGO
O quê? Já não te lembras? Eu falava sempre de mais.
OLGA
Lembro-me.
HUGO, olhando à roda dele: Que deserto! E, todavia, tudo está no mesmo sítio. A minha máquina de escrever?
OLGA
Vendeu-se.
HUGO
Ah! (Pausa. Contempla a sala.) Que vazio!
OLGA
Que vazio o quê?
HUGO com gesto circular
Tudo isto! Estes móveis parecem abandonados num deserto. Na prisão, quando eu estendia os braços podia tocar ao mesmo tempo em duas paredes opostas. Anda cá para o pé de mim. (Olga não se aproxima.) É verdade; fora da prisão as pessoas vivem a uma distância respeitosa. Tanto espaço perdido! É cómico estar em liberdade: dá vertigens. Tenho de me habituar outra vez a falar com os outros sem lhes tocar.
OLGA
Quando é que eles te libertaram?
HUGO
Há bocadinho.
OLGA
Vieste para aqui diretamente?
HUGO
Para onde querias tu que eu fosse?
OLGA
Não falaste com ninguém?
(Hugo olha para ela e põe-se a rir.)
HUGO
Não, Olga, não. Está descansada. Com ninguém.
(Olga fica mais sossegada e olha para ele.)
  • Excerto 2 de As Mãos Sujas
O PRÍNCIPE
É evidente que a evolução do conflito cria uma situação nova. Mas não vejo o…
HOEDERER
Tenho a certeza, pelo contrário, de que vê muito bem... O senhor quer salvar a Ilíria, estou convencido que sim. Mas quer salvá-la tal qual ela é, com o seu regime de desigualdade social e os seus privilégios de classe. Quando os Alemães pareciam vencedores o seu pai tinha alinhado ao lado deles. Hoje, que a sorte está a mudar de campo, quer entender-se com os Russos. Mas isso é mais difícil.
KARSKY
Hoederer, foi em luta contra a Alemanha que caíram tantos dos nossos, e não o deixarei dizer que pactuámos com o inimigo para conservar os nossos privilégios.
HOEDERER
Eu sei, Karsky: o Pentágono era antialemão. Vocês tinham o melhor papel: o Regente dava garantias ao Hitler para o impedir de invadir a Ilíria. Mas, ao mesmo tempo, vocês eram contra os Russos, porque os Russos estavam longe. “A Ilíria, só a Ilíria”: conheço a cantiga. Vocês cantaram-na durante dois anos à burguesia nacionalista. Mas o exército vermelho aproxima-se; não tardará um ano que esteja aqui; já a Ilíria não estará tão só. Que fazer? Não preciso arranjar cauções. Que bom se vocês pudessem dizer aos Russos: «O Pentágono trabalhava para vocês e o Regente jogava com pau de dois bicos.» O pior é que talvez eles não acreditem. E que farão nesse caso? Hem? Que farão eles? No fim de contas, declarámos-lhes guerra.


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Sartre com Simone de Beuavoir.


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