Sartre, Jean-Paul - Livros Proibidos

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  • Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905 – 1980)
Filósofo, escritor e crítico francês. Foi o expoente máximo do "Existencialismo" – corrente filosófica que pregava a liberdade individual do ser humano. Em maio de 1968, apoiou a rebelião estudantil que ajudou a derrubar o governo conservador francês.
  • Livros Proibidos
Nesta wiki apresentamos excertos de As Moscas e de As Mãos Sujas
Sarte, Jean-Paul - As Moscas - Censura-excerto.jpg


  • Excerto 1 de as As MoscasSarte, Jean-Paul - As Moscas - capa.jpg

O PEDAGOGO
Para que são as moscas aqui chamadas?
JÚPITER
Oh! São um símbolo. Mas o que elas fizeram julgai-o por isto: olhai ali aquela centopeia velha que arrasta as negras patitas, rasando a parede; é um belo espécime dessa fauna negra e achatada que pulula nas fendas. É num instante que a apanho e vo-lo trago aqui. (Salta sobre a velha e trá-la para a boca da cena.) Aqui está o pescado. Vede que horror! (pág. 22)


  • Extrait 1 "Les Mouches"

LE PÉDAGOGUE
Qu'est-ce que les mouches ont à faire là­ dedans ? ...
JUPITER
Oh ! c 'est un symbole. Mais ce qu'ils ont fait, jugez-en sur ceci : vous voyez cette vieille clo­ porte, là-bas, qui trottine de ses petites pattes poires, en rasant les murs ; c 'est un. beau spéci­ p:1en de cette faune noire et plate qui grouille dans les lézardes. Je bondis sur l 'insecte, je le saisis et je vous le ramène . (Il saute sur la vieille et la ramène sur le devant de la scène.) Voilà ma pêche. Regardez-moi l 'horreur !


ORESTES

De verdade? Paredes manchadas de sangue, moscas aos milhões, um cheiro a matadouro, um calor de rebentar, as ruas desertas, um deus com cara de assassino, essas larvas aterradas que batem nos peitos no recôndito das suas casas — e estes gritos insuportáveis; é então isto, o que agrada a Júpiter?


JÚPITER

Ah! Meu jovem, não julgueis os deuses, que eles têm dolorosos segredos.

ORESTES

Enganas-te; eu não me queixo. Nem me poderia queixar: tu deixaste -me uma liberdade igual à desse fios que o vento arranca as teias de aranha e que flutuam a dez pés do solo; ando pelos ares e não peso mais do que um fio. Sei que é uma sorte e como tal a aprecio. (Pausa). Há homens que nascem comprometidos; não têm outra alternativa, pois os impeliram para certo caminho, mas no fim desse caminho há um ato que os espera, o seu ato; e lá vão eles de pés descalços a comprimir a terra com força e a arranhar-se nos calhaus. Achas isto grosseiro este contentamento em ir para certo lugar? E ainda há outros, os taciturnos, que sentem no fundo do seu coração o peso das visões terrenas e turvas; a sua vida mudou porque certo dia da sua infância, com cinco anos, sete anos... Está bem, não são homens superiores. Agora eu, já aos sete anos sabia que era um exilado; os aromas e os sons, o barulho dá chuva nos telhados, as cintilações da luz, tudo isso eu deixava escorregar-me pelo corpo e cair à minha volta; já sabia que era aos outros que essas coisas pertenciam e que jamais poderia fazer delas as minhas recordações. As recordações são na verdade um rico alimento para o espírito dos que possuem as casas, os animais, os criados e os campos. Mas eu... Eu sou livre, graças a Deus. Ah! Como sou livre! E que esplêndido vazio trago na alma. (Aproxima-se do palácio.) Poderia ter vivido aí. Não teria lido nenhum dos teus livros e até talvez nem soubesse ler; é raro um príncipe que saiba ler. Mas teria entrado e saído dez mil vezes por esse portão. Em criança teria brincado com os seus batentes, tê-los empurrado, de pés fincados no chão e eles teriam apenas rangido sem ceder, ficando assim os meus braços a conhecer a sua resistência.
Mais tarde, tê-los-ia empurrado de noite, às escondidas, para ir ter com as raparigas. E, ainda mais tarde, no dia da minha maioridade, os escravos teriam aberto as portas de par em par e eu teria transposto a soleira a cavalo. Meu velho portão de madeira! Seria capaz de encontrar de olhos fechados a tua aldrava. E essa esfoladela aí em baixo, talvez tivesse sido eu quem ta tivesse feito, por imperícia, no primeiro dia em que me tivessem confiado uma lança. (Põe-se a certa distância.) Estilo pequeno-dórico, não é? E que te parecera essas incrustações em ouro? Vi-as parecidas em Dodona; é um belo trabalho. Olha, para te agradar, vou-te dizer: não é o meu palácio nem o meu portão. E nada temos aqui a fazer.
(…)

ELECTRA

Mas de que tendes medo? Olho à vossa volta e apenas vejo as vossas sombras. Agora escutai o que acabo de saber e que desconheceis talvez; há cidades felizes na Grécia. Cidades claras e calmas que se aquecem ao sol como lagartos. A esta mesma hora, sob este mesmo céu há crianças a brincar nas praças de Corinto. E as mães não pedem qualquer perdão por os ter trazido ao mundo. Olham-nos sorrindo e têm orgulho deles. Sois ainda capazes de compreender o orgulho duma mulher que olha o seu filho e pensa: «Fui eu que o trouxe no meu seio»?


  • Excerto 2 de as As Mãos SujasSarte, Jean-Paul - as mãos sujas - capa.jpg


HUGO: Ë tão cómodo dar aos outros: nada melhor para guardar as distâncias. E depois quem come tem sempre um ar de pessoa inofensiva. (Pausa) Peço-te que me desculpes: não tenho fome nem sede.
OLGA: Tinha sido mais prático dizeres logo.
HUGO: O quê? Já não te lembras? Eu falava sempre de mais.
OLGA : Lembro-me.
HUGO, olhando à roda dele: Que deserto! E, todavia, tudo está no mesmo sítio. A minha máquina de escrever?
OLGA : Vendeu-se.
HUGO: Ah! (Pausa. Contempla a sala.) Que vazio!
OLGA: Que vazio o quê?
HUGO, com gesto circular: Tudo isto! Estes móveis parecem abandonados num deserto. Na prisão, quando eu estendia os braços podia tocar ao mesmo tempo em duas paredes opostas. Anda cá para o pé de mim. (Olga não se aproxima.) É verdade; fora da prisão as pessoas vivem a uma distância respeitosa. Tanto espaço perdido! É cómico estar em liberdade: dá vertigens. Tenho de me habituar outra vez a falar com os outros sem lhes tocar.
OLGA: Quando é que eles te libertaram?
HUGO: Há bocadinho.
OLGA: Vieste para aqui diretamente?
HUGO: Para onde querias tu que eu fosse?
OLGA: Não falaste com ninguém?
(Hugo olha para ela e põe-se a rir.)
HUGO: Não, Olga, não. Está descansada. Com ninguém.
(Olga fica mais sossegada e olha para ele.)


  • Excerto 3 de as As Mãos Sujas


O PRÍNCIPE: É evidente que a evolução do conflito cria uma situação nova. Mas não vejo o…
HOEDERER: Tenho a certeza, pelo contrário, de que vê muito bem... O senhor quer salvar a Ilíria, estou convencido que sim. Mas quer salvá-la tal qual ela é, com o seu regime de desigualdade social e os seus privilégios de classe. Quando os Alemães pareciam vencedores o seu pai tinha alinhado ao lado deles. Hoje, que a sorte está a mudar de campo, quer entender-se com os Russos. Mas isso é mais difícil.
KARSKY: Hoederer, foi em luta contra a Alemanha que caíram tantos dos nossos, e não o deixarei dizer que pactuámos com o inimigo para conservar os nossos privilégios.
HOEDERER: Eu sei, Karsky: o Pentágono era antialemão. Vocês tinham o melhor papel: o Regente dava garantias ao Hitler para o impedir de invadir a Ilíria. Mas, ao mesmo tempo, vocês eram contra os Russos, porque os Russos estavam longe. “A Ilíria, só a Ilíria”: conheço a cantiga. Vocês cantaram-na durante dois anos à burguesia nacionalista. Mas o exército vermelho aproxima-se; não tardará um ano que esteja aqui; já a Ilíria não estará tão só. Que fazer? Não preciso arranjar cauções. Que bom se vocês pudessem dizer aos Russos: «O Pentágono trabalhava para vocês e o Regente jogava com pau de dois bicos.» O pior é que talvez eles não acreditem. E que farão nesse caso? Hem? Que farão eles? No fim de contas, declarámos-lhes guerra.

Sartre, Jean-Paul - com-Simone-de-Beauvoir.jpg
Sartre com Simone de Beuavoir.

Nota: As Moscas, que retoma a trilogia Oresteia, de Ésquilo, é uma tragédia em três atos, em que se defende o princípio da liberdade humana e que contém várias passagens esclarecedoras da filosofia existencialista.

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