Difference between revisions of "Sampaio, Jaime Salazar - Livro Proibido"
Line 1: | Line 1: | ||
+ | |||
+ | (Lisboa, 05-05-1925, Lisboa,13-04-2010) | ||
+ | |||
+ | Jaime Augusto Salazar Sampaio foi talvez o autor português contemporâneo mais representado em Portugal por dezenas de companhias profissionais e amadoras que, desde os anos 60, o foram inserindo regularmente nos seus repertórios. | ||
+ | Jaime Salazar Sampaiofavoritos | ||
+ | Poeta, ficcionista e autor dramático nascido a 5 de maio de 1925, em Lisboa, e licenciado em Engenharia. Tradutor de Beckett, Harold Pinter, Artur Miller e Michel Deutsch, é autor de várias obras críticas de divulgação da estética pessoana. Na ficção, é autor de duas obras onde o inconformismo da escrita assume contornos intermédios entre a inspiração surrealizante e a simplicidade da literatura infantil, e de quatro livros de poesia inscritos na década de 50, onde colige poemas relativamente breves, de grande rigor prosódico, e que tematizam o confronto entre um tempo e um espaço perdidos e um presente que releva da incompletude e da frustração ("abrimos portas que davam para o mar / e em vez do mergulho pedimos desculpa", de O Silêncio de um Homem), numa escrita que se distingue, como na prosa, pela rutura com expressões feitas e com tudo o que no verso seja redundante, aproximando-se, assim, de uma rara e difícil simplicidade ("de um homem fica / e por pouco tempo / certa maneira de olhar o mundo // (...) baloiçando as pernas."). Mas é sobretudo como autor dramático que Jorge Salazar Sampaio se consagrou, sendo autor dos mais conseguidos textos da dramaturgia pós-beckettiana, sucesso aliás comprovado pelo facto de a quase totalidade das suas peças ter sido representada. | ||
+ | |||
+ | Jaime Salazar Sampaio | ||
+ | Jaime Salazar Sampaio: Capa de livro com fotografia de Rui Aguiar. | ||
+ | A peça de estreia, Aproximação, foi redigida em 1944 e editada no ano seguinte na antologia de vários autores Bloco - 1ª Pedra, imediatamente apreendida pela censura, que viu como sinais ameaçadores o vermelho da capa e as invocações à liberdade no texto. | ||
+ | |||
+ | Descrito como “Primeira Pedra”, | ||
+ | conta com colaborações de Jaime | ||
+ | Salazar Sampaio (a peça de teatro | ||
+ | “Aproximação” e um conjunto de | ||
+ | catorze “Poemas”), | ||
+ | |||
+ | . Dois poemas de Jaime Salazar | ||
+ | Sampaio despertaram também a | ||
+ | atenção dos censores: o sétimo | ||
+ | (“Não é por bandeiras e fronteiras / | ||
+ | que darei o meu sangue. // Não luto | ||
+ | por Cristo / Ou por S. Tiago. // É por | ||
+ | mim, companheiro, / Por mim e por | ||
+ | ti.”, p. 56-57) e o décimo (“Legal /E a | ||
+ | facada da lei. / Legal / É o gesto | ||
+ | arbitrário / Do homem fardado e | ||
+ | armado. / Legal / É toda a mentira / | ||
+ | Que tiver pedestal”, p. 57-58). | ||
+ | Apesar de não contar com | ||
+ | nenhuma passagem assinalada, o | ||
+ | Poeta, ficcionista e autor dramático | ||
+ | |||
+ | Iniciou-se na literatura com a poesia, mas é sobretudo como autor dramático que Jaime Salazar Sampaio se consagrou, sendo autor de uma vasta obra, múltiplas vezes premiada, e representada na sua quase totalidade, frequentemente por grupos de teatro de amadores e independentes, mas também no Teatro Nacional D. Maria II. | ||
+ | |||
+ | Os seus poemas são, de uma maneira geral, breves e inundados, na sua simplicidade, de um profundo e quase abstracto lirismo, retratando um homem só, apaixonado e emocionado perante o absurdo da vida, e, ao mesmo tempo, perante o seu apelo de beleza e infinitude. | ||
+ | |||
+ | Estas características também podem ser apercebidas na sua imensa obra dramatúrgica, onde a personagem-tipo se desdobra, quase sempre, por dois ou três outros “viajantes imóveis”, cujos diálogos intuem como que um monólogo interior, onde, entre as indecisões de uns e as afirmações sibilinas e filosóficas de outros, se joga uma incessante busca existencial, ancorada nos três grandes temas por onde flui o teatro do Autor: a Vida, o Amor, a Morte. | ||
+ | |||
+ | O tratamento que, sobretudo nos monólogos, é dado às personagens femininas, revela um arguto, atento e sensível observador desse universo, que explorou como poucos. | ||
+ | |||
Leitura - Bloco – Teatro, Poesia, Conto, Jaime Salazar Sampaio<br /> | Leitura - Bloco – Teatro, Poesia, Conto, Jaime Salazar Sampaio<br /> | ||
+ | Jaime Augusto Salazar Sampaio (Lisboa, 5 de Maio de | ||
+ | 1925) estreia-se na escrita com a peça Aproximação, | ||
+ | editada em 1945 na antologia de vários autores Bloco – | ||
+ | 1ª pedra, logo apreendida pela censura. | ||
*Grito<br /> | *Grito<br /> | ||
Line 32: | Line 77: | ||
<br /> | <br /> | ||
+ | https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/30094/1/12773-38509-1-SM.pdf | ||
+ | |||
+ | O jogo era este: um jogo de espertezas e de compromissos. | ||
+ | Primeira regra – certos assuntos... nem pensar enfiá-los numa peça! | ||
+ | Segunda regra – começando por escolher um assunto que não | ||
+ | incomodasse (…) era | ||
+ | aconselhável ter um outro cuidado: quando eu queria dizer uma | ||
+ | coisa que sabia não poder | ||
+ | nomear, referia-a... por um outro nome. E se fosse preciso, acrescentava | ||
+ | uma poeira de palavras “descomprometidas”, tentando criar um clima | ||
+ | de ambiguidades. | ||
+ | O pior é que, por culpa destes malabarismos que eu me sentia | ||
+ | obrigado a praticar, a pouco e pouco (…), a auto-censura tomou | ||
+ | conta de mim, como se eu fosse, ou tentasse ser, um auxiliar da tal | ||
+ | Comissão. (…) | ||
+ | E a jogatana tornou-se um vício. Muito embora esse vício, para além | ||
+ | de ter certas consequências desfavoráveis, tivesse também uma | ||
+ | inesperada virtude: ao empurrar o essencial do discurso para as | ||
+ | entrelinhas – e era esta uma das regras mais importantes daquele | ||
+ | jogo – eu estava a aprender o meu ofício de escriba, já que o essencial | ||
+ | nem sempre se pode verbalizar, cabendo ao silêncio das entrelinhas | ||
+ | sinalizá-lo; de forma subtil, se formos capazes... ( | ||
<br /> | <br /> | ||
[[File:Logo25abril50anosleiturascensuradas.png|797px|center]]<br /> | [[File:Logo25abril50anosleiturascensuradas.png|797px|center]]<br /> |
Revision as of 13:43, 5 March 2024
(Lisboa, 05-05-1925, Lisboa,13-04-2010)
Jaime Augusto Salazar Sampaio foi talvez o autor português contemporâneo mais representado em Portugal por dezenas de companhias profissionais e amadoras que, desde os anos 60, o foram inserindo regularmente nos seus repertórios. Jaime Salazar Sampaiofavoritos Poeta, ficcionista e autor dramático nascido a 5 de maio de 1925, em Lisboa, e licenciado em Engenharia. Tradutor de Beckett, Harold Pinter, Artur Miller e Michel Deutsch, é autor de várias obras críticas de divulgação da estética pessoana. Na ficção, é autor de duas obras onde o inconformismo da escrita assume contornos intermédios entre a inspiração surrealizante e a simplicidade da literatura infantil, e de quatro livros de poesia inscritos na década de 50, onde colige poemas relativamente breves, de grande rigor prosódico, e que tematizam o confronto entre um tempo e um espaço perdidos e um presente que releva da incompletude e da frustração ("abrimos portas que davam para o mar / e em vez do mergulho pedimos desculpa", de O Silêncio de um Homem), numa escrita que se distingue, como na prosa, pela rutura com expressões feitas e com tudo o que no verso seja redundante, aproximando-se, assim, de uma rara e difícil simplicidade ("de um homem fica / e por pouco tempo / certa maneira de olhar o mundo // (...) baloiçando as pernas."). Mas é sobretudo como autor dramático que Jorge Salazar Sampaio se consagrou, sendo autor dos mais conseguidos textos da dramaturgia pós-beckettiana, sucesso aliás comprovado pelo facto de a quase totalidade das suas peças ter sido representada.
Jaime Salazar Sampaio Jaime Salazar Sampaio: Capa de livro com fotografia de Rui Aguiar.
A peça de estreia, Aproximação, foi redigida em 1944 e editada no ano seguinte na antologia de vários autores Bloco - 1ª Pedra, imediatamente apreendida pela censura, que viu como sinais ameaçadores o vermelho da capa e as invocações à liberdade no texto.
Descrito como “Primeira Pedra”, conta com colaborações de Jaime Salazar Sampaio (a peça de teatro “Aproximação” e um conjunto de catorze “Poemas”),
. Dois poemas de Jaime Salazar Sampaio despertaram também a atenção dos censores: o sétimo (“Não é por bandeiras e fronteiras / que darei o meu sangue. // Não luto por Cristo / Ou por S. Tiago. // É por mim, companheiro, / Por mim e por ti.”, p. 56-57) e o décimo (“Legal /E a facada da lei. / Legal / É o gesto arbitrário / Do homem fardado e armado. / Legal / É toda a mentira / Que tiver pedestal”, p. 57-58). Apesar de não contar com nenhuma passagem assinalada, o Poeta, ficcionista e autor dramático
Iniciou-se na literatura com a poesia, mas é sobretudo como autor dramático que Jaime Salazar Sampaio se consagrou, sendo autor de uma vasta obra, múltiplas vezes premiada, e representada na sua quase totalidade, frequentemente por grupos de teatro de amadores e independentes, mas também no Teatro Nacional D. Maria II.
Os seus poemas são, de uma maneira geral, breves e inundados, na sua simplicidade, de um profundo e quase abstracto lirismo, retratando um homem só, apaixonado e emocionado perante o absurdo da vida, e, ao mesmo tempo, perante o seu apelo de beleza e infinitude.
Estas características também podem ser apercebidas na sua imensa obra dramatúrgica, onde a personagem-tipo se desdobra, quase sempre, por dois ou três outros “viajantes imóveis”, cujos diálogos intuem como que um monólogo interior, onde, entre as indecisões de uns e as afirmações sibilinas e filosóficas de outros, se joga uma incessante busca existencial, ancorada nos três grandes temas por onde flui o teatro do Autor: a Vida, o Amor, a Morte.
O tratamento que, sobretudo nos monólogos, é dado às personagens femininas, revela um arguto, atento e sensível observador desse universo, que explorou como poucos.
Leitura - Bloco – Teatro, Poesia, Conto, Jaime Salazar Sampaio
Jaime Augusto Salazar Sampaio (Lisboa, 5 de Maio de 1925) estreia-se na escrita com a peça Aproximação, editada em 1945 na antologia de vários autores Bloco – 1ª pedra, logo apreendida pela censura.
- Grito
Rasga! É alma? É alma? É trapo?
Que importa?
Rasga, atira os pedaços ao vento
Rasga e não chores
Ri!
Arranca esses farrapos
Rasga as mãos na pedra
Anda descalça
Despedaça a alma
Rasga!
E faz bandeiras!...
Bloco, Matilde Rosa Araújo
Vento Norte
Cavalo negro de crina ao vento
relincho na cerca
arbusto quebrado
Num muro de sombras
o portão de ferro
e o vento uivando
e o vento uivando
Cavalo negro de crina ao vento
a erva talada na longa alameda
Bloco, Mário Ruivo
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/30094/1/12773-38509-1-SM.pdf
O jogo era este: um jogo de espertezas e de compromissos.
Primeira regra – certos assuntos... nem pensar enfiá-los numa peça!
Segunda regra – começando por escolher um assunto que não
incomodasse (…) era
aconselhável ter um outro cuidado: quando eu queria dizer uma
coisa que sabia não poder
nomear, referia-a... por um outro nome. E se fosse preciso, acrescentava
uma poeira de palavras “descomprometidas”, tentando criar um clima
de ambiguidades.
O pior é que, por culpa destes malabarismos que eu me sentia
obrigado a praticar, a pouco e pouco (…), a auto-censura tomou
conta de mim, como se eu fosse, ou tentasse ser, um auxiliar da tal
Comissão. (…)
E a jogatana tornou-se um vício. Muito embora esse vício, para além
de ter certas consequências desfavoráveis, tivesse também uma
inesperada virtude: ao empurrar o essencial do discurso para as
entrelinhas – e era esta uma das regras mais importantes daquele
jogo – eu estava a aprender o meu ofício de escriba, já que o essencial
nem sempre se pode verbalizar, cabendo ao silêncio das entrelinhas
sinalizá-lo; de forma subtil, se formos capazes... (