Rodrigues, Urbano Tavares - Livros Proibidos

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  • Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013)
"Urbano foi um exímio contador de estórias, um autor em que o gozo pelo discurso narrativo e pela efabulação é evidente e tocante. Daí a sua escrita ser torrencial, poderosa de ressonâncias semânticas, vibrátil, imersa no território do poético, espaço onde a vida age como afirmação e identidade coletiva." 
  • Livros Proibidos - Imitação da Felicidade e Nus e Suplicantes

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Primeira edição (1966) de um dos mais apreciados livros do autor, ao tempo proibido pela censura com a nota: “N.B. proibido por ordem de S. Excia o sub-secretário de Estado da Pres. do Conselho” e colocado fora do mercado, pelas razões que se podem ler no relatório abaixo.

  • Excerto 1 - Imitação da Felicidade, pág. 61
A Carolina é a única que não participa desta folgança geral. Concentrada, aquelas rugas amargas, que a avelhentam, aos cantos da boca, dir-se-ia que inspeciona atentamente as biqueiras dos sapatos cambados. Deve estar a pensar na partida do filho. Queixou-se-me há dias de que ele ia para Angola. O rapaz não se aflige muito: mandaram-lhe dizer de lá que os soldados ganham três contos, que bebem cerveja da boa e têm mulheres caras (vai ser um problema, quando estes homens voltarem, os que voltarem: como hão de aceitar outra vez salários de fome e trabalhos penosos, de sol a sol, por essas aldeias e vilas que nada transformou durante a ausência deles?)
A pobre Carolina não se conforma. Só se lembra dos que morrem em combate ou com as explosões das minas, nos chamados "acidentes de viação".
- Meu rico Zé Paulo, que nunca mais estes olhos o veem!
Mas se o seu filho vai de gosto! - disse, para a animar.
  • Excerto 2 - Imitação da Felicidade
Chegaram a falar-me que organizasse para elas uma copejada de atum. Mas a vontade não era muito forte, porque não me tocaram mais nisso logo que a Rocha as enfeitiçou. É assim mesmo: nadam como peixes, entre duas águas, de olhos abertos, parece que estão a descobrir o paraíso… E o que elas gostam de apanhar os tais fósseis que a maré vaza deixa enterrados na areia! Levam as malas carregadas de pedras e de conchinhas para fazer cinzeiros. Depois, não se cansam de ver todas as grutas, a ponta de João d’Arens, a Guarita, os Três Irmãos: vêem realmente com olhos de ver todos esses leixões e as praias até ao vau, e as de Alvor, que são mesmo uma beleza em o sol lhes dando por riba, quando a falésia fica como um filme colorido, amarela, daquela cor falsa da nossa terra que se desfaz, e noutros sítios quase encarnada, como sangue, ou de um castanho lindíssimo, quase doirado. A gente já não se dá conta: os estrangeiros é que apreciam.
São todos assim, os turistas: quando caem na praia, quedam-se por lá a torrar, que nem uns lagartos, alguns já não fazem mais nada, outros ainda se metem por essas estradas velhas, a “papar” igrejas e castelos. Em fato de banho, de sol a sol, a partir de Abril. Rica vida, para quem goste, que eu, não posso dizer como o meu pai que nunca molho as ceroulas, porque não uso tal coisa, mas também não me encanta esfriar os ossos no mar. desta maneira. Ainda num desses dias de muita calma, vá que não vá. Agora, lá que gosto de ver, gosto! Como nessa primeira tarde em que elas, logo que chegámos à praia de Armação, se puseram ali nuazinhas, quase à minha vista, com umas toalhas por diante, e, ala!, foram correndo, meter-se dentro das ondas e por ali andaram brincando, enroscadas, cobertas de espuma, até não poderem mais.
Deixaram-se cair na areia quente, eu a fumar um cigarro, pensando nas vidas diferentes que a gente tem, conforme se nasce aqui ou acolá, cheio de dinheiro ou sem dinheiro, e a mirar as pernas da mais nova, com magotes de pelos loiros por fora do maillot, junto das virilhas, coisa que a ela tanto se lhe dá como se lhe deu… Nem a incomodava nem a lisonjeava que eu reparasse nisso e noutras intimidades que também amostra com a mesma indiferença.br />
  • Excerto 3 - Imitação da Felicidade
Mas depois o caso mudou. Se mudou! À volta é que começaram a falar mais comigo, perguntando os nomes das árvores e se as figueiras eram todas assim, pequenas e ramalhudas, de saia até ao chão, e quando é que as amendoeiras estavam mesmo em flor, se ficavam brancas ou cor-de-rosa. E como é que as pessoas viviam. Se o trabalho compensava? E que não era justo, está claro, pagarem-se salários tão baixos. Que no resto do mundo, hoje em dia… Pois, pois… Todos dizem o mesmo, fartinho estou eu de lhes ouvir esta cantilena. Mas quem é que faz alguma coisa por nós?! Admiram-se, criticam e afirmam que estão inteiramente do nosso lado, mas vá de comerem ricos bifes, e beberem o nosso bom vinho, que até chegam, eles e elas, a levarem as garrafas para o quarto, com o fito de dormirem melhor uns com os outros, digo eu cá na minha… e a gente que continue a amolar-se. Não estará certo, eles o dizem, mas fazem bem as digestões: é vê-los, todos regalados, besuntados com óleos, aqui estiraçados nas nossas praias, de barriga para o ar. E o indígena a olhá-los do alto das arribas, apertando o cinto, a cobiçar-lhes as máquinas fotográficas, os colchões de borracha, o tabaco perfumado e algumas vezes as mulheres, quando são essas parisienses de bikini preto como a roupa de baixo, mulheres que põem qualquer homem de cabeça à roda. Que as bifas, tirando uma ou outra, já parecem velhas mesmo em novas e são todas escamosas, cor de camarão, com pernas de gafanhoto: não lhes vejo jeito de o próprio diabo as querer.
  • Excerto 4 - Nus e Suplicantes
Uma das obras mais lidas do autor, que como tantos outros, foi afastado do ensino universitário durante a ditadura de Salazar e Caetano, tendo participado ativamente na resistência e preso inúmeras vezes.*Excerto 4 - Nus e Suplicantes
Livro proibido pela censura, embora tenha suscitado pareceres diferentes entre os censores.
Será mesmo ali? Todas as igrejas se parecem. Os mesmos papéis colados na porta, à entrada; as mesmas velhas ajoelhadas, rezando, sem mexerem a cab eça; as gotas de cinza daquelas vozes; as janelas de cor, tristes e fechadas; e o cheiro estranho que ele fareja.
- É o incenso! – diz ela. E aperta-lhe o braço, empurra-o para diante.
Seguem pela nave central. E os olhares dos santos parece que se movem e os acompanham. Caras de cera, com borrões de sangue. Luzes, tantas luzes amortecidas. Como as vozes… e o incenso.
Avançam ambos lentamente, com estranheza. O altar-mor cresce, brilha cada vez mais, quase aflige; os seus raios de ouro mordem o silêncio grosso. O perfume adormece. A Nossa Senhora morena sumiu-se, lá para trás, na sombra de uma concha, toda cheia de flores brancas. Para trás, na sombra dos murmúrios…
No altar, agora, os louros: a coroa de luz vai desprender-se da testa do Cristo martirizado. As estrelas vivas sempre a queimarem-se, sempre. Nos mármores que forram a capela alguém encostou as chagas cor-de-rosa. Tudo está sujo de sangue. Alguma coisa irá passar-se ali, naquele teatro ardente e retirado.
Nos olhos dele, súbito parados e turvos como a água de um charco, há um líquido torpor, onde, furtivos, deslizam os vermes das impressões, quando ele volve o pescoço encardido e o rosto para as capelas e para as imagens sem fala. Vontade de ali se demorar à espera de que algum daqueles dedos de marfim se levante para ele num sinal?
- Vamos – diz ela. E puxa-o para a frente. Reconheceu definitivamente a igreja. Aquela portinha baixa, apenas encostada, à direita, é a da sacristia. Uma nova luz tirita através dessa porta. Fria? Inóspita? Uma luz débil de aparições.
Agora é ela que hesita. Já passaram cinco anos. Lembrar-se-á ele sequer, essa sombra que reza e abençoa, o poderoso senhor que está lá dentro, no lençol de segredo daquela luz?...
  • Excerto 5 - Nus e Suplicantes
O padre vê a porta abrir-se de manso, empurrada como a medo. Deixa-os aproximarem-se, bichos canhestros, turbados, mensageiros da tarde real, carregados de músculos, de vísceras, que vêm fender-lhe o sonho; e sorri, a animá-los, com os seus olhos de anil, que emergem da paixão da pureza e onde já todo o orgulho se dissolve, enquanto o busto, a face, interrogativa, se inclinam e os braços se lhe abrem, num gesto discreto de acolhida.
“O que desejam?” Como hão-de eles explicar o que desejam, assim, sem mais nem menos?...
- Queríamos casar – diz ela. No tecto dourado, há mais estrelas, fixas, cobertas de areia, e, ao meio, uma pinha azul, pendente. O rosto do padre, encobre-o um véu, suave de mais, tão amável e distante que assusta, como a cruz negra ao fundo da sacristia. Negra e lisa. Os ramos da morte. Por detrás daquele sorriso, a sentença aguarda.
O crânio dele tornou-se doloroso. O rapaz contém a respiração. Espera. Existe uma imensidão deserta entre eles e o padre.
- Os vossos papéis!
Entregam-nos, assim enxovalhados, quase rotos, folhas velhas ao desprezo.
- Casimiro Tomás… Maria Leonarda dos Anjos… Tomás… Mas, vocês são irmãos? – pergunta o padre, ainda na dúvida.
- Queríamos casar – repete o rapaz, obstinadamente.
- Mas, se são irmãos…
- Senhor prior – reclama ela (e nos seus olhos escuros o pânico longínquo, a súplica, em círculos concêntricos vêm assomando) – vamos ter um filho. Ajude-nos, ao menos, o senhor, que nos deu o baptismo!
- Eu?
- Não se alembra?
  • Para saber mais

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