Difference between revisions of "Rodrigues, Urbano Tavares - Livros Proibidos"

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Urbano Tavares Rodrigues

Nús e Suplicantes escrito por Urbano Tavares Rodrigues, foi publicado em 1960 e procurava representar a realidade social e económica do país, destacando questões como a pobreza, as condições de trabalho e as desigualdades existente no pais.

NUS E SUPLICANTES 1.png NUS E SUPLICANTES 2.png NUS E SUPLICANTES 3 (2).png Nus e Suplicantes, Urbano Tavares Rodrigues

  • Excerto 1
Será mesmo ali? Todas as igrejas se parecem. Os mesmos papéis colados na porta, à entrada; as mesmas velhas ajoelhadas, rezando, sem mexerem a cabeça; as gotas de cinza daquelas vozes; as janelas de cor, tristes e fechadas; e o cheiro estranho que ele fareja.
- É o incenso! – diz ela. E aperta-lhe o braço, empurra-o para diante.
Seguem pela nave central. E os olhares dos santos parece que se movem e os acompanham. Caras de cera, com borrões de sangue. Luzes, tantas luzes amortecidas. Como as vozes… e o incenso.
Avançam ambos lentamente, com estranheza. O altar-mor cresce, brilha cada vez mais, quase aflige; os seus raios de ouro mordem o silêncio grosso. O perfume adormece. A Nossa Senhora morena sumiu-se, lá para trás, na sombra de uma concha, toda cheia de flores brancas. Para trás, na sombra dos murmúrios…
No altar, agora, os louros: a coroa de luz vai desprender-se da testa do Cristo martirizado. As estrelas vivas sempre a queimarem-se, sempre. Nos mármores que forram a capela alguém encostou as chagas cor-de-rosa. Tudo está sujo de sangue. Alguma coisa irá passar-se ali, naquele teatro ardente e retirado.
Nos olhos dele, súbito parados e turvos como a água de um charco, há um líquido torpor, onde, furtivos, deslizam os vermes das impressões, quando ele volve o pescoço encardido e o rosto para as capelas e para as imagens sem fala. Vontade de ali se demorar à espera de que algum daqueles dedos de marfim se levante para ele num sinal?
- Vamos – diz ela. E puxa-o para a frente. Reconheceu definitivamente a igreja. Aquela portinha baixa, apenas encostada, à direita, é a da sacristia. Uma nova luz tirita através dessa porta. Fria? Inóspita? Uma luz débil de aparições.
Agora é ela que hesita. Já passaram cinco anos. Lembrar-se-á ele sequer, essa sombra que reza e abençoa, o poderoso senhor que está lá dentro, no lençol de segredo daquela luz?...


  • Excerto 2
O padre vê a porta abrir-se de manso, empurrada como a medo. Deixa-os aproximarem-se, bichos canhestros, turbados, mensageiros da tarde real, carregados de músculos, de vísceras, que vêm fender-lhe o sonho; e sorri, a animá-los, com os seus olhos de anil, que emergem da paixão da pureza e onde já todo o orgulho se dissolve, enquanto o busto, a face, interrogativa, se inclinam e os braços se lhe abrem, num gesto discreto de acolhida.
“O que desejam?” Como hão-de eles explicar o que desejam, assim, sem mais nem menos?...
- Queríamos casar – diz ela. No tecto dourado, há mais estrelas, fixas, cobertas de areia, e, ao meio, uma pinha azul, pendente. O rosto do padre, encobre-o um véu, suave de mais, tão amável e distante que assusta, como a cruz negra ao fundo da sacristia. Negra e lisa. Os ramos da morte. Por detrás daquele sorriso, a sentença aguarda.
O crânio dele tornou-se doloroso. O rapaz contém a respiração. Espera. Existe uma imensidão deserta entre eles e o padre.
- Os vossos papéis!
Entregam-nos, assim enxovalhados, quase rotos, folhas velhas ao desprezo.
- Casimiro Tomás… Maria Leonarda dos Anjos… Tomás… Mas, vocês são irmãos? – pergunta o padre, ainda na dúvida.
- Queríamos casar – repete o rapaz, obstinadamente.
- Mas, se são irmãos…
- Senhor prior – reclama ela (e nos seus olhos escuros o pânico longínquo, a súplica, em círculos concêntricos vêm assomando) – vamos ter um filho. Ajude-nos, ao menos, o senhor, que nos deu o baptismo!
- Eu?
- Não se alembra?



  • Imitação da Felicidade, Urbano Tavares Rodrigues
  • Excerto 1
Chegaram a falar-me que organizasse para elas uma copejada de atum. Mas a vontade não era muito forte, porque não me tocaram mais nisso logo que a Rocha as enfeitiçou. É assim mesmo: nadam como peixes, entre duas águas, de olhos abertos, parece que estão a descobrir o paraíso… E o que elas gostam de apanhar os tais fósseis que a maré vaza deixa enterrados na areia! Levam as malas carregadas de pedras e de conchinhas para fazer cinzeiros. Depois, não se cansam de ver todas as grutas, a ponta de João d’Arens, a Guarita, os Três Irmãos: vêem realmente com olhos de ver todos esses leixões e as praias até ao vau, e as de Alvor, que são mesmo uma beleza em o sol lhes dando por riba, quando a falésia fica como um filme colorido, amarela, daquela cor falsa da nossa terra que se desfaz, e noutros sítios quase encarnada, como sangue, ou de um castanho lindíssimo, quase doirado. A gente já não se dá conta: os estrangeiros é que apreciam.
São todos assim, os turistas: quando caem na praia, quedam-se por lá a torrar, que nem uns lagartos, alguns já não fazem mais nada, outros ainda se metem por essas estradas velhas, a “papar” igrejas e castelos. Em fato de banho, de sol a sol, a partir de Abril. Rica vida, para quem goste, que eu, não posso dizer como o meu pai que nunca molho as ceroulas, porque não uso tal coisa, mas também não me encanta esfriar os ossos no mar. desta maneira. Ainda num desses dias de muita calma, vá que não vá. Agora, lá que gosto de ver, gosto! Como nessa primeira tarde em que elas, logo que chegámos à praia de Armação, se puseram ali nuazinhas, quase à minha vista, com umas toalhas por diante, e, ala!, foram correndo, meter-se dentro das ondas e por ali andaram brincando, enroscadas, cobertas de espuma, até não poderem mais.
Deixaram-se cair na areia quente, eu a fumar um cigarro, pensando nas vidas diferentes que a gente tem, conforme se nasce aqui ou acolá, cheio de dinheiro ou sem dinheiro, e a mirar as pernas da mais nova, com magotes de pelos loiros por fora do maillot, junto das virilhas, coisa que a ela tanto se lhe dá como se lhe deu… Nem a incomodava nem a lisonjeava que eu reparasse nisso e noutras intimidades que também amostra com a mesma indiferença.
Mas depois o caso mudou. Se mudou! À volta é que começaram a falar mais comigo, perguntando os nomes das árvores e se as figueiras eram todas assim, pequenas e ramalhudas, de saia até ao chão, e quando é que as amendoeiras estavam mesmo em flor, se ficavam brancas ou cor-de-rosa. E como é que as pessoas viviam. Se o trabalho compensava? E que não era justo, está claro, pagarem-se salários tão baixos. Que no resto do mundo, hoje em dia… Pois, pois… Todos dizem o mesmo, fartinho estou eu de lhes ouvir esta cantilena. Mas quem é que faz alguma coisa por nós?! Admiram-se, criticam e afirmam que estão inteiramente do nosso lado, mas vá de comerem ricos bifes, e beberem o nosso bom vinho, que até chegam, eles e elas, a levarem as garrafas para o quarto, com o fito de dormirem melhor uns com os outros, digo eu cá na minha… e a gente que continue a amolar-se. Não estará certo, eles o dizem, mas fazem bem as digestões: é vê-los, todos regalados, besuntados com óleos, aqui estiraçados nas nossas praias, de barriga para o ar. E o indígena a olhá-los do alto das arribas, apertando o cinto, a cobiçar-lhes as máquinas fotográficas, os colchões de borracha, o tabaco perfumado e algumas vezes as mulheres, quando são essas parisienses de bikini preto como a roupa de baixo, mulheres que põem qualquer homem de cabeça à roda. Que as bifas, tirando uma ou outra, já parecem velhas mesmo em novas e são todas escamosas, cor de camarão, com pernas de gafanhoto: não lhes vejo jeito de o próprio diabo as querer.




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