Ribeiro, Aquilino - Livros Proibidos

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  • Aquilino Ribeiro(1885-1963)

Aquilino Ribeiro é um dos mais prolíficos autores portugueses. Escreveu romances, contos, novelas, estudos etnográficos e históricos, biografias e literatura infantil. Colaborou na II série da revista Alma nova (1915-1918), começada a publicar em Faro em 1914.Em 1960 foi proposto para o Prémio Nobel da Literatura por Francisco Vieira de Almeida, proposta subscrita por José Cardoso Pires, Urbano Tavares Rodrigues, Mário Soares, Alves Redol, Vergílio Ferreira, entre muitos outros.

  • Livro proibido - Quando os Lobos Uivam

O livro retrata a saga dos beirões em defesa dos terrenos baldios durante a ditadura, nos finais dos anos 40 e início dos anos 50. Serra dos Milhafres, finais dos anos 40, o Estado Novo resolve impor aos beirões uma nova lei: Os terrenos baldios que sempre tinham sido utilizados para bem comunitário e onde essa comunidade retirava parte vital do seu sustento, seriam agora "expropriados" e esses terrenos utilizados para plantar pinheiros. Assim, sem mais nem menos, o Estado chega e diz que, a partir daquele momento, acabou. Implanta-se um clima de medo nas gentes e é esse clima que Manuel Louvadeus, que havia emigrado para o Brasil anos antes, vem encontrar quando regressa à aldeia. Homem vivido e culto devido, segundo o próprio, aos muitos livros que por lá havia lido, Manuel tem uma visão para os dois lados e um sentido de justiça que rapidamente o fazem cair nas boas graças das gentes do povo.
O romance "Quando os Lobos Uivam" que foi publicado em 1958, por Aquilino Ribeiro e lhe valeu um mandato de captura e a apreensão de todos os exemplares pelo regime salazarista.

  • Excerto 1
Era lua cheia, pelos fins de Março Marçagão, na altura do ano em que os dias são iguais às noites, e pelo tinir dos garfos e pausas intermitentes assentou para consigo que estavam a cear. – Miga bem a tigela! – dizia a voz materna, amorável no seu sotaque ralhado. – Miga bem, Jaime, que só tens caldo! Depois as vozes calaram-se.
(...) Bateu uma…duas…três vezes, e postou-se, parado, à escuta, como os mendigos depois de rezarem o padre-nosso. Mentalmente pôs-se a orçar o tempo que ia passando pelo tempo que levariam a apreender o apelo, a erguer-se da esteira, a poisar a malga, e a abrir-lhe a porta. Demoravam-se… Pareceram-lhe delongas a mais. Não teriam ouvido! Considerando afinal que as pancadas, percutidas frouxas e irresolutas, não se tivessem imposto à atenção, martelou rijo e afoito. Agora sim, uma voz juvenil, abelhuda, destas que no cortiço estão sempre prontas a acudir ao rumor, ergueu-se:
- Quem está lá?
- Gente…
Notou que o silêncio, um silêncio precaucioso, enchia a casa como a luz da candeia que se acende no escuro. Um segundo… dois… três, nem que passassem as alpoldras dum rio. Então Filomena não reconhecia o metal da sua voz?! Que não lhe havia de parecer de todo estranho, estava em que lhe ouviu proferir subitamente e de afogadilho:
- Vai ver quem é, Jorgina!
Sentiu correr o fecho, e Manuel Louvadeus empurrou a porta. E, sem aguardar que se abrisse de todo, mal lhe ofereceu passagem, de ilharga, quase acotovelando a moça, entrou com uma golfada de vento.
  • Excerto 2
Estavam, como palpitara, de malga em punho à roda do lume. O cepo ardia ao fundo na pedra lar e a sua lumalha verde descompunha a claridade da candeia que voltejava ao centro na ponta do nagalho. Viu a todos suspensos. A mulher olhava para ele, atónita. Os filhos olhavam para ele sem o conhecer, pudera! O gato maltês, com o espalhafato da entrada, cobrara medo e pinchara assarapantado para um canto, donde o observava com pupilas a fuzilar de cólera e inquietação. E Manuel Louvadeus, risonho, sem os deixar respirar, lançou de chofre por cima de suas cabeças perplexas:
- Santas noites lhes dê Deus!
Só então Filomena pulou na esteira. Muito pesada tinha a rabadilha! Pois a ela, que era perra fina, não devia saltar ao entendimento que um homem com aquele rompante, aquele traje, em cabelo, não era senão o seu homem que voltava?! Seria que a penumbra da casa o desfigurasse! Qual! De relance, um relance de nada, notou que ela estava ainda a afirmar-se, dir-se-ia incrédula ou meio timorata, olhos postos nele mais fixos que os tições no braseiro. E foi como se lhe dessem com uma moca. Caramba, assim estaria mudado!?
  • Excerto 3
Não, não tinha desculpa que, embora andasse há uns dez anos pelo mundo, sem que há uns seis desse novas nem mandatos – morreu, está preso, mataram-no – por muito, mesmo muito que os trabalhos e o trópico picassem a fisionomia de um homem, o coração lhes não advertisse logo quem ali estava. E, cheio de ressentimento, metade mágoa, metade raiva, ia a cometer o despropósito de despir o paletó e pôr à mostra o lanho que uma gadanha antiga lhe deixara no braço: sou o Manuel Louvadeus ou quem sou? – quando ela se atirou a ele:
- Ah, marido da minha alma!
E, ao passo que se lhe enroscava ao pescoço, desengonçada e temível como a onça, gemia num ricto de angústia e vexame:
- Que tonta eu sou que te não reconheci logo à primeira! O Coração bem me dizia que eras tu! Mas quem o havia de crer, mudado como tu vens?! Quem o havia de crer depois de tantos anos sem dares sinal de vida!?
(…) Então seu pai era aquele homem de ar exótico, lúrido do clima, tocado na figadeira, com um traje diferente ao da terra, sarja azul tão lustrosa que lhe devolvia a tinta dos olhos, relógio de prata em pulseira de oiro, sapatos amarelos, esta espécie de sapatos meio pantufos, que parecem botas de elástico aparadas por baixo do tornozelo, e ele comprara em Asunción?!
  • Excerto 4
- Já disse, e voltarei a dizê-lo na Câmara segunda-feira que vem, que já fomos chamados: a serra é nossa e muito nossa. Queremo-la assim, estamos no nosso direito. Desta forma é que nos faz arranjo. Os de Lisboa querem-na coberta de pinhal…? Semeiem pinhal nos parques e jardins onde têm empedrado e relva só para vista. – Assim é-vos melhor, dá mais lucro – dizem eles. – Pois dará. São opiniões. – Admitindo que fosse certo, e ainda não o disse nenhum Salomão, nós é que a havemos de semear. Tudo o que seja para fora desta regra é roubo. A serra era de nossos pais e avós, dos nossos rebanhos, dos bolos que no-los comiam, do vento galego que afiava lá pelos descampados as suas navalhas de barba. Pois então?
                                                             
  • Excerto 5
Manhã alta, quando romperam para o planalto as duas turmas dos Serviços Florestais com tractores, caterpillars, arados de ferro puxados a bois do vale do Távora, e uma centena de operários engajados, longe, nas aldeias famintas dos ratinhos, já encontraram muito povo pelas rechãs. (…) Os aldeões, que foram saindo das luras, perante o homem de meia-idade, alto, de lábios e mãos delicadas, cabelo loiro aparado à escovinha, orelhas tombantes, olhos pequenos por cima duma massa gelatinosa cor de açafrão, uma grande carraça branca no ouvido, cobraram o seu respeito. Reparando bem para ele, ficaram com a ideia dum rosto cortado à goiva, ângulos vivos, linhas bruscas, como as imagens dos santeiros na primeira mão.


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