Raposo, Hipólito - Livros Proibidos

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Leitura – Amar e Servir, Hipólito Raposo

Ao leitor benévolo ou malévolo Os estudos aqui reunidos não serão mais do que relatos de agradável conversação de velhos livros, cuja leitura evita a perda de tempo e o desgosto de folhear muitas obras modernas sem interesse, em que as páginas menos inúteis poderão dar novidades seculares. Aqueles que ainda confiam na sinceridade e valor da cruzada de reconstrução nacional, intentada por um pequeno grupo de sonhadores com lema definido, a que o autor deseja permanecer fiel, até fechar os olhos ao mundo, talvez por este livro o considerem desinteressado dos deveres espontaneamente contraídos por amor da Pátria, nesses anos de primavera espiritual. Nada mais injusto do que semelhante juízo condenatório, ao acreditar-se que para iludir um imperativo necessário e agradável, viesse agora fatigá-los com a aridez dos temas deste volume. Das condições actuais da publicidade, são difíceis as referidas aos meios da indústria gráfica; mas as limitações impostas por alegadas razões de interesse público, não permitem considerá-lo à luz da reflexão crítica de cada qual, e tem de se aceitar praticamente por bem-comum, o que será apenas bem de poucos e até mal de muitos, sem conforto... No presente, pelos domínios das disciplinas de feição política, só são verdadeiramente lícitos e permitidos os passos nas sombras da História, para evocações de vida-morta, mas, ainda assim, sem as claridades de evidência reflexa que possam molestar as susceptibilidades do dia de hoje, nas pessoas e nos intentos. Para algum dia serem justos os nossos filhos, ao avaliar o pouco que se faz pelo mais que se deveria alcançar, nunca deverão esquecer-se de reconhecer a que limites se reduz agora o trabalho e o exercício da inteligência, inibido daquela independência crítica que, não se podendo manter com dignidade, menos vale do que a perfeita mudez. Todo o encargo de doutrinação ou a satisfação de vanglória devem sacrificar-se à honra do juízo, quando ele não possa representar o livre exercício da razão política que já no conceito de Aristóteles distinguia o homem dos animais. Para nos desculpar ou repelir importunidades estrídulas, servirão de excessiva autoridade as palavras de Foch, o génio da vitória na maior guerra do mundo: “On fait ce qu’on peut...” Seria ocasião de cada qual projectar os seus anseios para as avançadas do futuro, mas o presente sabe prevalecer-se do passado em tudo quanto não lhe sirva de exautoração, e o dia de amanhã, a inércia e o comodismo geral resolvem-se a aceitá-lo sem previsão de esperança, à maneira das tribos cafres, ou dos espíritos cépticos e civilizados em alta escola de perversão... Nestas condições, para conhecimento público do que se escreve, tanto vale o erro como o acerto. Se o primeiro é condenável e o segundo plausível, um e outro andam equiparados, gozando com segurança de idêntico louvor nas vozes de salafrários, nas gazetas de aluguer e nos livros de quantos, risonha e fartamente, se conformam com as transigências da acomodação ou com as obrigações do suborno. Estas páginas representam um emprego de tempo que pareceria melhor consumido a meditar e a esclarecer, para revelar na medida do possível, alguns aspectos dos agudos problemas do espírito ou da administração, nas condições político-sociais do nosso tempo. Mas, pela intangível infalibilidade do Poder Público, o discurso sobre tais temas está vedado pelo Preventório da Letra de Forma, mesmo aqueles que, por dever de inteligência e crédito do passado, dariam mais certa segurança de se inspirar por intentos construtivos, com razões de boa lei e moral política. E para não suscitar alarme nos leitores com tractos lisos, em que a verdade poderá ter-se diluído, como voz de clamor em deserto, ainda se lançam à conta de quem escreve a insuficiência patenteada e a falta de lógica da exposição pois que o zelo da defesa logo manda recobrir os locais do delito por vegetação de palha ou de urze, sem flor nem fruto. Tal procedimento vale por sanção punitiva sem que aos leitores vulgares ocorra o dever de identificar o verdadeiro responsável do delito... Assim, no regime de constrangimento que oprime a vida do espírito em Portugal, aos homens de carácter independente oferece-se, por mais prático, o recurso do silêncio, pois é menos nocivo e degradante ficar mudo do que parecer gago ou asmático. Todos hão de reconhecer que, contra a rede de intriga e solertes cuidados de beleguins, nenhum sacrifício, por mais alto e digno pela coragem e desinteresse, poderia ser agora frutuoso para lição e exemplo, pelo forçado desconhecimento que o envolveria e pela indiferença obtida com a inacção habitualmente imposta. Se aos gestores dos negócios públicos se afiguram manobras de traição as discordâncias reflectidas ou as oposições documentadas, esse exagerado capricho de defesa pouco representa, em face da dissolução moral a que diariamente vamos assistindo, sem contra ela poder gritar: Aqui d’El-Rei! Não nos serve de convencimento o exemplo da escravidão de outros povos, submetidos a maiores pressões ou a sanguinárias tiranias, porque os Portugueses, na sua vida histórica de oito séculos, habituaram-se a ver sempre na coroa dos Reis o símbolo vivo da justiça e das liberdades inerentes à dignidade humana. Deste modo, os exilados morais por escrúpulo, por dever e surdo protesto, sentem com revolta o desgosto de não poder aceitar toda a luz da revelação oficial. E para tantos casos e estranhas normas de conduta, reconhecem ter chegado um período novo da vida portuguesa, em que nem as lágrimas das desditas, por injustiças e violências, podem alterar a frieza de corações de pedra, só capazes de se comover e dilatar com o júbilo das adulações e com a encomendada e paga vozearia das praças públicas. (...) ​ [pp. XIII-XVI] (...) (Acerca da "ilegalização" da Maçonaria) Para bem da Religião e da Moral decidiram um dia suprimir a velha associação dos Filhos da Viúva, ordem clandestina de onde se difundia o veneno para as almas, nas escolas e no povo. Publicaram-se leis solenes, mas essa sociedade do bem por mal, lá continuou a viver, a medrar e a dominar, embora em sua recôndita e triangular feição. Como a hidra de água doce, recortada, virada nos anéis, ela sobrevive à morte legal e vai-se multiplicando em cada fragmento, com tanta vivacidade que os veneráveis dignitários, só por deixarem de marcar três pontos, já podem contar os tentos que quiserem, e sempre é deles o ganho do jogo...

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