Difference between revisions of "Malraux, André - Livros Proibidos"

From Wikipédia de Autores Algarvios
Jump to: navigation, search
 
Line 1: Line 1:
 
[[File:AndreMalraux1974-Fotog.jpg|185px]] [[File:Malraux, Andre - Condicao Humana - capa.jpg|172px]] [[File:Malraux, Andre - Condicao Humana - censura.jpg|170px]]
 
[[File:AndreMalraux1974-Fotog.jpg|185px]] [[File:Malraux, Andre - Condicao Humana - capa.jpg|172px]] [[File:Malraux, Andre - Condicao Humana - censura.jpg|170px]]
*'''André Malraux (1901 - 1976)'''
+
*'''André Malraux (1901 - 1976)'''<br />
Escritor francês, ativista político e ministro da cultura de Charles de Gaulle. Foi um grande pensador da época. Participou ativamente da resistência francesa durante a ocupação nazi, na Segunda Guerra Mundial.
+
Escritor francês, ativista político e ministro da cultura de Charles de Gaulle. Foi um grande pensador da época. Participou ativamente da resistência francesa durante a ocupação nazi, na Segunda Guerra Mundial.
 
   
 
   
 
*Livro Proibido - '''''A Condição Humana'''''<br />
 
*Livro Proibido - '''''A Condição Humana'''''<br />
 
[[File:Malraux, Andre - Condicao Humana - censura-excerto.png|600px]]<br />
 
[[File:Malraux, Andre - Condicao Humana - censura-excerto.png|600px]]<br />
  
'''''A Condição Humana''''' é um romance histórico de reflexão filosófica e política, publicado em 1933 . É uma obra incontornável na reflexão sobre o indivíduo, a ética pessoal e a convicção ideológica.  
+
'''''A Condição Humana''''' é um romance histórico de reflexão filosófica e política, publicado em 1933 . É uma obra incontornável na reflexão sobre o indivíduo, a ética pessoal e a convicção ideológica.  
 
   
 
   
*Excerto 1<br />
+
*'''Excerto 1'''
 
  '''21 de Março de 1927'''<br />'''Meia-noite e meia hora'''<br />Ousaria Tchen erguer o mosquiteiro? Agiria através dele? A angústia apertava-lhe o estômago; conhecia a sua própria firmeza, mas não conseguia nesse momento pensar nela senão com pasmo, fascinado por aquele amontoado de musselina branca que caía do teto sobre um corpo menos visível que uma sombra, e do qual apenas saía aquele pé meio inclinado pelo sono, vivo contudo - carne de homem. A única luz vinha do edifício vizinho: um grande retângulo de eletricidade pálida, cortada pelos pinásios da janela, um dos quais listrava a cama precisamente por cima do pé como para acentuar nele o volume e a vida. Quatro ou cinco buzinas chiaram ao mesmo tempo. Descoberto? Combater inimigos que se defendem, inimigos acordados, que alívio!<br />A vaga de ruído tombou: qualquer engarrafamento de carros (havia ainda engarrafamentos de carros, lá longe, no mundo dos homens...). Viu-se de novo em frente da grande mancha mole da musselina e do retângulo de luz, imóveis naquela noite em que o tempo não contava.<br />Repetia a si próprio que aquele homem tinha de morrer. Tolamente: pois sabia que o mataria. Preso ou não, executado ou não, pouco importava.
 
  '''21 de Março de 1927'''<br />'''Meia-noite e meia hora'''<br />Ousaria Tchen erguer o mosquiteiro? Agiria através dele? A angústia apertava-lhe o estômago; conhecia a sua própria firmeza, mas não conseguia nesse momento pensar nela senão com pasmo, fascinado por aquele amontoado de musselina branca que caía do teto sobre um corpo menos visível que uma sombra, e do qual apenas saía aquele pé meio inclinado pelo sono, vivo contudo - carne de homem. A única luz vinha do edifício vizinho: um grande retângulo de eletricidade pálida, cortada pelos pinásios da janela, um dos quais listrava a cama precisamente por cima do pé como para acentuar nele o volume e a vida. Quatro ou cinco buzinas chiaram ao mesmo tempo. Descoberto? Combater inimigos que se defendem, inimigos acordados, que alívio!<br />A vaga de ruído tombou: qualquer engarrafamento de carros (havia ainda engarrafamentos de carros, lá longe, no mundo dos homens...). Viu-se de novo em frente da grande mancha mole da musselina e do retângulo de luz, imóveis naquela noite em que o tempo não contava.<br />Repetia a si próprio que aquele homem tinha de morrer. Tolamente: pois sabia que o mataria. Preso ou não, executado ou não, pouco importava.
  
*Extrait 1<br />
+
*'''Extrait 1'''<br />
 
  '''21 mars 1927'''<br />'''Minuit et demi.'''<br />Tchen tenterait-il de lever la moustiquaire ? Frapperait-il au travers ? L’angoisse lui tordait l’estomac ; il connaissait sa propre fermeté, mais n’était capable en cet instant que d’y songer avec hébétude, fasciné par ce tas de mousseline blanche qui tombait du plafond sur un corps moins visible qu’une ombre, et d’où sortait seulement ce pied à demi incliné par le sommeil, vivant quand même — de la chair d’homme. La seule lumière venait du building voisin : un grand rectangle d’électricité pâle, coupé par les barreaux de la fenêtre dont l’un rayait le lit juste au-dessous du pied comme pour en accentuer le volume et la vie. Quatre ou cinq klaxons grincèrent à la fois. Découvert ? Combattre, combattre des ennemis qui se défendent, des ennemis éveillés !<br />La vague de vacarme retomba : quelque embarras de voitures (il y avait encore des embarras de voitures, là-bas,dans le monde des hommes...). Il se retrouva en face de la tache molle de la mousseline et du rectangle de lumière, immobile dans cette nuit où le temps n’existait plus. Il se répétait que cet homme devait mourir. Bêtement : car il savait qu’il le tuerait. Pris ou non, exécuté ou non, peu importait.
 
  '''21 mars 1927'''<br />'''Minuit et demi.'''<br />Tchen tenterait-il de lever la moustiquaire ? Frapperait-il au travers ? L’angoisse lui tordait l’estomac ; il connaissait sa propre fermeté, mais n’était capable en cet instant que d’y songer avec hébétude, fasciné par ce tas de mousseline blanche qui tombait du plafond sur un corps moins visible qu’une ombre, et d’où sortait seulement ce pied à demi incliné par le sommeil, vivant quand même — de la chair d’homme. La seule lumière venait du building voisin : un grand rectangle d’électricité pâle, coupé par les barreaux de la fenêtre dont l’un rayait le lit juste au-dessous du pied comme pour en accentuer le volume et la vie. Quatre ou cinq klaxons grincèrent à la fois. Découvert ? Combattre, combattre des ennemis qui se défendent, des ennemis éveillés !<br />La vague de vacarme retomba : quelque embarras de voitures (il y avait encore des embarras de voitures, là-bas,dans le monde des hommes...). Il se retrouva en face de la tache molle de la mousseline et du rectangle de lumière, immobile dans cette nuit où le temps n’existait plus. Il se répétait que cet homme devait mourir. Bêtement : car il savait qu’il le tuerait. Pris ou non, exécuté ou non, peu importait.
  
*Excerto 2<br />
+
*'''Excerto 2'''<br />
 
  '''22 de Março'''<br />'''Onze horas da manhã'''<br />“Isto vai mal”, pensou Ferral. O seu automóvel (o único Voisin de Xangai, porque o Presidente da Câmara de Comércio francês não podia servir-se de um carro americano) corria ao longo do cais. À direita, por baixo de auriflamas verticais cheias de caracteres: “Mais que doze horas de trabalho por dia, Não mais trabalho de crianças com menos de oito anos”, milhares de operários das fiações estavam de pé, acocorados, deitados nos passeios numa tensa desordem. O automóvel ultrapassou um grupo de mulheres, reunidas debaixo do cartaz: “Direito de se sentarem às operárias”. O próprio arsenal estava vazio: os metalúrgicos estavam em greve. À esquerda, milhares de marinheiros de andrajos azuis, sem bandeiras, esperavam acocorados ao longo do rio. A multidão dos manifestantes perdia-se, do lado do cais, até ao fundo das ruas perpendiculares; do lado do rio, apinhava-se nos pontões, escondia o limite da água. O carro deixou o cais, mergulhou na Avenida das Duas Repúblicas. Dificilmente avançava, entalado agora no movimento da multidão chinesa que irrompia de todas as ruas para o refúgio da concessão francesa. Como um cavalo de corrida ultrapassa outro com a cabeça, o pescoço, o peito, a multidão “ultrapassava” o automóvel, lentamente, constantemente. Carrinhos de mão com cabeças de bebés que pendiam no meio de tigelas, carroças de Pequim, riquexós, cavalinhos peludos, carros de mão, camiões carregados com sessenta pessoas, colchões monstruosos cheios de todo um mobiliário, guarnecidos de pés de mesa, gigantes, protegendo com os braços, da ponta dos quais pendia uma gaiola de melro, mulheres pequenas com crianças às costas... O motorista pode finalmente voltar, mergulhar em ruas cheias também, mas onde o barulho do “klaxon” afugentava a multidão alguns metros à frente do automóvel. Chegou aos grandes edifícios da polícia francesa.
 
  '''22 de Março'''<br />'''Onze horas da manhã'''<br />“Isto vai mal”, pensou Ferral. O seu automóvel (o único Voisin de Xangai, porque o Presidente da Câmara de Comércio francês não podia servir-se de um carro americano) corria ao longo do cais. À direita, por baixo de auriflamas verticais cheias de caracteres: “Mais que doze horas de trabalho por dia, Não mais trabalho de crianças com menos de oito anos”, milhares de operários das fiações estavam de pé, acocorados, deitados nos passeios numa tensa desordem. O automóvel ultrapassou um grupo de mulheres, reunidas debaixo do cartaz: “Direito de se sentarem às operárias”. O próprio arsenal estava vazio: os metalúrgicos estavam em greve. À esquerda, milhares de marinheiros de andrajos azuis, sem bandeiras, esperavam acocorados ao longo do rio. A multidão dos manifestantes perdia-se, do lado do cais, até ao fundo das ruas perpendiculares; do lado do rio, apinhava-se nos pontões, escondia o limite da água. O carro deixou o cais, mergulhou na Avenida das Duas Repúblicas. Dificilmente avançava, entalado agora no movimento da multidão chinesa que irrompia de todas as ruas para o refúgio da concessão francesa. Como um cavalo de corrida ultrapassa outro com a cabeça, o pescoço, o peito, a multidão “ultrapassava” o automóvel, lentamente, constantemente. Carrinhos de mão com cabeças de bebés que pendiam no meio de tigelas, carroças de Pequim, riquexós, cavalinhos peludos, carros de mão, camiões carregados com sessenta pessoas, colchões monstruosos cheios de todo um mobiliário, guarnecidos de pés de mesa, gigantes, protegendo com os braços, da ponta dos quais pendia uma gaiola de melro, mulheres pequenas com crianças às costas... O motorista pode finalmente voltar, mergulhar em ruas cheias também, mas onde o barulho do “klaxon” afugentava a multidão alguns metros à frente do automóvel. Chegou aos grandes edifícios da polícia francesa.
  
*Excerto 3<br />
+
*'''Excerto 3'''<br />
 
  '''11 de Abril'''<br />'''Uma hora e meia'''<br />- Na Sibéria, eu era intérprete num campo de prisioneiros. Consegui sair de lá servindo no exército branco, com Semenov. Brancos, vermelhos, estava-me ralando: queria era voltar à Alemanha. Fui preso pelos vermelhos. Estava semimorto de frio. Esbofetearam-me a socos, chamando-me “meu capitão” (eu era tenente) até que eu caísse. Levantaram-me. Eu não trazia o uniforme de Semenov, com caveirinhas. Tinha uma estrela em cada dragona.<br />Deteve-se. “Podia recusar sem tantas histórias”, pensou Clappique. Ofegante, devagar, a voz implicava uma necessidade que ele procurava contudo compreender.<br />- Pregaram-me um prego em cada ombro, em cada estrela. Do comprimento, de um dedo. Ouça bem, meu Totozinho.<br />Agarrou-o pelo braço, olhos fitos nos dele, com um olhar de homem apaixonado:<br />- Chorei como uma mulher, como um vitelo... Chorei diante deles. Está a ver, não está? Fiquemos por aqui. Ninguém perderá com isso.
 
  '''11 de Abril'''<br />'''Uma hora e meia'''<br />- Na Sibéria, eu era intérprete num campo de prisioneiros. Consegui sair de lá servindo no exército branco, com Semenov. Brancos, vermelhos, estava-me ralando: queria era voltar à Alemanha. Fui preso pelos vermelhos. Estava semimorto de frio. Esbofetearam-me a socos, chamando-me “meu capitão” (eu era tenente) até que eu caísse. Levantaram-me. Eu não trazia o uniforme de Semenov, com caveirinhas. Tinha uma estrela em cada dragona.<br />Deteve-se. “Podia recusar sem tantas histórias”, pensou Clappique. Ofegante, devagar, a voz implicava uma necessidade que ele procurava contudo compreender.<br />- Pregaram-me um prego em cada ombro, em cada estrela. Do comprimento, de um dedo. Ouça bem, meu Totozinho.<br />Agarrou-o pelo braço, olhos fitos nos dele, com um olhar de homem apaixonado:<br />- Chorei como uma mulher, como um vitelo... Chorei diante deles. Está a ver, não está? Fiquemos por aqui. Ninguém perderá com isso.
 
<br />  
 
<br />  

Latest revision as of 12:19, 18 April 2024

AndreMalraux1974-Fotog.jpg Malraux, Andre - Condicao Humana - capa.jpg Malraux, Andre - Condicao Humana - censura.jpg

  • André Malraux (1901 - 1976)

Escritor francês, ativista político e ministro da cultura de Charles de Gaulle. Foi um grande pensador da época. Participou ativamente da resistência francesa durante a ocupação nazi, na Segunda Guerra Mundial.

  • Livro Proibido - A Condição Humana

Malraux, Andre - Condicao Humana - censura-excerto.png

A Condição Humana é um romance histórico de reflexão filosófica e política, publicado em 1933 . É uma obra incontornável na reflexão sobre o indivíduo, a ética pessoal e a convicção ideológica.

  • Excerto 1
21 de Março de 1927
Meia-noite e meia hora
Ousaria Tchen erguer o mosquiteiro? Agiria através dele? A angústia apertava-lhe o estômago; conhecia a sua própria firmeza, mas não conseguia nesse momento pensar nela senão com pasmo, fascinado por aquele amontoado de musselina branca que caía do teto sobre um corpo menos visível que uma sombra, e do qual apenas saía aquele pé meio inclinado pelo sono, vivo contudo - carne de homem. A única luz vinha do edifício vizinho: um grande retângulo de eletricidade pálida, cortada pelos pinásios da janela, um dos quais listrava a cama precisamente por cima do pé como para acentuar nele o volume e a vida. Quatro ou cinco buzinas chiaram ao mesmo tempo. Descoberto? Combater inimigos que se defendem, inimigos acordados, que alívio!
A vaga de ruído tombou: qualquer engarrafamento de carros (havia ainda engarrafamentos de carros, lá longe, no mundo dos homens...). Viu-se de novo em frente da grande mancha mole da musselina e do retângulo de luz, imóveis naquela noite em que o tempo não contava.
Repetia a si próprio que aquele homem tinha de morrer. Tolamente: pois sabia que o mataria. Preso ou não, executado ou não, pouco importava.
  • Extrait 1
21 mars 1927
Minuit et demi.
Tchen tenterait-il de lever la moustiquaire ? Frapperait-il au travers ? L’angoisse lui tordait l’estomac ; il connaissait sa propre fermeté, mais n’était capable en cet instant que d’y songer avec hébétude, fasciné par ce tas de mousseline blanche qui tombait du plafond sur un corps moins visible qu’une ombre, et d’où sortait seulement ce pied à demi incliné par le sommeil, vivant quand même — de la chair d’homme. La seule lumière venait du building voisin : un grand rectangle d’électricité pâle, coupé par les barreaux de la fenêtre dont l’un rayait le lit juste au-dessous du pied comme pour en accentuer le volume et la vie. Quatre ou cinq klaxons grincèrent à la fois. Découvert ? Combattre, combattre des ennemis qui se défendent, des ennemis éveillés !
La vague de vacarme retomba : quelque embarras de voitures (il y avait encore des embarras de voitures, là-bas,dans le monde des hommes...). Il se retrouva en face de la tache molle de la mousseline et du rectangle de lumière, immobile dans cette nuit où le temps n’existait plus. Il se répétait que cet homme devait mourir. Bêtement : car il savait qu’il le tuerait. Pris ou non, exécuté ou non, peu importait.
  • Excerto 2
22 de Março
Onze horas da manhã
“Isto vai mal”, pensou Ferral. O seu automóvel (o único Voisin de Xangai, porque o Presidente da Câmara de Comércio francês não podia servir-se de um carro americano) corria ao longo do cais. À direita, por baixo de auriflamas verticais cheias de caracteres: “Mais que doze horas de trabalho por dia, Não mais trabalho de crianças com menos de oito anos”, milhares de operários das fiações estavam de pé, acocorados, deitados nos passeios numa tensa desordem. O automóvel ultrapassou um grupo de mulheres, reunidas debaixo do cartaz: “Direito de se sentarem às operárias”. O próprio arsenal estava vazio: os metalúrgicos estavam em greve. À esquerda, milhares de marinheiros de andrajos azuis, sem bandeiras, esperavam acocorados ao longo do rio. A multidão dos manifestantes perdia-se, do lado do cais, até ao fundo das ruas perpendiculares; do lado do rio, apinhava-se nos pontões, escondia o limite da água. O carro deixou o cais, mergulhou na Avenida das Duas Repúblicas. Dificilmente avançava, entalado agora no movimento da multidão chinesa que irrompia de todas as ruas para o refúgio da concessão francesa. Como um cavalo de corrida ultrapassa outro com a cabeça, o pescoço, o peito, a multidão “ultrapassava” o automóvel, lentamente, constantemente. Carrinhos de mão com cabeças de bebés que pendiam no meio de tigelas, carroças de Pequim, riquexós, cavalinhos peludos, carros de mão, camiões carregados com sessenta pessoas, colchões monstruosos cheios de todo um mobiliário, guarnecidos de pés de mesa, gigantes, protegendo com os braços, da ponta dos quais pendia uma gaiola de melro, mulheres pequenas com crianças às costas... O motorista pode finalmente voltar, mergulhar em ruas cheias também, mas onde o barulho do “klaxon” afugentava a multidão alguns metros à frente do automóvel. Chegou aos grandes edifícios da polícia francesa.
  • Excerto 3
11 de Abril
Uma hora e meia
- Na Sibéria, eu era intérprete num campo de prisioneiros. Consegui sair de lá servindo no exército branco, com Semenov. Brancos, vermelhos, estava-me ralando: queria era voltar à Alemanha. Fui preso pelos vermelhos. Estava semimorto de frio. Esbofetearam-me a socos, chamando-me “meu capitão” (eu era tenente) até que eu caísse. Levantaram-me. Eu não trazia o uniforme de Semenov, com caveirinhas. Tinha uma estrela em cada dragona.
Deteve-se. “Podia recusar sem tantas histórias”, pensou Clappique. Ofegante, devagar, a voz implicava uma necessidade que ele procurava contudo compreender.
- Pregaram-me um prego em cada ombro, em cada estrela. Do comprimento, de um dedo. Ouça bem, meu Totozinho.
Agarrou-o pelo braço, olhos fitos nos dele, com um olhar de homem apaixonado:
- Chorei como uma mulher, como um vitelo... Chorei diante deles. Está a ver, não está? Fiquemos por aqui. Ninguém perderá com isso.


Logo25abril50anosleiturascensuradas.png

Wiki-nao-censurada-lapisazul.png

Voltar à Página Inicial da wiki 25 de Abril - 50 anos - Leituras em Liberdade