Difference between revisions of "Gonçalves, Orlando - Livros Proibidos"
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*'''ORLANDO GONÇALVES''' (1921 – 1994)<br /> | *'''ORLANDO GONÇALVES''' (1921 – 1994)<br /> | ||
| − | + | '''Orlando Gonçalves''' estreou-se como escritor em 1948. O seu primeiro romance, Tormenta, foi proibido pela Direção dos Serviços de Censura e apreendido pela Polícia de Informação e Defesa do Estado (PIDE). Teve, nas décadas de 40 e 50, uma participação de natureza cultural associada à intervenção política.Foi um antifascista que se destacou na luta pela Liberdade e Democracia, quer pela acção política como cidadão, quer como jornalista e editor. À frente do jornal NA – Noticias da Amadora (jornal regional com expansão e distribuição nacional) deu um contributo de grande importância na Resistência e para a Oposição à ditadura, enfrentando a PIDE e a Censura com grande coragem e firmeza, ao longo desses anos. | |
| − | * | + | *'''Livro proibido Tormenta''' |
| − | * Excerto 1<br /> | + | *'''Excerto 1'''<br /> |
| − | Ambicionava para a sua filha tudo o que não conseguira ter.<br />“Oxalá meus | + | Ambicionava para a sua filha tudo o que não conseguira ter.<br />“Oxalá meus projetos não sejam atraiçoados pelo destino” – murmurava, baixinho, como numa prece.<br />Ela sabia que também seus pais haviam tecido projetos a seu respeito. Ela sabia que também muitos pais traçavam brilhantes futuros para seus filhos – futuros que raras vezes se realizam. Ela aprendera que o destino é adverso para os humildes! E é por sabê-lo – por à sua própria custa o ter aprendido – que ela implora em segredo:<br />“Deus permita que a minha vontade se cumpra!”<br />Uma coisa ainda não aprendera, aprendê-la-ia mais tarde, que Deus é surdo aos apelos dos desprotegidos.A sua vontade cumprir-se-ia – exclamava interiormente – e a sua filhita chegaria a ser alguém. Queria torná-la livre, emancipá-la da tutela masculina, libertá-la da canga a que todas as do seu sexo andavam jungidas. Sabia, por experiência própria, que o futuro da maior parte das raparigas depende do casamento.<br />Nenhuma das pequenas das suas relações dispunha de meios para se lançar na vida. Todas elas necessitavam do apoio dos braços masculinos! E quantas, quantas dessas raparigas não encontrariam no casamento uma pesada cruz? Quantas não percorreriam uma longa existência sem encontrarem a verdadeira felicidade? E quantas delas, depois de casadas, de amarradas a um homem por laços considerados indissolúveis, embora reconhecendo errado o seu destino, acorrentadas a impiedosas necessidades económicas, impossibilitadas, por falta de preparação, de conquistarem um lugar na vida, rompendo com o passado, não sofreriam em silêncio – uma vida inteira a sofrer – um pesado castigo que as humilharia? |
| − | *Excerto 2 <br /> | + | *'''Excerto 2''' <br /> |
- Esse dia virá quando tivermos criado uma consciência – continuou o outro em tom profético - quando tivermos encontrado o verdadeiro caminho; quando nos convencermos que das nossas disputas só os nossos inimigos tiram lucro; quando nos dermos as mãos e caminharmos em frente, unidos nas mesmas aspirações, sem transformarmos mesquinhas questiúnculas em intransponíveis barreiras que nos separem. Esse dia chegará quando assim o entendermos. Nós somos a maioria, uma maioria esmagadora. | - Esse dia virá quando tivermos criado uma consciência – continuou o outro em tom profético - quando tivermos encontrado o verdadeiro caminho; quando nos convencermos que das nossas disputas só os nossos inimigos tiram lucro; quando nos dermos as mãos e caminharmos em frente, unidos nas mesmas aspirações, sem transformarmos mesquinhas questiúnculas em intransponíveis barreiras que nos separem. Esse dia chegará quando assim o entendermos. Nós somos a maioria, uma maioria esmagadora. | ||
| − | *Excerto 3<br /> | + | *'''Excerto 3'''<br /> |
A vida é sempre tormenta, assim como os Oceanos, para os barquitos pequenos.<br />Tudo isto pensava o velho, dobrado na sua banca, vendo rondar o patrão.<br />O brilho dos seus olhos fora o sol que lho levara. Fora o sol, foram os anos e as noites de vigílias – essas noites de trabalho, à luz de potentes lâmpadas, fazendo somas enormes.<br />Dias e noites de luta… Meses e anos de luta…Uma vida inteira a lutar!<br />Ele era um pobre velhote, doente, gasto e cansado. Já nenhum patrão o queria, já não tinha proteções, - seu futuro é negro crepe – mas já foi forte e ativo, já verteu muito suor – sua vida consumida nessa contínua labuta.- Por patrões foi disputado como joia de valor… | A vida é sempre tormenta, assim como os Oceanos, para os barquitos pequenos.<br />Tudo isto pensava o velho, dobrado na sua banca, vendo rondar o patrão.<br />O brilho dos seus olhos fora o sol que lho levara. Fora o sol, foram os anos e as noites de vigílias – essas noites de trabalho, à luz de potentes lâmpadas, fazendo somas enormes.<br />Dias e noites de luta… Meses e anos de luta…Uma vida inteira a lutar!<br />Ele era um pobre velhote, doente, gasto e cansado. Já nenhum patrão o queria, já não tinha proteções, - seu futuro é negro crepe – mas já foi forte e ativo, já verteu muito suor – sua vida consumida nessa contínua labuta.- Por patrões foi disputado como joia de valor… | ||
Revision as of 12:49, 18 April 2024
- ORLANDO GONÇALVES (1921 – 1994)
Orlando Gonçalves estreou-se como escritor em 1948. O seu primeiro romance, Tormenta, foi proibido pela Direção dos Serviços de Censura e apreendido pela Polícia de Informação e Defesa do Estado (PIDE). Teve, nas décadas de 40 e 50, uma participação de natureza cultural associada à intervenção política.Foi um antifascista que se destacou na luta pela Liberdade e Democracia, quer pela acção política como cidadão, quer como jornalista e editor. À frente do jornal NA – Noticias da Amadora (jornal regional com expansão e distribuição nacional) deu um contributo de grande importância na Resistência e para a Oposição à ditadura, enfrentando a PIDE e a Censura com grande coragem e firmeza, ao longo desses anos.
- Livro proibido Tormenta
- Excerto 1
Ambicionava para a sua filha tudo o que não conseguira ter.
“Oxalá meus projetos não sejam atraiçoados pelo destino” – murmurava, baixinho, como numa prece.
Ela sabia que também seus pais haviam tecido projetos a seu respeito. Ela sabia que também muitos pais traçavam brilhantes futuros para seus filhos – futuros que raras vezes se realizam. Ela aprendera que o destino é adverso para os humildes! E é por sabê-lo – por à sua própria custa o ter aprendido – que ela implora em segredo:
“Deus permita que a minha vontade se cumpra!”
Uma coisa ainda não aprendera, aprendê-la-ia mais tarde, que Deus é surdo aos apelos dos desprotegidos.A sua vontade cumprir-se-ia – exclamava interiormente – e a sua filhita chegaria a ser alguém. Queria torná-la livre, emancipá-la da tutela masculina, libertá-la da canga a que todas as do seu sexo andavam jungidas. Sabia, por experiência própria, que o futuro da maior parte das raparigas depende do casamento.
Nenhuma das pequenas das suas relações dispunha de meios para se lançar na vida. Todas elas necessitavam do apoio dos braços masculinos! E quantas, quantas dessas raparigas não encontrariam no casamento uma pesada cruz? Quantas não percorreriam uma longa existência sem encontrarem a verdadeira felicidade? E quantas delas, depois de casadas, de amarradas a um homem por laços considerados indissolúveis, embora reconhecendo errado o seu destino, acorrentadas a impiedosas necessidades económicas, impossibilitadas, por falta de preparação, de conquistarem um lugar na vida, rompendo com o passado, não sofreriam em silêncio – uma vida inteira a sofrer – um pesado castigo que as humilharia?
- Excerto 2
- Esse dia virá quando tivermos criado uma consciência – continuou o outro em tom profético - quando tivermos encontrado o verdadeiro caminho; quando nos convencermos que das nossas disputas só os nossos inimigos tiram lucro; quando nos dermos as mãos e caminharmos em frente, unidos nas mesmas aspirações, sem transformarmos mesquinhas questiúnculas em intransponíveis barreiras que nos separem. Esse dia chegará quando assim o entendermos. Nós somos a maioria, uma maioria esmagadora.
- Excerto 3
A vida é sempre tormenta, assim como os Oceanos, para os barquitos pequenos.
Tudo isto pensava o velho, dobrado na sua banca, vendo rondar o patrão.
O brilho dos seus olhos fora o sol que lho levara. Fora o sol, foram os anos e as noites de vigílias – essas noites de trabalho, à luz de potentes lâmpadas, fazendo somas enormes.
Dias e noites de luta… Meses e anos de luta…Uma vida inteira a lutar!
Ele era um pobre velhote, doente, gasto e cansado. Já nenhum patrão o queria, já não tinha proteções, - seu futuro é negro crepe – mas já foi forte e ativo, já verteu muito suor – sua vida consumida nessa contínua labuta.- Por patrões foi disputado como joia de valor…
- Para saber mais:
https://www.abrilabril.pt/nacional/centenario-de-orlando-goncalves
https://www.facebook.com/FascismoNuncaMais/posts/orlando-gon%C3%A7alves-1921-1994foi-um-antifascista-que-se-destacou-na-luta-pela-libe/3900165696759447/?locale=ms_MY
