Difference between revisions of "Gide, André - Livros Proibidos"

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'''André Gide'''
 
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PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA 1947
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Escritor francês nascido a 22 de novembro de 1869, em Paris, e falecido a 19 de fevereiro de 1951, também na capital francesa.
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André Gide foi criado no seio de uma família abastada e educado de uma forma muito puritana. Sentiu alguma dificuldade em ter sucesso nos estudos devido à sua saúde débil. Contudo, desde cedo mostrou apetência para a Literatura e a Poesia e, com apenas vinte anos, começou a publicar textos, bastante puritanos, em revistas escolares. Com 22 anos, publica o seu primeiro livro, Les Cahiers d'André Walter, totalmente financiado por si, mas o qual não assinou. A obra, que havia começado a escrever aos 18 anos, não conheceu grande sucesso, mas atraiu a atenção de escritores como Marcel Schwob, Rémy de Gourmont, Maurice Barrés e Maurice Maeterlinck. Nesta altura, Gide era uma artista do Simbolismo, tendência que deixou em 1895, quando publicou Paludes.
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Só a partir de 1897, quando editou Nourritures Terrestres, é que André Gide começou a ser encarado como um verdadeiro escritor. Nesta obra, defendeu a doutrina do hedonismo ativo, ou seja o prazer como bem supremo. Desde então, o autor dedicou-se a examinar os problemas da liberdade individual e da responsabilidade, tendo entrado por vezes em conflito com a moralidade convencional.
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Em 1909, Gide foi um dos fundadores da revista literária Nouvelle Revu, que se viria a tornar bastante influente no meio.
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Tornou-se o mentor de toda uma geração que, na sequência da Primeira Guerra Mundial, se preocupava em conciliar a lucidez da razão com as forças instintivas.
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Com Les Caves du Vatican, de 1914, Gide foi pela primeira vez acusado de ser anticlerical. Um ano após a sua morte, em 1952, o Vaticano incluiu todas as suas obras no Índice de Livros Proibidos.
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Entre 1920 e 1924, publicou as suas memórias, onde revelou a sua homossexualidade. Em 1925, lançou aquele que foi considerado um dos seus melhores romances, intitulado Les Faux-Monnayeurs, onde o protagonismo foi dado à juventude parisiense, inclusivamente através de homossexuais, delinquentes e mulheres adúlteras.
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André Gide passou entretanto a ocupar diversos cargos públicos, tanto a nível local como internacional. As suas deslocações ao Congo, Chade e União Soviética inspiraram alguns dos seus livros. Depois de se ter assumido como comunista, a visita à União Soviética deixou-o bastante desiludido e rompeu com o comunismo.
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Entre 1939 e 1951, decidiu escrever e publicar os seus diários, onde falava de si e também dos seus amigos e de outros escritores.
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Entretanto, em 1947 recebeu o Prémio Nobel da Literatura.
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André Gide também escreveu peças de teatro no início do século XX e fez traduções de obras de William Shakespeare.
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A sua influência traz-lhe ataques virulentos da direita católica (Henri Massis, Henri Béraud), que lhe censura os seus valores morais, o seu intelectualismo,
 
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Logo no início, André Gide ficciona sobre a parábola bíblica do Filho Pródigo em O regresso do filho pródigo, um texto de solenidade íntima e natureza quasi-teatral, constituído por sucessivos diálogos. Publicado pela primeira vez na recém-fundada Nouvelle Revue Française em Fevereiro de 1912, o texto revela um Gide ainda ligado ao simbolismo e tematiza uma das contradições maiores de toda a sua obra, o conflito entre o conservadorismo e o hedonismo. A tradução é de Helena Faria.
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Gide recuou no último instante e escreveu este A Volta do Filho Pródigo em que simboliza no Pai o próprio Deus cristão, na Mãe compreensiva a Igreja Católica e no irmão mais velho a doutrina cristã. (Para ele, São Paulo é o ordenador da fé, o criador do pecado, o instituidor das proibições, antagônicas ao pensamento e às atitudes livres que sempre assumira.) O relato segue em princípio a Bíblia (Lucas, XV, 11-32), que descreve a chegada do pródigo, sua acolhida pelo pai que lhe prepara uma festa de boas-vindas, e a discordância do irmão mais velho que nunca saiu de casa nem dilapidou a herança paterna; Gide lhe acrescenta dois novos diálogos: com a mãe compreensiva e com o caçula rebelde, concentrando neste último toda a sua filosofia da ruptura com os laços convencionais, sempre exibida em todas as suas obras.
  
 
* Livro Proibido - '''Encontros - Antologia de Autores Modernos''' <br />
 
* Livro Proibido - '''Encontros - Antologia de Autores Modernos''' <br />
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https://www.ebooksgratuits.com/pdf/gide_le_retour_de_l_enfant_prodigue.pdf<br />
 
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O FILHO PRÓDIGO
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Quando  após longa  ausência,  fatigado  de sua fantasia e como desprendido  de si mesmo,  o filho pródigo, do  fundo dessa  privação  que procurava, lembra-se do rosto de seu pai, do quarto bastante amplo onde a mãe sobre o seu leito se inclinava, do  jardim regado pela água corrente, mas cercado e de onde sempre desejou fugir, do irmão previdente a quem  jamais  amou, mas que guarda ainda à sua espera a parte de seus bens que ele, pródigo, não conseguiu dilapidar — o jovem  reconhece não ter encontrado a felicidade, nem mesmo conseguido prolongar por muito tempo aquela embriaguez que, à falta de felicidade, procurou. — Ah! pensa con­sigo, se meu pai, que a princípio, irritado contra mim, me dera como morto, pudesse talvez, apesar  de  meu pecado,  alegrar-se  de  me  ver;  ah!  se  acaso  voltando humildemente,  a  fronte  baixa e coberta de cinzas, e inclinando-me diante dele, lhe disser: “Meu pai, pequei contra  o céu e contra  vós” — que farei  se, erguendo­ me  com  a  mão,  me  responder:  “Entra  em  casa,  meu filho”? . . . E o filho contrito já  se põe a caminho.
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Revision as of 16:01, 22 March 2024

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André Gide

PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA 1947

Escritor francês nascido a 22 de novembro de 1869, em Paris, e falecido a 19 de fevereiro de 1951, também na capital francesa. André Gide foi criado no seio de uma família abastada e educado de uma forma muito puritana. Sentiu alguma dificuldade em ter sucesso nos estudos devido à sua saúde débil. Contudo, desde cedo mostrou apetência para a Literatura e a Poesia e, com apenas vinte anos, começou a publicar textos, bastante puritanos, em revistas escolares. Com 22 anos, publica o seu primeiro livro, Les Cahiers d'André Walter, totalmente financiado por si, mas o qual não assinou. A obra, que havia começado a escrever aos 18 anos, não conheceu grande sucesso, mas atraiu a atenção de escritores como Marcel Schwob, Rémy de Gourmont, Maurice Barrés e Maurice Maeterlinck. Nesta altura, Gide era uma artista do Simbolismo, tendência que deixou em 1895, quando publicou Paludes. Só a partir de 1897, quando editou Nourritures Terrestres, é que André Gide começou a ser encarado como um verdadeiro escritor. Nesta obra, defendeu a doutrina do hedonismo ativo, ou seja o prazer como bem supremo. Desde então, o autor dedicou-se a examinar os problemas da liberdade individual e da responsabilidade, tendo entrado por vezes em conflito com a moralidade convencional. Em 1909, Gide foi um dos fundadores da revista literária Nouvelle Revu, que se viria a tornar bastante influente no meio. Tornou-se o mentor de toda uma geração que, na sequência da Primeira Guerra Mundial, se preocupava em conciliar a lucidez da razão com as forças instintivas. Com Les Caves du Vatican, de 1914, Gide foi pela primeira vez acusado de ser anticlerical. Um ano após a sua morte, em 1952, o Vaticano incluiu todas as suas obras no Índice de Livros Proibidos. Entre 1920 e 1924, publicou as suas memórias, onde revelou a sua homossexualidade. Em 1925, lançou aquele que foi considerado um dos seus melhores romances, intitulado Les Faux-Monnayeurs, onde o protagonismo foi dado à juventude parisiense, inclusivamente através de homossexuais, delinquentes e mulheres adúlteras. André Gide passou entretanto a ocupar diversos cargos públicos, tanto a nível local como internacional. As suas deslocações ao Congo, Chade e União Soviética inspiraram alguns dos seus livros. Depois de se ter assumido como comunista, a visita à União Soviética deixou-o bastante desiludido e rompeu com o comunismo. Entre 1939 e 1951, decidiu escrever e publicar os seus diários, onde falava de si e também dos seus amigos e de outros escritores. Entretanto, em 1947 recebeu o Prémio Nobel da Literatura. André Gide também escreveu peças de teatro no início do século XX e fez traduções de obras de William Shakespeare.

A sua influência traz-lhe ataques virulentos da direita católica (Henri Massis, Henri Béraud), que lhe censura os seus valores morais, o seu intelectualismo,


Logo no início, André Gide ficciona sobre a parábola bíblica do Filho Pródigo em O regresso do filho pródigo, um texto de solenidade íntima e natureza quasi-teatral, constituído por sucessivos diálogos. Publicado pela primeira vez na recém-fundada Nouvelle Revue Française em Fevereiro de 1912, o texto revela um Gide ainda ligado ao simbolismo e tematiza uma das contradições maiores de toda a sua obra, o conflito entre o conservadorismo e o hedonismo. A tradução é de Helena Faria.

Gide recuou no último instante e escreveu este A Volta do Filho Pródigo em que simboliza no Pai o próprio Deus cristão, na Mãe compreensiva a Igreja Católica e no irmão mais velho a doutrina cristã. (Para ele, São Paulo é o ordenador da fé, o criador do pecado, o instituidor das proibições, antagônicas ao pensamento e às atitudes livres que sempre assumira.) O relato segue em princípio a Bíblia (Lucas, XV, 11-32), que descreve a chegada do pródigo, sua acolhida pelo pai que lhe prepara uma festa de boas-vindas, e a discordância do irmão mais velho que nunca saiu de casa nem dilapidou a herança paterna; Gide lhe acrescenta dois novos diálogos: com a mãe compreensiva e com o caçula rebelde, concentrando neste último toda a sua filosofia da ruptura com os laços convencionais, sempre exibida em todas as suas obras.
  • Livro Proibido - Encontros - Antologia de Autores Modernos
Nesta Antologia de 1949 foram publicados alguns textos de Andre Gide dos quais reproduzimos alguns excertos.

Encontro-Antologia-de-Autores-Modernos-censura-excerto.jpg

-Le retour de l'enfant prodigue é um conto de André Gide. Gide escreveu a história no início de 1907. Baseia-se na parábola bíblica do filho pródigo. A história começa com o filho pródigo voltando para casa, não arrependido, mas faminto, pobre e frustrado por não ter conseguido atingir seu objetivo.

L’ENFANT PRODIGUE

Lorsqu’après une longue absence, fatigué de sa fantaisie et comme désépris de lui-même, l’enfant prodigue, du fond de ce dénûment qu’il cherchait, songe au visage de son père, à cette chambre point étroite où sa mère au-dessus de son lit se penchait, à ce jardin abreuvé d’eau courante, mais clos et d’où toujours il désirait s’évader, à l’économe   aîné qu’il n’a jamais aimé, mais qui détient encore dans l’attente cette part de ses biens que, prodigue, il n’a pu dilapider – l’enfant s’avoue qu’il n’a pas trouvé le bonheur, ni même su prolonger bien longtemps cette ivresse qu’à défaut de bonheur il cherchait. – Ah ! pense-t-il, si mon père, d’abord irrité contre moi, m’a cru mort,peut-être, malgré mon péché, se réjouirait-il de me revoir ; ah ! revenant à lui bien humblement, le front bas et couvert de cendre, si, m’inclinant devant lui, lui disant : « Mon père, j’ai péché contre le ciel et contre toi », que ferai-je si, de sa main me relevant, il me dit : « Entre dans la maison, mon fils » ?… Et l’enfant déjà pieusement s’achemine.

https://www.ebooksgratuits.com/pdf/gide_le_retour_de_l_enfant_prodigue.pdf


O FILHO PRÓDIGO

Quando após longa ausência, fatigado de sua fantasia e como desprendido de si mesmo, o filho pródigo, do fundo dessa privação que procurava, lembra-se do rosto de seu pai, do quarto bastante amplo onde a mãe sobre o seu leito se inclinava, do jardim regado pela água corrente, mas cercado e de onde sempre desejou fugir, do irmão previdente a quem jamais amou, mas que guarda ainda à sua espera a parte de seus bens que ele, pródigo, não conseguiu dilapidar — o jovem reconhece não ter encontrado a felicidade, nem mesmo conseguido prolongar por muito tempo aquela embriaguez que, à falta de felicidade, procurou. — Ah! pensa con­sigo, se meu pai, que a princípio, irritado contra mim, me dera como morto, pudesse talvez, apesar de meu pecado, alegrar-se de me ver; ah! se acaso voltando humildemente, a fronte baixa e coberta de cinzas, e inclinando-me diante dele, lhe disser: “Meu pai, pequei contra o céu e contra vós” — que farei se, erguendo­ me com a mão, me responder: “Entra em casa, meu filho”? . . . E o filho contrito já se põe a caminho. https://gavetadoivo.wordpress.com/2016/10/12/o-filho-prodigo-afinal/ O FILHO PRÓDIGO

Depois de uma longa ausência, cansado da sua fantasia e como que desapaixonado de si mesmo, o filho pródigo, do fundo daquele desapego que procurava, sonha com a face de seu pai, com aquele quarto nada estreito onde sua mãe se debruçava sobre o leito, com aquele jardim alagado de água corrente, mas fechado e donde sempre desejou evadir-se, com o irmão mais velho, o poupado, de quem nunca gostou, mas que ainda detém  aquela parte dos seus bens que ele, o pródigo, não conseguiu delapidar -o filho confessa a si próprio que não encontrou a felicidade, nem mesmo soube prolongar aquela embriaguez que, à falta de felicidade, ele procurava.-Ah! pensa ele, se meu pai, no princípio irritado comigo, me julgou morto, talvez, apesar do meu pecado, se alegrará de me tornar a ver; ah! voltando para ele, muito humildemente, de cabeça baixa e coberta de cinza, se, inclinando-me perante ele, dizendo-lhe:. < Meu pai, pequei contra o céu e contra ti>, que faria eu se, levantando-me com a sua mão, ele me disser: <Entra em casa, meu filho,?... E o filho já piedosamente se encaminha

LA MÈRE

Prodigue enfant, dont l’esprit, aux propos de ton frère, regimbe encore, laisse à présent ton cœur parler. Qu’il t’est doux, à demi couché aux pieds de ta mère assise, le front caché dans ses genoux, de sentir sa caressante main incliner ta nuque rebelle !
– Pourquoi m’as-tu laissée si longtemps ?
Et comme tu ne réponds que par des larmes :
– Pourquoi pleurer à présent, mon fils ? Tu m’es rendu. Dans l’attente de toi j’ai versé toutes mes larmes.
– M’attendiez-vous encore ?
– Jamais je n’ai cessé de t’espérer. Avant de m’endormir,
chaque soir, je pensais : s’il revient cette nuit, saura-t-il bien ouvrir la porte ? et j’étais longue à m’endormir. Chaque matin, avant de m’éveiller tout à fait, je pensais : Est-ce pas aujourd’hui qu’il revient ? Puis je priais. J’ai tant prié, qu’il te fallait bien revenir.

– Vos prières ont forcé mon retour.
– Ne souris pas de moi, mon enfant.
– Ô mère ! je reviens à vous très humble. Voyez comme je mets mon front plus bas que votre cœur ! Il n’est plus une de mes pensées d’hier qui ne devienne vaine aujourd’hui. À peine si je comprends, près de vous, pourquoi j’étais parti de la maison.
– Tu ne partiras plus ?
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