Difference between revisions of "Filipe, Daniel - Livro Proibido"

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*'''Daniel Filipe (1925 – 1964)'''<br />
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Poeta nascido em Cabo Verde (ilha da  Boavista) e que faz parte da história da Literatura Portuguesa do século XX. '''Daniel''' Damásio Ascensão '''Filipe''' lutou contra a ditadura de Salazar e foi perseguido e torturado pela PIDE.<br />Obras publicadas: '''Missiva (1946), Marinheiro em Terra (1949), O Viageiro Solitário (1951), Recado para a Amiga Distante (1956), A Ilha e a Solidão (1957), O Manuscrito na Garrafa (romance, 1960 - censurado pela PIDE), A Invenção do Amor (1961), Pátria, Lugar de Exílio (1963).'''
  
'''DANIEL FILIPE (1925 1964)'''
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*'''Livro proibido''' - '''"O Manuscrito da Garrafa"'''<br />
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Livro dedicado a Adelino Tavares da Silva, Papiniano Carlos (1918 2012) e Urbano Tavares Rodrigues (1923 – 2013) – jornalistas e escritores filiados no Partido Comunista Português que desenvolviam intensa atividade clandestina contra o regime de António de Oliveira Salazar. Essa dedicatória poderá ter feito soar o alarme e alertado os censores para um eventual “conteúdo subversivo” da obra. Distribuído para leitura a 7 de Outubro, três dias foram suficientes para se produzir o relatório e outros dois dias para o veredicto dos censores: “Proibido”. O lápis azul foi implacável, sem apelo nem agravo.<br />O autor, sobretudo poeta, chamou a esta obra "novela". Na visão dos editores, o '''Manuscrito na Garrafa''' prova que a criação poética não é incompatível com a criação novelística. A censura de Salazar, que proibiu o livro, considerou-o : "Um livro inconveniente sob os aspetos político, social e moral".<br />[[File:Filipe Daniel-Censuraexcerto.jpg|400px]]
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*'''Excerto 1''' - Primeira página do livro
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A noite pesava-lhe nos ombros, aumentando o cansaço da viagem. "Aqui estou, aqui venho - pensou - ao reencontro da infância; e tudo isto me é estranho: estes muros, esta casa, estas janelas cerradas e misteriosas. Imaginei tantas coisas, tão diferentes... Reencontrar a dimensão perdida, a pureza dos gestos, a gratuidade das ações: ser feliz e sabê-lo. Comer três refeições por dia, roubar fruta, impor-me pela força, ouvir histórias de mouras encantadas. Ser simples, à maneira das crianças; ser natural, como os adultos: cavar a vinha, discutir a preço da azeitona, adormecer pesadamente ao fim da ceia. Como um animal saciado e sem angústias".<br />Os velhos esperavam, olhando curiosamente o largo duflle-coat negro, o saco de viagem, a barba em ponta, curta. Atrás deles, luziam os rostozinhos dos ganapos; adivinhava-lhes a surpresa receosa, as mãos papudas e desajeitadas ferrando ○ pano espesso da saia rodada da senhora Antónia.
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*Mais um livro de Daniel Filipe: '''A Invenção do Amor'''<br />
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[[File:Livroinvencaodoamor.jpg|162px]]<br />
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'''"A Invenção do Amor e outros poemas''' é um livro de poemas, publicado em 1961. O livro é considerado um dos mais importantes da poesia cabo-verdiana, e é uma obra-prima da poesia de resistência contra o regime salazarista.<br />A Invenção do Amor e outros poemas foi um sucesso de crítica e público, sendo considerado um dos melhores livros de Daniel Filipe. “O Século” escreveu que A Invenção do Amor e outros poemas é “um livro que ficará na memória de todos os que o lerem”. O jornal “A Capital” chamou o livro de “uma obra-prima da poesia cabo-verdiana”  onde "um casal é perseguido pela polícia e pelos cidadãos da cidade pelo crime de ter inventado o amor..."[https://aleph.pt/livros/a-invencao-do-amor-e-outros-poemas-daniel-filipe/][https://singularidadepoetica.art/2021/06/23/daniel-filipe-a-invencao-do-amor-poema/]
  
'''Daniel''' Damásio Ascensão '''Filipe''' nasceu em Cabo Verde, Ilha da Boavista, em 11 de Dezembro de 1925 e morreu em Lisboa, a 6 de Abril de 1964.
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*'''Poema 1'''<br />
Combatente contra a ditadura de Salazar, perseguido e torturado pela PIDE, é um poeta nascido em Cabo Verde e que faz parte da história da Literatura Portuguesa do século XX.
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Em todas as esquinas da cidade<br />
Obras publicadas: Missiva (1946), Marinheiro em Terra (1949), O Viageiro Solitário (1951), Recado para a Amiga Distante (1956), A Ilha e a Solidão (1957), O Manuscrito na Garrafa (romance, 1960 - censurado pela PIDE), A Invenção do Amor (1961), Pátria, Lugar de Exílio (1963).
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nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas<br />
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janelas dos autocarros<br />
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mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e
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detergentes<br />
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na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém<br />
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no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da<br />
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nossa esperança de fuga<br />
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um cartaz denuncia o nosso amor<br />
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do medo da solidão da angústia<br />
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um cartaz denuncia que um homem e uma mulher<br />
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se encontraram num bar de hotel<br />
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numa tarde de chuva<br />
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entre zunidos de conversa<br />
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e inventaram o amor com carácter de urgência<br />
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deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia<br />
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quotidiana<br />
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Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e<br />
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fome de ternura<br />
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e souberam entender-se sem palavras inúteis<br />
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Apenas o silêncio A descoberta A estranheza<br />
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de um sorriso natural e inesperado<br />
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Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna<br />
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Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente<br />
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embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta<br />
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de um amor subitamente imperativo<br />
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Um homem uma mulher um cartaz de denúncia<br />
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colado em todas as esquinas da cidade<br />
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A rádio já falou A TV anuncia<br />
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iminente a captura A polícia de costumes avisada<br />
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procura os dois amantes nos becos e avenidas<br />
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Onde houver uma flor rubra e essencial<br />
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é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta<br />
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fechada para o mundo<br />
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É preciso encontrá-los antes que seja tarde<br />
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Antes que o exemplo frutifique Antes<br />
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que a invenção do amor se processe em cadeia<br />
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Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos<br />
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*'''Canção 1''' - Mais um poema de Daniel Filipe (musicado por Luís Cília).
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'''Luís Cília''', em 1962 conheceu o poeta '''Daniel Filipe''' que o incentivou a musicar poesia. Datam desse ano as suas primeiras experiências nesse campo ("Meu país", " O menino negro não entrou na roda", entre outras), mais tarde incluídos no seu primeiro disco, gravado em França.[http://www.luiscilia.com/index_ficheiros/Page379.htm]<br />No primeiro disco de Luís Cília ''"Portugal Angola - Chants de Lutte"'', de 1964, a primeira faixa é com um poema do seu grande amigo e poeta, '''Daniel Filipe''', que pode ser ouvido no link seguinte: https://www.youtube.com/watch?v=ne13E7LzEYI
  
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'''1964 - Álbum de Luís Cília - "Meu país"'''<br />
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'''Poema de Daniel Filipe'''<br />
  
'''A Invenção do Amor'''
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Meu país meu país<br />
Em todas as esquinas da cidade
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Do céu límpido calmo<br />
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
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De campos cultivados<br />
janelas dos autocarros
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De praias e montanhas.<br />
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de apa-
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relhos de rádio e detergentes
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É para ti meu canto<br />
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
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A minha esperança.<br />
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
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nossa esperança de fuga
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Ouço a tua voz triste<br />
um cartaz denuncia o nosso amor
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Oh, meu país sem culpa<br />
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Ouço-a nos dias mornos<br />
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E é para ti meu canto<br />
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A minha esperança.<br />
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Meu país onde a traição domina<br />
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E o medo assoma nas encruzilhadas<br />
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Meu país de prisões e covardias<br />
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E de ladrões de estradas.<br />
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Plebeu, sensual, resistente.<br />
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É para ti meu canto<br />
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A minha esperança.<br />
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Para ti meu país<br />
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Levanto a minha voz sobre o silêncio<br />
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Desta noite de angústias<br />
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E de medos.<br />
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Nada pode calar<br />
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O nosso riso aberto<br />
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Ei-lo que invade<br />
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A terra portuguesa<br />
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E vozes juvenis formam o coro.<br />
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Por isso é para ti meu canto<br />
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A minha esperança.<br />
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Já ouço passos,<br />
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Veem na distância<br />
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Desfraldando bandeiras e cantando<br />
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E é para ti oh! meu país liberto<br />
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O seu canto de esperança e claridade.<br />
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[[Category:25 de Abril]][[Category:Poesia Censurada]][[Category:Romances Censurados]][[Category:Autores Portugueses Censurados]]
do medo da solidão da angústia
 
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
 
se encontraram num bar de hotel
 
numa tarde de chuva
 
entre zunidos de conversa
 
e inventaram o amor com carácter de urgência
 
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
 
quotidiana
 
 
 
Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
 
fome de ternura
 
e souberam entender-se sem palavras inúteis
 
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
 
de um sorriso natural e inesperado
 
 
 
Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
 
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
 
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
 
de um amor subitamente imperativo
 
 
 
Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
 
colado em todas as esquinas da cidade
 
A rádio já falou A TV anuncia
 
iminente a captura A polícia de costumes avisada
 
procura os dois amantes nos becos e avenidas
 
Onde houver uma flor rubra e essencial
 
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
 
fechada para o mundo
 
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
 
Antes que o exemplo frutifique Antes
 
que a invenção do amor se processe em cadeia
 
 
 
Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos
 
 
 
(...)
 
 
 
Daniel Filipe, in 'A Invenção do Amor e Outros Poemas'
 
 
 
 
 
 
 
 
 
https://www.youtube.com/watch?v=ne13E7LzEYI
 
 
 
'''1964 - Luís Cília - "Meu país"'''
 
 
 
Esta é a primeira canção do seu primeiro disco "Portugal Angola - Chants de Lutte" de 1964 e reeditada no LP "Meu País" de 1970. Poema do seu grande amigo e poeta, Daniel Filipe.
 
 
 
Meu país meu pais
 
Do céu límpido calmo
 
De campos cultivados
 
De praias e montanhas.
 
 
 
É para ti meu canto
 
A minha esperança.
 
 
 
Ouço a tua voz triste
 
Oh, meu país sem culpa
 
Ouço-a nos dias mornos
 
No amanhecer cinzento.
 
 
 
E é para ti meu canto
 
A minha esperança.
 
 
 
Meu país onde a traição domina
 
E o medo assoma nas encruzilhadas
 
Meu país de prisões e covardias
 
E de ladrões de estradas.
 
 
 
Meu país de operários
 
Cavadores, marinheiros
 
Meu país de mãos grossas
 
Plebeu, sensual, resistente.
 
 
 
É para ti meu canto
 
A minha esperança.
 
 
 
Para ti meu país
 
Levanto a minha voz sobre o silêncio
 
Desta noite de angústias
 
E de medos.
 
 
 
Nada pode calar
 
O nosso riso aberto
 
Ei-lo que invade
 
A terra portuguesa
 
E vozes juvenis formam o coro.
 
 
 
Por isso é para ti meu canto
 
A minha esperança.
 
 
 
Já ouço passos,
 
Veem na distância
 
Desfraldando bandeiras e cantando
 
E é para ti oh! meu país liberto
 
O seu canto de esperança e claridade.
 
 
 
Para saber mais sobre Luís Cília aceda a www.luiscilia.com.
 

Latest revision as of 14:42, 14 May 2024

DanielFilipefoto.jpgFilipe Daniel-Capa.jpg Filipe Daniel-Censura.jpg

  • Daniel Filipe (1925 – 1964)
Poeta nascido em Cabo Verde (ilha da  Boavista) e que faz parte da história da Literatura Portuguesa do século XX. Daniel Damásio Ascensão Filipe lutou contra a ditadura de Salazar e foi perseguido e torturado pela PIDE.
Obras publicadas: Missiva (1946), Marinheiro em Terra (1949), O Viageiro Solitário (1951), Recado para a Amiga Distante (1956), A Ilha e a Solidão (1957), O Manuscrito na Garrafa (romance, 1960 - censurado pela PIDE), A Invenção do Amor (1961), Pátria, Lugar de Exílio (1963).
  • Livro proibido - "O Manuscrito da Garrafa"
Livro dedicado a Adelino Tavares da Silva, Papiniano Carlos (1918 – 2012) e Urbano Tavares Rodrigues (1923 – 2013) – jornalistas e escritores filiados no Partido Comunista Português que desenvolviam intensa atividade clandestina contra o regime de António de Oliveira Salazar. Essa dedicatória poderá ter feito soar o alarme e alertado os censores para um eventual “conteúdo subversivo” da obra. Distribuído para leitura a 7 de Outubro, três dias foram suficientes para se produzir o relatório e outros dois dias para o veredicto dos censores: “Proibido”. O lápis azul foi implacável, sem apelo nem agravo.
O autor, sobretudo poeta, chamou a esta obra "novela". Na visão dos editores, o Manuscrito na Garrafa prova que a criação poética não é incompatível com a criação novelística. A censura de Salazar, que proibiu o livro, considerou-o : "Um livro inconveniente sob os aspetos político, social e moral".
Filipe Daniel-Censuraexcerto.jpg


  • Excerto 1 - Primeira página do livro
A noite pesava-lhe nos ombros, aumentando o cansaço da viagem. "Aqui estou, aqui venho - pensou - ao reencontro da infância; e tudo isto me é estranho: estes muros, esta casa, estas janelas cerradas e misteriosas. Imaginei tantas coisas, tão diferentes... Reencontrar a dimensão perdida, a pureza dos gestos, a gratuidade das ações: ser feliz e sabê-lo. Comer três refeições por dia, roubar fruta, impor-me pela força, ouvir histórias de mouras encantadas. Ser simples, à maneira das crianças; ser natural, como os adultos: cavar a vinha, discutir a preço da azeitona, adormecer pesadamente ao fim da ceia. Como um animal saciado e sem angústias".
Os velhos esperavam, olhando curiosamente o largo duflle-coat negro, o saco de viagem, a barba em ponta, curta. Atrás deles, luziam os rostozinhos dos ganapos; adivinhava-lhes a surpresa receosa, as mãos papudas e desajeitadas ferrando ○ pano espesso da saia rodada da senhora Antónia.


  • Mais um livro de Daniel Filipe: A Invenção do Amor

Livroinvencaodoamor.jpg

"A Invenção do Amor e outros poemas é um livro de poemas, publicado em 1961. O livro é considerado um dos mais importantes da poesia cabo-verdiana, e é uma obra-prima da poesia de resistência contra o regime salazarista.
A Invenção do Amor e outros poemas foi um sucesso de crítica e público, sendo considerado um dos melhores livros de Daniel Filipe. “O Século” escreveu que A Invenção do Amor e outros poemas é “um livro que ficará na memória de todos os que o lerem”. O jornal “A Capital” chamou o livro de “uma obra-prima da poesia cabo-verdiana” onde "um casal é perseguido pela polícia e pelos cidadãos da cidade pelo crime de ter inventado o amor..."[1][2]
  • Poema 1

Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A polícia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia

Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos


  • Canção 1 - Mais um poema de Daniel Filipe (musicado por Luís Cília).
Luís Cília, em 1962 conheceu o poeta Daniel Filipe que o incentivou a musicar poesia. Datam desse ano as suas primeiras experiências nesse campo ("Meu país", " O menino negro não entrou na roda", entre outras), mais tarde incluídos no seu primeiro disco, gravado em França.[3]
No primeiro disco de Luís Cília "Portugal Angola - Chants de Lutte", de 1964, a primeira faixa é com um poema do seu grande amigo e poeta, Daniel Filipe, que pode ser ouvido no link seguinte: https://www.youtube.com/watch?v=ne13E7LzEYI

1964 - Álbum de Luís Cília - "Meu país"
Poema de Daniel Filipe

Meu país meu país
Do céu límpido calmo
De campos cultivados
De praias e montanhas.

É para ti meu canto
A minha esperança.

Ouço a tua voz triste
Oh, meu país sem culpa
Ouço-a nos dias mornos
No amanhecer cinzento.

E é para ti meu canto
A minha esperança.

Meu país onde a traição domina
E o medo assoma nas encruzilhadas
Meu país de prisões e covardias
E de ladrões de estradas.

Meu país de operários
Cavadores, marinheiros
Meu país de mãos grossas
Plebeu, sensual, resistente.

É para ti meu canto
A minha esperança.

Para ti meu país
Levanto a minha voz sobre o silêncio
Desta noite de angústias
E de medos.

Nada pode calar
O nosso riso aberto
Ei-lo que invade
A terra portuguesa
E vozes juvenis formam o coro.

Por isso é para ti meu canto
A minha esperança.

Já ouço passos,
Veem na distância
Desfraldando bandeiras e cantando
E é para ti oh! meu país liberto
O seu canto de esperança e claridade.

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