Difference between revisions of "Figueiredo, Carmen - Livros Proibidos"

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*'''Carmen de Figueiredo'''(1914- 2006)<br />
 
*'''Carmen de Figueiredo'''(1914- 2006)<br />
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Carmelinda Miolet de Figueiredo, mais conhecida pelo nome literário de Carmen de Figueiredo  foi uma profícua escritora e jornalista portuguesa, mas também uma das autoras mais censuradas pelo regime ditatorial do Estado Novo, sendo igualmente abafada pela crítica literária da altura[1].
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Carmelinda Miolet de Figueiredo, mais conhecida pelo nome literário de '''Carmen de Figueiredo''' foi uma profícua escritora e jornalista portuguesa, mas também uma das autoras mais censuradas pelo regime ditatorial do Estado Novo, sendo igualmente abafada pela crítica literária da altura.<br />Carmen de Figueiredo escreveu ao todo 15 romances, 3 livros de contos e 1 novela, e publicou mais de mais de 12 mil contos na imprensa portuguesa, tais como o Diário de Notícias, com o qual colaborou durante 27 anos, o Diário Ilustrado, A Capital, e o Correio do Minho. Fundou a Mosaicos-Revista, em 1982, publicação onde foi ainda diretora e editora e onde publicou artigos com o seu nome literário, mas também sob pseudónimos.
Carmen de Figueiredo escreveu ao todo 15 romances, 3 livros de contos e 1 novela, e publicou mais de mais de 12 mil contos na imprensa portuguesa, tais como o Diário de Notícias, com o qual colaborou durante 27 anos, o Diário Ilustrado, A Capital, e o Correio do Minho. Fundou a Mosaicos-Revista, em 1982, publicação onde foi ainda diretora e editora e onde publicou artigos com o seu nome literário, mas também sob pseudónimos.
 
  
"O romance '''Famintos''' foi acusado, pelo Presidente da Comissão de Censura do Porto, de conter “acidentes trágicos, revelando caracteres mórbidos, aberrações sexuais e outras taras. Com pretensão a obra realista, relata casos amorais e até amores incestuosos, com descrição de imoralidades doentias”. in publico.pt<br />
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"O romance '''Famintos''' foi acusado, pelo Presidente da Comissão de Censura do Porto, de conter “acidentes trágicos, revelando caracteres mórbidos, aberrações sexuais e outras taras. Com pretensão a obra realista, relata casos amorais e até amores incestuosos, com descrição de imoralidades doentias”. in publico.pt<br />A PIDE censurou a obra “Famintos”, de Carmen de Figueiredo, considerando que esta se “refere a uma vida familiar romanceada, com descrição de acidentes trágicos, revelando caracteres mórbidos, aberrações sexuais e outras taras”.
A PIDE censurou a obra “Famintos”, de Carmen de Figueiredo, considerando que esta se “refere a uma vida familiar romanceada, com descrição de acidentes trágicos, revelando caracteres mórbidos, aberrações sexuais e outras taras”.
 
  
 
Carmen de Figueiredo foi uma das escritoras silenciadas pela ditadura salazarista, que se opunha aos direitos da mulher e à sua emancipação social e sexual. A autora teve uma produção literária vertiginosa num curto espaço de tempo.
 
Carmen de Figueiredo foi uma das escritoras silenciadas pela ditadura salazarista, que se opunha aos direitos da mulher e à sua emancipação social e sexual. A autora teve uma produção literária vertiginosa num curto espaço de tempo.
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Censura de Famintos
 
Censura de Famintos
  
A proibição de Famintos surgiu dias após a proibição de Vinte Anos de Manicómio!2, apesar de as obras terem sido publicadas em sentido inverso. O relatório que a esta obra concerne (Censura, cx. 733, dos arquivos do SNI da Torre do Tombo3) dita o seguinte:
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A proibição de '''Famintos''' surgiu dias após a proibição de '''Vinte Anos de Manicómio!''', apesar de as obras terem sido publicadas em sentido inverso. O relatório que a esta obra concerne (Censura, cx. 733, dos arquivos do SNI da Torre do Tombo3) dita o seguinte:<br />Exmo. Sr. Director dos Serviços de Censura<br />Lisboa<br />Nº17/L.<br />Porto, 12 de Fevereiro de 1952<br />Em cumprimento de ordem telefónica, fiz a leitura do livro “FAMINTOS”, da autoria de Carmen de Figueiredo, que junto tenho a honra de remeter a V. Exª. com o seguinte parecer:<br />Trata-se de uma obra que se refere a uma vida familiar romanceada, com descrição de acidentes trágicos, revelando caracteres mórbidos, aberrações sexuais e outras taras.<br />Com pretensão a obra realista, relata casos amorais e até amores incestuosos, com descrição de imoralidades doentias, como poderá verificar-se pela leitura das passagens constantes das páginas: 454-475-486-717 a 7389-8310-8411-9212-9913-10014-10715-10916/11017-11818-13919-14620-16221-17822-18023-18724-20225-215-21626-21727-22128.<br />
 
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Pelo exposto proponho a proibição dêste livro.<br />Informo V. Exª. Que ordenei à livraria “PORTO-EDITORA”, sita na Praça D. Filipa de Lencastre nº42, desta cidade, detentora da propriedade literária da referida obra, para que providenciase sôbre a sua retirada da venda ao público, até ulterior resolução de V. Exª.<br />Aproveito o ensejo para apresentar a V.Exª. Cumprimentos muito respeitosos.<br />A Bem da Nação<br />O Presidente<br />Esta proposta do censor da PIDE foi confirmada por despacho no dia 13 de Fevereiro de 1952.<br />
Exmo. Sr. Director dos Serviços de Censura
 
 
 
Lisboa
 
 
 
Nº17/L.
 
 
 
Porto, 12 de Fevereiro de 1952
 
 
 
Em cumprimento de ordem telefónica, fiz a leitura do livro “FAMINTOS”, da autoria de Carmen de Figueiredo, que junto tenho a honra de remeter a V. Exª. com o seguinte parecer:
 
 
 
Trata-se de uma obra que se refere a uma vida familiar romanceada, com descrição de acidentes trágicos, revelando caracteres mórbidos, aberrações sexuais e outras taras.
 
 
 
Com pretensão a obra realista, relata casos amorais e até amores incestuosos, com descrição de imoralidades doentias, como poderá verificar-se pela leitura das passagens constantes das páginas: 454-475-486-717 a 7389-8310-8411-9212-9913-10014-10715-10916/11017-11818-13919-14620-16221-17822-18023-18724-20225-215-21626-21727-22128.
 
 
 
Pelo exposto proponho a proibição dêste livro.
 
 
 
Informo V. Exª. Que ordenei à livraria “PORTO-EDITORA”, sita na Praça D. Filipa de Lencastre nº42, desta cidade, detentora da propriedade literária da referida obra, para que providenciase sôbre a sua retirada da venda ao público, até ulterior resolução de V. Exª.
 
 
 
Aproveito o ensejo para apresentar a V.Exª. Cumprimentos muito respeitosos.
 
 
 
A Bem da Nação
 
 
 
O Presidente
 
 
 
Esta proposta do censor da PIDE foi confirmada por despacho no dia 13 de Fevereiro de 1952.
 
  
 
Sob o ponto de vista da polícia política, o romance de Figueiredo incluía “caracteres mórbidos, aberrações sexuais e outras taras”. Num contexto em que o sexo era um tabu, as descrições apresentadas em notas de rodapé bastavam para que a circulação do livro fosse impedida. Para mais, tinham contornos que agravariam o escândalo da PIDE: a homossexualidade e o incesto. Por estes motivos, o livro não poderia passar incólume pelos serviços censórios, embora seja de notar que circulou até que a autora tenha chamado a atenção com Vinte Anos de Manicómio!.
 
Sob o ponto de vista da polícia política, o romance de Figueiredo incluía “caracteres mórbidos, aberrações sexuais e outras taras”. Num contexto em que o sexo era um tabu, as descrições apresentadas em notas de rodapé bastavam para que a circulação do livro fosse impedida. Para mais, tinham contornos que agravariam o escândalo da PIDE: a homossexualidade e o incesto. Por estes motivos, o livro não poderia passar incólume pelos serviços censórios, embora seja de notar que circulou até que a autora tenha chamado a atenção com Vinte Anos de Manicómio!.

Revision as of 16:50, 7 March 2024

CarmenDeFigueiredo.png CarmenFigueiredolivro.png Famintos.png

  • Carmen de Figueiredo(1914- 2006)
Carmelinda Miolet de Figueiredo, mais conhecida pelo nome literário de Carmen de Figueiredo  foi uma profícua escritora e jornalista portuguesa, mas também uma das autoras mais censuradas pelo regime ditatorial do Estado Novo, sendo igualmente abafada pela crítica literária da altura.
Carmen de Figueiredo escreveu ao todo 15 romances, 3 livros de contos e 1 novela, e publicou mais de mais de 12 mil contos na imprensa portuguesa, tais como o Diário de Notícias, com o qual colaborou durante 27 anos, o Diário Ilustrado, A Capital, e o Correio do Minho. Fundou a Mosaicos-Revista, em 1982, publicação onde foi ainda diretora e editora e onde publicou artigos com o seu nome literário, mas também sob pseudónimos.
"O romance Famintos foi acusado, pelo Presidente da Comissão de Censura do Porto, de conter “acidentes trágicos, revelando caracteres mórbidos, aberrações sexuais e outras taras. Com pretensão a obra realista, relata casos amorais e até amores incestuosos, com descrição de imoralidades doentias”. in publico.pt
A PIDE censurou a obra “Famintos”, de Carmen de Figueiredo, considerando que esta se “refere a uma vida familiar romanceada, com descrição de acidentes trágicos, revelando caracteres mórbidos, aberrações sexuais e outras taras”.

Carmen de Figueiredo foi uma das escritoras silenciadas pela ditadura salazarista, que se opunha aos direitos da mulher e à sua emancipação social e sexual. A autora teve uma produção literária vertiginosa num curto espaço de tempo.

Censura de Famintos

A proibição de Famintos surgiu dias após a proibição de Vinte Anos de Manicómio!, apesar de as obras terem sido publicadas em sentido inverso. O relatório que a esta obra concerne (Censura, cx. 733, dos arquivos do SNI da Torre do Tombo3) dita o seguinte:
Exmo. Sr. Director dos Serviços de Censura
Lisboa
Nº17/L.
Porto, 12 de Fevereiro de 1952
Em cumprimento de ordem telefónica, fiz a leitura do livro “FAMINTOS”, da autoria de Carmen de Figueiredo, que junto tenho a honra de remeter a V. Exª. com o seguinte parecer:
Trata-se de uma obra que se refere a uma vida familiar romanceada, com descrição de acidentes trágicos, revelando caracteres mórbidos, aberrações sexuais e outras taras.
Com pretensão a obra realista, relata casos amorais e até amores incestuosos, com descrição de imoralidades doentias, como poderá verificar-se pela leitura das passagens constantes das páginas: 454-475-486-717 a 7389-8310-8411-9212-9913-10014-10715-10916/11017-11818-13919-14620-16221-17822-18023-18724-20225-215-21626-21727-22128.
Pelo exposto proponho a proibição dêste livro.
Informo V. Exª. Que ordenei à livraria “PORTO-EDITORA”, sita na Praça D. Filipa de Lencastre nº42, desta cidade, detentora da propriedade literária da referida obra, para que providenciase sôbre a sua retirada da venda ao público, até ulterior resolução de V. Exª.
Aproveito o ensejo para apresentar a V.Exª. Cumprimentos muito respeitosos.
A Bem da Nação
O Presidente
Esta proposta do censor da PIDE foi confirmada por despacho no dia 13 de Fevereiro de 1952.

Sob o ponto de vista da polícia política, o romance de Figueiredo incluía “caracteres mórbidos, aberrações sexuais e outras taras”. Num contexto em que o sexo era um tabu, as descrições apresentadas em notas de rodapé bastavam para que a circulação do livro fosse impedida. Para mais, tinham contornos que agravariam o escândalo da PIDE: a homossexualidade e o incesto. Por estes motivos, o livro não poderia passar incólume pelos serviços censórios, embora seja de notar que circulou até que a autora tenha chamado a atenção com Vinte Anos de Manicómio!.

Para saber mais sobre as obras das autoras portuguesas censuradas pela PIDE, clique aqui.


O seu romance Famintos foi acusado, pelo Presidente da Comissão de Censura do Porto, de conter “acidentes trágicos, revelando caracteres mórbidos, aberrações sexuais e outras taras. Com pretensão a obra realista, relata casos amorais e até amores incestuosos, com descrição de imoralidades doentias”. Famintos, Carmen de Figueiredo

  • Excerto 1
Só os passos de Luís iam acordando o silêncio-amolecido dos caminhos solitários.  Os ignorados modeladores da gleba, esses dormiam já seu sono pesado e bruto.  Engulidos os magros caldos, raro era o que procurava a rua. Só os ralaços, empedernidos em aguardente, cosidos os rostos, donde escorre a cor roxa que não engana, pelas bebedeiras consecutivas, que transformam o homem em farrapo alucinado, apodrecido o sangue e nervos descontrolados – elementos principais da degenerescência da loucura e do crime, pobres e miseráveis elementos, carregados para mais de perigosas taras ancestrais, que infelizmente continuam a enodoar as sociedades, - só esses, rodilhões espúrios que negam a família, atascadas as almas vis em álcool peçonhento, após a ceia saíam, encafuando-se nas tabernas, donde mais tarde, pela hora-morta rolavam aos tropeções, vomitando injúrias desconexas. Ali na vila, eram poucos; quase se apontavam a dedo, merecendo o justo desdém dos vizinhos, magoados com o triste espectáculo da sua devassidão.
Bem disposto, liberto do pesado fardo de inquietação que alombara à ida para a Bela-Vista, António meteu agora à estrada nova, pouco se importando com o quilómetro que teria de palmilhar a mais. E, só quando chegou à linha férrea, lhe veio à ideia o recado que sua mãe tanto lhe recomendara para dar ao Linhares, homensinho de mil ofícios, que em toda a vila e arredores era considerado e estimado, pelos muitos favores que prestava. Transações de dinheiro, vendas de prédios, cura de maleitas ruins, enfim, de tudo se encarregava o Linhares, que de tudo aprendera em bem puxados dez anos, perdido entre uma tribú diabólica de índios ferozes, lá no sul do Brasil para onde o levara um tio vagabundo, ao que ele alanzoava, vaidosamente empertigado, mas sem palpável certificado de verdade.
- Já não é hoje! E daí, talvez minha mãe pretendesse apenas distrair-me, mandando-me ao Linhares…. Pobre mãe… Bem duro é o caminho agreste e crú do seu penoso calvário… Rodrigo bem podia amenizar-lhe o viver, mas quê? – onde estava o juízo do irmão? Sempre com tonterias, atrás de saias, manchando com impuras dedadas de amor-livre a sua negra batina. Não compreendia aquilo! Cristina não era da mesma opinião, mas aquela irmã, tinha também idéias bem extravagantes…
Enfronhado neste emaranhado e confuso solilóquio, ia andando, cabeça baixa, sem pressas. À medida que avançava, os membros tornavam-se-lhe pesados; dir-se-ia que uma quebreira súbita os tomava. A mãe, o irmão, a irmã… Era isso; todos os seres que amava estavam marcados pelo Destino, tatuados a fogo invisível e sinistro…
Agora, já não imperava o silêncio de há pouco, que para os lados dos Bujos se estendia. À Cruz-Branca, caminho que trilhava, vagaroso, chegavam em onda apagada, ecos difusos, sonoridades dispersas de vozes vibrantes que a Hora adiantada avolumava, ferindo-lhe os ouvidos, fustigando-lhe os nervos.
Os últimos trabalhadores das fábricas, que tinham seu turno de serão, os derradeiros empregados dos correios, que regressavam ao lar, perdidos na babel esverdinhada das bastas silveiras do Corvo, Meãs, Pereira, e outros lugarejos, onde as rendas das míseras e desconfortáveis habitações eram mais acessíveis a seus ganhos pelintras, palmilhavam as congostas, falando alto dos seus dramas de famintos incompreendidos, dizendo à noite a revolta que lhes desiquilibrava os nervos tensos pela labuta árdua e constante, trabalhados de desespero, quando chegados aos tugúrios os filhos lhes pediam o pão que não podiam dar-lhes. E essas vidas ignoradas de famintos, assim se arrastavam sob a noite duma vida inteira de trabalhos, dúvidas e exaustações.
Só os bem empregados se fixavam nesse coração azougado de pequeno burgo, atafulhado de gente ávida, tracejadas a almas pelos fios dourados de secretas e altíssimas miragens. Lá, era o ventre onde se geravam anceios grandiosos e mesquinhas intrigas, numa amálgama fantástica de ódios, perseguições e vinganças aos que subiam na escala dos valores sociais; na frente subservientes e mesureiros, bajulavam a torto e a direito, para apunhalar tôrpemente pelas costas. Nesse ventre miserável, pálida miniatura dos grandes citadinos, não faltava a alfurja como máscara de trágicas mandíbulas, camuflada numa farmácia modesta, de fachada corroída pela lepra do tempo, e em cujos escaninhos escorria e alastrava o líquido corrosivo dos mais perigosos venenos. Toda a gentinha o sabia, e todos dela se aproximavam, no ante-goso sádico da complexa volúpia do fruto-proibido.
  • Excerto 2
Porque tudo aquilo era inédito, já mais do que uma boca ressabiante de bílis se tinha aberto, censurando tamanha prodigalidade e excentricidades tão loucas. – Ele são passadeiras a perder de vista, ele é ceia lauta para todos os ganhões que apareçam, ele são descantes e bailaricos… - Hum! Aquilo cheira-me a democracia! – sentenciava, entre duas palitadelas de dentes, o porco-sujo do boticário, um tratante de alto lá com ele, que até falsificava os remédios, não se importando que o doente estoirasse o canastro, fizesse falta ou não. Atestasse ele a burrinha, o resto eram lérias. No fim de contas, um assassino à solta, nas costas de quem se batia amigavelmente, não fosse o maroto, por raiva de desesperado, fazer esticar o pernil, de repente, a um qualquer destravado menos cortês. O povoléu odiava-o, mas tragava-o, remordendo para si que se aquele se fosse, podia vir outro pior.
O que é certo, porém, é que só as almas torvas e mesquinhas censuravam tão festivo aparato, que por seus traçados de beleza fugia ao vulgar lambarão, distanciando-se com galhardia de velhas e empoeiradas tradições. O “venha a mim”, “como eu não comes tu” eram estribilhos que faziam rir António Luís. A própria sogra, sempre agarrada, sovina como poucas, e a quem, misteriosamente, fora posta a alcunha de Fome Negra (alcunha só repetida à boca pequena…).
(…)
Precisamente na véspera, chegaram cartas de África. Rodrigo, que durante os primeiros meses se mantivera num obstinado e doloroso silêncio, amarfanhando com tão insólito procedimento a alma angustiada de sua mãe, vinha agora de escrever amiudadas vezes. Nas suas longas cartas de proscrito, estava seu viver na selva, entre os negros, quase animais bravios, que, apesar de tudo quanto se tem dito continuam a vegetar num nível de inferioridade espantosa. O seu estado psíquico é bestialidade e atraso; completa ausência de educação pelo gosto e pela cor. Rodrigo descrevera mesmo a chegada e distribuição de pesados carregamentos, contendo fardos de panos garridos, amachucantes pela violência das ramagens. Para os negros continuava, portanto, a fazer-se na metrópole panos especiais. As grandes fábricas tinham destinados às Áfricas, dum incaracterístico desenho, padrões e cores que faziam doer a vista ao europeu sensível, mas que deslumbrava o pobre ser, que por um pedaço desse pano berrante daria um ano de exaustivo trabalho.


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