Conrad, Joseph - Livros Proibidos

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Joseph Conrad

O romancista polaco-britânico Joseph Conrad teceu uma narrativa sobre espionagem e movimentos revolucionários ainda na Rússia czarista. Contudo, o censor salazarista considerou que se tratava de “um livro de propaganda revolucionária (...) que deve ser proibido porque este e muitos outros livros que pejam o nosso mercado têm o fim inconvenientíssimo de alimentarem a mística russa”. A editora da tradução portuguesa, a Civilização, protestou.
A capa do livro levou mais um golpe por cima de “proibido” e um novo carimbo, “autorizado”, em 1948.
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Alma Russa

  • Excerto 1


O senhor de P… ia para a estação de caminho de ferro num trenó aberto puxado a uma parelha, com cocheiro trintanário na boleia. Nevara durante toda a noite de maneira a tornar o caminho, ainda não desobstruído a hora tão matutina, muito difícil para os cavalos. Nevava ainda densamente. Mas o trenó deve ter sido objecto de observação, e identificado. Quando se encostava ao lado esquerdo, antes de dobrar uma volta do caminho, o trintanário notou um camponês que seguia vagarosamente pela beira do passeio, com as mãos nas algibeiras do casacão de pele de carneiro, e os ombros em corcova até às orelhas sob a neve que caía. Ao ser alcançado, este camponês voltou-se de súbito, e brandiu o braço. Num instante deu-se uma concussão terrível, uma detonação abafada na imensa abundância de flocos de neve; os dois cavalos da parelha estavam estendidos no chão mortos e e dilacerados e o cocheiro, soltando um grito estridente, caíra da boleia mortalmente ferido. O trintanário (que sobreviveu) não teve tempo para ver a cara do homem do casacão de pele de carneiro. Depois de arremessar a bomva, este último afastou-se, mas supõe-se, que, ao ver a grande quantidade de pessoas que surgiam do nevão por todos os lados em sua volta, e todas a correrem para o local onde se dera a explosão, lhe pareceu mais seguro voltar para trás com elas. Num espaço de tempo inacreditavelmente curto ajuntou-se em torno do trenó uma multidão exaltada. O Ministro-Presidente, saindo incólume da neve alta, ergueu-se de pé junto do cocheiro, que gemia, e dirigiu-se repetidas vezes ao povo com a sua voz fraca e neutra: - “Peço-lhes o favor de se afastarem, Pelo amor de Deus, peço-lhes, boa gente, que se afastem.”
Foi nesse momento que um homem novo, o qual até ali estivera perfeitamente imóvel entre os umbrais de um portão de cocheira, avançou para a rua e, caminhando a passos rápidos, atirou com outra bomba por cima das cabeças da multidão. Esta atingiu o Ministro-Presidente quando ele se curvava sobre o seu criado nas vascas da morte, depois, caindo-lhes aos pés explodiu com terrífica e intensa violência, derrubando-o, morto, para o chão, acabando com a vida do ferido e reduzindo a nada o trenó vazio, num abrir e fechar de olhos. Com um berro de horror, a multidão dispersou e pôs-se em fuga em todas as direcções, excepto no que diz respeito aos que caíram mortos ou moribundos nos lugares em que estavam mais próximos do Ministro-Presidente e alguns outros que só caíram depois de terem transposto uma pequena distância.
(…) Através da neve as pessoas olhavam à distância para o pequeno montão de corpos sem vida estendidos uns sobre os outros junto das carcaças dos dois cavalos. Ninguém se atrevia a aproximar-se, até que alguns cossacos, em serviço de patrulha nas ruas, galoparam para lá e, depois de se apearem, começaram a voltar os cadáveres. Entre as vítimas inocentes da segunda explosão, estendidas no empedrado da rua, havia um corpo vestido num casacão de pele de carneiro, de homem do campo. Mas tinha o rosto irreconhecível; nada absolutamente se lhe encontrou nos bolsos do mísero vestuário e foi êle o único cuja identidade nunca chegou a ser verificada.
  • Excerto 2
“Sim, Razumov. Sim, meu amigo. Tu um dia hás-de ajudar a construir. Supões-me um terrorista, vamos… - um demolidor do que existe. Mas pensa bem que os verdadeiros demolidores são os que destroem o espírito do progresso e da verdade; não os vingadores que simplesmente tiram a vida aos corpos dos que violentam a dignidade humana. Homens como eu são necessários para darem lugar a homens reservados, a pensadores como tu. Ora muito bem, nós fazemos o sacrifício das nossas vidas, mas, de toda a maneira, quero-me por a salvo, se tal fôr possível. Não é a minha vida que eu quero salvar, mas sim o meu poder de agir. Não quero viver ocioso, Oh, não! Não faças qualquer confusão, Razumov. Homens como eu são raros. E, além disso, um exemplo como este é mais terrível para os opressores quando o autor se some sem deixar vestígios. Ficam sentados nos seus gabinetes e nos seus palácios, e tremem. Tudo o que eu quero que tu me faças é que me ajudes a desaparecer. Não é preciso muito para isso… Basta que vás logo procurar o Ziemianitch, em meu lugar, no sítio onde eu fui hoje de manhã. Diz-lhe só isto: - “Aquela pessoa que o senhor sabe precisa de um trenó bem atrelado para uma corrida, meiam hora depois da meia noite, junto ao sétimo candeeiro do lado esquerdo, a contar de cima, na Karabelnaya. Se ninguém ali aparecer o trenó deve dar a volta ao mesmo lugar passados dez minutos.”
  • Excerto 3
(…) O velho lamentava as imposições dos tempos… - quando as pessoas não estavam, de qualquer forma, de acordo” e limpou as lágrimas. Não desejava passar o anoitecer da sua vida com a cabeça rapada à navalha numa cela de penitente em qualquer mosteiro… - e ficar sujeito a todos os rigores da disciplina eclesiástica; “porque eles não haviam de mostrar qualquer comiseração por um velho”, dizia, num gemido. Ia quási tendo um ataque e as duas senhoras, cheias de dó, acalmaram-no o melhor que puderam antes de o deixarem voltar para a sua casita de aldeia. Mas, na realidade, as visitas eram poucas. Os vizinhos – alguns deles velhos amigos – principiaram a afastar-se; alguns, poucos, por timidez, outros com desdém manifesto visto que eram pessoas importantes que ali vinham apenas passar o verão, – explicou-me Natália -, aristocratas, reacionários.
  • Excerto 4
“Sim.” Curvou a cabeça num gesto de assentimento e, teve um instante de hesitação. “Devo confessar-lhe que jamais desistirei de estender o meu olhar para o dia em que toda a discórdia será reduzida ao silêncio. Experimente pôr na imaginação a sua aurora! Acabada a tempestade de golpes e de maldições; tudo será calmo; o novo sol desponta e sobe, e os homens fatigados, unidos por um fim, fazendo as contas, na sua consciência, à disputa terminada, sentir-se-ão entristecidos pela sua vitória, porque foram tantas as ideias que pereceram pelo triunfo de uma só, quantas as crenças que os abandonaram sem remédio. Sentem-se sós sobre a terra e juntam-se todos. Sim, tem que haver muitas horas amargas! Mas, por fim, a angústia nos corações será extinta pelo amor.”



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