Difference between revisions of "Cesariny, Mário - Livro Proibido"
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'''OUTROS POEMAS DE MÁRIO CESARINI''' | '''OUTROS POEMAS DE MÁRIO CESARINI''' | ||
*'''''Em Todas as Ruas te Encontro''''' | *'''''Em Todas as Ruas te Encontro''''' | ||
− | Em todas as ruas te encontro | + | <br /> |
− | em todas as ruas te perco | + | Em todas as ruas te encontro<br /> |
− | conheço tão bem o teu corpo | + | em todas as ruas te perco<br /> |
− | sonhei tanto a tua figura | + | conheço tão bem o teu corpo<br /> |
− | que é de olhos fechados que eu ando | + | sonhei tanto a tua figura<br /> |
− | a limitar a tua altura | + | que é de olhos fechados que eu ando<br /> |
− | e bebo a água e sorvo o ar | + | a limitar a tua altura<br /> |
− | que te atravessou a cintura | + | e bebo a água e sorvo o ar<br /> |
− | Tanto tão perto tão real | + | que te atravessou a cintura<br /> |
− | que o meu corpo se transfigura | + | Tanto tão perto tão real<br /> |
− | e toca o seu próprio elemento | + | que o meu corpo se transfigura<br /> |
− | num corpo que já não é seu | + | e toca o seu próprio elemento<br /> |
− | num rio que desapareceu | + | num corpo que já não é seu<br /> |
− | onde um braço teu me procura | + | num rio que desapareceu<br /> |
− | Em todas as ruas te encontro | + | onde um braço teu me procura<br /> |
− | em todas as ruas te perco | + | Em todas as ruas te encontro<br /> |
− | + | em todas as ruas te perco<br /> | |
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'''Mário Cesariny''' em '''Pena Capital''' | '''Mário Cesariny''' em '''Pena Capital''' | ||
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*'''''Pastelaria''''' | *'''''Pastelaria''''' | ||
− | + | <br /> | |
− | Afinal o que importa não é a literatura | + | Afinal o que importa não é a literatura<br /> |
− | nem a crítica de arte nem a câmara escura | + | nem a crítica de arte nem a câmara escura<br /> |
− | + | <br /> | |
− | + | Afinal o que importa não é bem o negócio<br /> | |
− | Afinal o que importa não é bem o negócio | + | nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio<br /> |
− | nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio | + | <br /> |
− | + | Afinal o que importa não é ser novo e galante<br /> | |
− | + | - ele há tanta maneira de compor uma estante!<br /> | |
− | Afinal o que importa não é ser novo e galante | + | <br /> |
− | - ele há tanta maneira de compor uma estante! | + | Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício<br /> |
− | + | e cair verticalmente no vício<br /> | |
− | + | <br /> | |
− | Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício | + | Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola<br /> |
− | e cair verticalmente no vício | + | antes de haver cinema madame blanche e parola<br /> |
− | + | <br /> | |
− | + | Que afinal o que importa não é haver gente com fome<br /> | |
− | Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola | + | porque assim como assim ainda há muita gente que come<br /> |
− | antes de haver cinema madame blanche e parola | + | <br /> |
− | + | Que afinal o que importa é não ter medo<br /> | |
− | + | de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:<br /> | |
− | Que afinal o que importa não é haver gente com fome | + | Gerente! Este leite está azedo!<br /> |
− | porque assim como assim ainda há muita gente que come | + | <br /> |
− | + | Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo<br /> | |
− | + | à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo<br /> | |
− | Que afinal o que importa é não ter medo | + | <br /> |
− | de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente: | + | No riso admirável de quem sabe e gosta<br /> |
− | Gerente! Este leite está azedo! | + | ter lavados e muitos dentes brancos à mostra<br /> |
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− | Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo | ||
− | à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo | ||
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− | No riso admirável de quem sabe e gosta | ||
− | ter lavados e muitos dentes brancos à mostra | ||
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'''Mário Cesariny''' em '''Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano''' | '''Mário Cesariny''' em '''Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano''' | ||
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*'''''Um Grande Utensílio de Amor''''' | *'''''Um Grande Utensílio de Amor''''' | ||
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− | um grande utensílio de amor | + | um grande utensílio de amor<br /> |
− | meia laranja de alegria | + | meia laranja de alegria<br /> |
− | dez toneladas de suor | + | dez toneladas de suor<br /> |
− | um minuto de geometria | + | um minuto de geometria<br /> |
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− | + | quatro rimas sem coração<br /> | |
− | quatro rimas sem coração | + | dois desastres sem novidade<br /> |
− | dois desastres sem novidade | + | um preto que vai para o sertão<br /> |
− | um preto que vai para o sertão | + | um branco que vem à cidade<br /> |
− | um branco que vem à cidade | + | <br /> |
− | + | uma meia-tinta no sol<br /> | |
− | + | cinco dias de angústia no foro<br /> | |
− | uma meia-tinta no sol | + | o cigarro a descer o paiol<br /> |
− | cinco dias de angústia no foro | + | a trepanação do touro<br /> |
− | o cigarro a descer o paiol | + | <br /> |
− | a trepanação do touro | + | mil bocas a ver e a contar<br /> |
− | + | uma altura de fazer turismo<br /> | |
− | + | um arranha-céus a ripar<br /> | |
− | mil bocas a ver e a contar | + | meia-quarta de cristianismo<br /> |
− | uma altura de fazer turismo | + | <br /> |
− | um arranha-céus a ripar | + | uma prancha sem porta sem escada<br /> |
− | meia-quarta de cristianismo | + | um grifo nas linhas da mão<br /> |
− | + | uma Ibéria muito desgraçada<br /> | |
− | + | um Rossio de solidão<br /> | |
− | uma prancha sem porta sem escada | ||
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− | uma Ibéria muito desgraçada | ||
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'''Mário Cesariny''' em '''Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano''' | '''Mário Cesariny''' em '''Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano''' |
Revision as of 13:23, 3 March 2024
- Mário Cesariny (1923 - 2006]
Poeta e artista plástico. Militante e defensor leal do movimento Surrealista. A sua obra poética e plástica contribui para a construção da história contemporânea. Foi detido várias vezes pela PIDE. Leituras de excertos do livro proibido A Intervenção surrealista.
- Livro Proibido - A Intervenção Surrealista
Apesar do carácter transgressor dos seus poemas, Mário Cesariny teve a sorte de nunca chegar a ver os seus livros [de poesia] apreendidos pela censura. Os livros podiam passar despercebidos mas Mário Cesariny não passava. Antes do fim da ditadura, esteve detido em várias ocasiões por suspeitas de vagabundagem, “um termo que se aplicava a pessoas assim um bocado esquisitas” — os anarquistas, videntes, blasfemos e revoltosos e homossexuais. Apesar de ter sido frequentemente detido pela polícia, o artista voltava sempre à vida de antes".[1]
- Excerto 1, pág. 89.
- Poema Cocreção de Saturno, páginas 124 a 126.
Nota: aumente as imagens acima ou veja o poema num ficheiro pdf aqui
- Poema Atuação Escrita de Pedro Oom no livro de Cesariny, A intervenção Surrealista, pág. 185.
Actuação Escrita
Pode-se escrever
Pode-se escrever sem ortografia
Pode-se escrever sem sintaxe
Pode-se escrever sem português
Pode-se escrever numa língua sem saber essa língua
Pode-se escrever sem saber escrever
Pode-se pegar na caneta sem haver escrita
Pode-se pegar na escrita sem haver caneta
Pode-se pegar na caneta sem haver caneta
Pode-se escrever sem caneta
Pode-se sem caneta escrever caneta
Pode-se sem escrever escrever plume
Pode-se escrever sem escrever
Pode-se escrever sem sabermos nada
Pode-se escrever nada sem sabermos
Pode-se escrever sabermos sem nada
Pode-se escrever nada
Pode-se escrever com nada
Pode-se escrever sem nada
Pode-se não escrever
OUTROS POEMAS DE MÁRIO CESARINI
- Em Todas as Ruas te Encontro
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
Tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
Mário Cesariny em Pena Capital
- Pastelaria
Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante!
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
Mário Cesariny em Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano
- Um Grande Utensílio de Amor
um grande utensílio de amor
meia laranja de alegria
dez toneladas de suor
um minuto de geometria
quatro rimas sem coração
dois desastres sem novidade
um preto que vai para o sertão
um branco que vem à cidade
uma meia-tinta no sol
cinco dias de angústia no foro
o cigarro a descer o paiol
a trepanação do touro
mil bocas a ver e a contar
uma altura de fazer turismo
um arranha-céus a ripar
meia-quarta de cristianismo
uma prancha sem porta sem escada
um grifo nas linhas da mão
uma Ibéria muito desgraçada
um Rossio de solidão
Mário Cesariny em Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano