Andrade, Eugénio - Livros Proibidos

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  • Urgentemente


É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.


No poema “Sobre o Tejo”, o poeta aponta especificamente para um conflito, a Guerra Colonial Portuguesa, que decorreu nas frentes de Moçambique, Guiné e Angola, entre 1961 e 1974. O texto concentra-se num soldado que, sendo anónimo, representa todo um universo de jovens recrutas, tantas vezes alheios às razões de um combate que não é o seu:

  • "Sobre o Tejo"


Que soldado tão triste esta chuva
sobre as sílabas escuras do Outono
sobre o Tejo as últimas barcas
sobre as barcas uma luz de desterro.

Já foi lugar de amor o Tejo a boca
as mãos foram já fogo de abelhas
não eram o corpo então dura e amarga
pedra do frio.

Sobre o Tejo cai a luz das fardas
É tempo de dizer adeus.

https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/4323/1/umapalavrapreocupada.pdf

AS PALAVRAS INTERDITAS


Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te… E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos noturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.

Eugénio de Andrade, As Palavras Interditas, 1951 (1.ª edição)
Edição utilizada: Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2017