Correia, Natália - Livros Proibidos

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  • Natália Correia(1923-1993)
Poetisa, escritora, jornalista, política, deputada e ativista social. Muitos dos seus livros foram censurados e chegou a ser condenada a prisão com pena suspensa.
Em 1959, Natália Correia publicou Comunicação, a obra que iniciaria a sua longa lista de obras censuradas. Em 1966, já tinha três obras censuradas e a PIDE continuou a proibir as obras publicadas pela "Edições Afrodite", na altura dirigida por ela. Tornou-se uma das escritoras mais perseguidas pela ditadura, com a sua correspondência constantemente violada e com processos em tribunal pela sua atividade literária. Em 1970, foi condenada, a 90 dias de prisão correcional com três anos de pena suspensa pela sua “Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica.”


  • Leituras do livro proibido Comunicação

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O poema dramático Comunicação (1959), publicado pela editora "Contraponto" de Luiz Pacheco, foi apreendido pela PIDE e apreciado pelo ofício censório deste modo: “A Autora quer referir-se, julgo, à condenação à morte da Poesia, no País. O introito, a forma derrotista como apresenta o Poema (felizmente não na íntegra!), a sensualidade, a libertinagem e a falta de senso moral bem verificados, levam sem sombra de dúvida, a não autorizar a sua circulação”. 

Cantei uma ária para te dar um teto
Versos duma rosa para o seu namorado
Bodas naturais de flor e de insecto
Que pousa na flor e fica casado

Passou um amante no voo directo
Dum corpo para a sua constelação
Com pena de ti roubei-lhe o trajecto
E pus-te uma pomba invisível na mão

Mas pela espiral da antiga insónia
Girou a voluta do crime secreto
De seres cortesã numa Babilónia
Que fechas à chave para ficar mais perto

E pelos abismos do teu ventre orgíaco
Errou o remorso da raça cobarde
Que nos abortou no círio elegíaco
Da nossa perdida Sodoma que arde

in Comunicação, pág. 9.


São seios como venenos
São pernas com meias pretas
São os postais obscenos
Que fechamos nas gavetas

São as vigílias eróticas
Com que o demo nos assalta
São solteironas neuróticas
E o amante que lhes falta

São os truques insolentes
Dum prestidigitador…

in Comunicação, pág.10.


Ser navegador… Ser navegador
Não é termos sido é sermos ainda
É irmos a Vénus ou seja onde for
Espetar os cornos onde o espaço finda

É haver Camões como uma recolta
É haver Gil Vicente como um desafio
A esse Encoberto que nunca mais volta
Porque é o pretexto do nosso vazio

É Vasco da Gama mas sem biografia
Que sem biografia a lenda é o impulso
Da raça que cumpre a mitologia
De qualquer viagem que lhe forme o pulso

É ignorar que houve Aljubarrota
Porque Aljubarrota é ignorar
Perder a memória como uma gaivota
Ideia dum barco escrita no ar

É a liberdade como uma coroa
Florindo a inocência que na nossa fonte
Sendo como os bichos quer amar à toa
Sendo como os astros quer brilhar na fronte

in Comunicação, pág.14.


  • Leituras do livro proibido O Vinho e a Lira

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O Vinho e a Lira, edição de Fernando Ribeiro de Mello, composta por 43 poemas, também foi censurada. Em 6 de Junho de 1966, o  censor Joaquim Palhares considerou que o seu valor literário era nulo e continha expressões eróticas e “imorais”.


A oriente sou toda lira
exata dérmica solar
biografo-me a desenho à pena
com a tinta da estrela polar.

À maternidade da pedra
restituo a casa a levante
e o teu sorriso é navegável
sem rápidos de ciúme e sangue.

Por esse lado tive infância
e derreto a neve das fotografias
destapando o quebra-luz
de uma tépida estampa de tias.

A meu oriente de polido mogno
meu verso tem cadeiras e o habito
com amigos e respiram os móveis
um sossego de folhas de eucalipto.

A sul se eriçam as crinas
se ateiam os cascos do meu verso esquino
druídica me visto de visco lunar
matéria friável de cânhamo e vinho

essa a minha álea de longifólias
acácias à velocidade do crime
por ela em teu coro linha de comboio
me deito à espera que o amor se aproxime

esse o meu jusante de minério e tirso
esse o meu amigo o que não conheço
essa a minha casa a quer não habito
minha alma estrela meu nenhum endereço.


Decididamente a palavra
quer entrar no poema e dispõe
com caligráfica raiva
do que o poeta no poema põe

entretanto o poema subsiste
informal em teus olhos talvez
mas perdido se em precisa palavra
significas o que vês

virtualmente teus cabelos sabem
se espalhando avencas no travesseiro
que se eu digo prodigiosos cabelos
as insólitas flores que se abrem
não têm sua cor nem seu cheiro

finalmente vejo-te e sei que o mar
o pinheiro a nuvem valem a pena
e é assim que sem poetizar
se faz a si mesmo o poema.


Todos os poemas são feitos
com o ouro das horas disponíveis
Depois de penteado o poeta
das suas partes mais sensíveis
extrai um vapor de tristeza

e com essa matéria forma
a melancólica gentileza
de um hóspede a quem afaga
as mãos debaixo da mesa.

Fazer poemas enquanto se mata
durante a cópula quando faminto
esses nunca os vi fazer
.
A poesia é sempre em vez
mênstruo de alma uma vez por mês
sangrenta flor abortada
da natureza infecundada.


Este homem que entre a multidão
enternece por vezes destacar
é sempre o mesmo aqui ou no japão
a diferença é ele ignorar.

Muitos mortos foram necessários
para formar seus dentes um cabelo
vai movido por pés involuntários
e endoidece ser eu a percebê-lo.

Sentam-no à mesa de um café
num andaime ou sob um pinheiro
tanto faz desde que se esqueça
que é homem à espera que cresça
a árvore que dá dinheiro.

Alimentam-no do ar proibido
de um sonho que não é dele
não tem mais que esse frasco de vidro
para fechar a estrela do norte.
E só o seu corpo abolido
lhe pertence na hora da morte.


Venho simplesmente dizer
que uma laranja é uma laranja
e comove saber que não é ave

se o fosse não seriam ambas
uma só coisa volátil e doce
de que a ave é o impulso de partir
e a laranja o instinto de ficar.

Não sei de nada mais eterno
do que haver sempre uma só coisa
e ela ser muitas e diferentes
e cada coisa ternamente ocupar
só o espaço que pode rodeada
pelo espaço que a pode rodear.

Sei que depois da laranja
a laranja poderá ser até
mesmo laranja se necessária
mas cada vez que o for
sê-lo-á rigorosamente
como se de laranja fosse
a exacta fome inadiável.

De ser laranja gomo a gomo
o íntimo pomo se enternece
e não cabe em si de amor
embriagada de saber
que a sua morte nos será doce.


Natálialivro.JPG CensuraAntologiaNatália.JPG Antologiadapoesia eroticaesatirica-2.jpg

A verdade é que  [a obra o "Vinho e a Lira"] até não é das obras mais atentatórias da autora: o seu carácter erótico não é particularmente relevante, principalmente se a compararmos à Antologia da Poesia Erótica e Satírica, e também não mexe nas estruturas do Estado Novo como O Homúnculo ou A Pécora. 

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  • Livro Proibido - “Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica”
A “Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica”, de Natália Correia, livro apreendido pela PIDE, que levou a autora a tribunal, com as ilustrações originais de Cruzeiro Seixas.


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BOCAGE
Setúbal (1765- 1805)

Importante poeta português do século XVIII, considerado o maior representante do Arcadismo e o precursor do Romantismo. Poeta satírico, erótico e pornográfico, é vítima até hoje de sua própria fama e dos preconceitos que despertou.
Esta poesia, incluída na Antologia de Natália Correia, pertence à obra “Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas” de Bocage que se encontra divida em duas parte: uma primeira com sonetos satíricos curtos, todos com conteúdo obsceno – Bocage escrevia-os quando queria parodiar e criticar alguém ou alguma situação e depois ia lê-los para as praças públicas e distribuía cópia ás portas das igrejas; e uma segunda parte com odes, cantigas, epistola e elegias – poemas mais longos com narrativas eróticas em que já se encontra o estilo neoclássico, típico de Bocage.
Não se pode dizer que as “Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas” sejam um conjunto de poemas que melhor reflitam a poética de Bocage, cujo extenso trabalho poético aborda mais os temas da solidão, do sofrimento, do amor-ciúme, do belo-horrível ou da morte – temas que ele trata de acordo com o próprio infortúnio da sua vida, que constituem o seu melhor trabalho e que lhe trouxeram reconhecimento e importância. No entanto, dissociar estes seus poemas de deboche e erotismo de outros trabalhos, consideramos mais sérios, é querer separar uma importante parte daquilo que era Bocage.
Durante muito tempo tentou-se fazer isso mesmo. Esta obra, por exemplo, foi proibida em Portugal durante o período do Estado Novo de Salazar, pois era considerada chocante e “perniciosa para a moralidade vigente”, e procurou-se durante muito tempo esconder ou ignorar esta vertente nos estudos e análises literárias do autor. O livro, lido “às escondidas” por homens e mulheres de todas as idades, durante a ditadura, só pôde ser livremente lido, sem receio de represálias, depois do 25 de abril.
Hoje em dia, louvado por muitos e desprezado por outros mais conservadores é, apesar disso, visto como um importante legado de um dos maiores poetas portugueses.
In: https://www.agr-tc.pt/bibliotecadigital/aetc/index.php?page=13&id=143&db=


  • Para saber mais:

https://expresso.pt/cultura/2019-05-11-O-livro-que-levou-Natalia-ao-tribunal

https://www.esquerda.net/dossier/natalia-correia-censura-de-o-vinho-e-lira/62598

https://observador.pt/especiais/ha-50-anos-a-indecencia-de-natalia-correia-libertou-nos/

https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/LivrosQueForamNoticia/LivrosQueForamNoticia_Antologia2.html

A partir de 25 de abril de 2024 pretendemos publicar um episódio por dia no Podcast "Leituras em Liberdade".
No primeiro episódio temos 9 poemas de Natália Correia lidos pelos alunos Matilde Martins, Cecilia Lamas, Rafaela Campos, Catarina Ferreira, Beatriz, Laura Piskunenko, Dina Muchanga, Daniela Veiga e Samuel B.
Para ouvir clique na imagem abaixo ou no seguinte link Podcast Leituras em Liberdade AETC - Episódio 1 - Natália Correia.

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Nota: esta wiki está em construção e para além da publicação das leituras áudio, alguns acertos e correções terão de ser feitos. Caso queira enviar sugestões ou áudios de leituras pode fazê-lo para o mail biblioteca@agr-tc.pt


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