Leituras de Joaquim Magalhães - Apresentação (JM)

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Rosairinha
DUAS PALAVRAS
JOAQUIM MAGALHÃES

Nas obras que escreveram os Poetas, nas formas plásticas de som, de luz, ou cor dos artistas criadores, se perpetuam, vivem, estão connosco os próprios autores.
E esta é a sua imortalidade.
Presentes na obra, sempre vivos, sempre atentos a responderem às interrogações da nossa simpatia, ao nosso apelo de conforto, ao nosso pedido de apoio ou ajuda.
Por isso estão sempre presentes e é no presente do indicativo verbal que convém referirmo-nos a eles.
Como qualquer outro mortal, mesmo que tenha sido grande no mundo, dos tais “Loydes Georges da história e do momento", como diz Pessoa, só podemos empregar os tempos verbais do pretérito, do passado, que já lá vai, perdido na duração da vida dos povos.
Mas os artistas perderam, deram e vivem nas obras que deixaram; nelas estão sempre presentes.
Camões é, Gil Vicente é, Beethoven e, Rubens é... Somente, para que, em verdade, presentes estejam, temos de lhes emprestar a voz de intérpretes e leitores aos poetas a nossa interpretação e capacidade de entendimento musical aos músicos, a atenção inteligente dos nossos olhos aos plásticos.

E, sempre, em qualquer tempo ou lugar, na terra, no mar, no ar, nos espaços interestelares, onde uma voz os ler, os ouvir, ou ver, estão presentes, vivos, imortais, os poetas e os artistas que alguma vez nos interessaram ou nos surpreenderam.

Em qualquer cantiga de amigo de D. Dinis, nas páginas de Fernão Lopes, nos autos de mestre Gil, nos sonetos de Camões e, Bocage, Antero, nas quadras do poeta Aleixo, nos versos de João de Deus ou Nobre, nas prosas de Camilo ou Eça, estão vivos, para p eternidade, que possa ter a língua em que escreveram, os próprios autores.

E assim que Emiliano da Costa está connosco.

Nos livros que compôs, nos versos que escreveu, a poesia que aprendeu e exprimiu para sempre Ihe dão o destino imortal da sua própria sobrevivência.

Emiliano da Costa está presente sempre no "Helianthos nos Phlogistos", nas "Saudades do Silencio" e na “Rosairinha", nas "bromo-Sinfonias" e nas " Asas"" nos "Pampilhos" e nas Pinturescas', em toda a obra que nos legou.

Ora se há Poeta que, entre nós, na evolução da nossa poesia, aqui no Algarve, se identificou com a vida para a cantar, para fazer dela a sua própria explicação de Artista., para nos dar a sua definição, esse Poeta chama-se Emiliano da Costa.

É dele, quiçá no último, ou num dos seus últimos poemas este pensamento lapidar:

"A vida salva-se
pela própria essência
da Vida".

Aos oitenta anos, quando isto escreveu, nessa composição que intitulou de a caminho e que, de certo modo, tem todo e ar de um testamento literário, o Poeta como que põe termo a sua atividade criadora.

Nesse poema ¬- fecho de abóboda, ponto final de um labor que, no início da carreira do artista, já tinha para Emiliano a mesma consciente intenção.

Com efeito, são do primeiro soneto de "Helantos", publicado em 1926, estes versos de promessa a cumprir.

"E eu hei de andar no flor, nas águas e na serra,
mil vezes transformado, esparso pelo dia,
e mil vezes melhor, hei de sair da terra.
ou pelos sons do bosque, ou pela voz do mar.
SEMPRE CANTANDO A VIDA…”

Podemos, pois considerar Emiliano como um Poeta que se realizou.

Conseguiu, digamos, cumprir o plano que inicialmente se havia proposto de cantar o sol, a luz, a cor, a paisagem da sua terra.

Fê-lo com a originalidade espontânea de Artista Culto, senhor de toda a técnica da métrica tradicional, que conhecia todo o vocabulário regional e toda a nomenclatura científica da medicina (sua profissão) e da botânica (sua paixão).

Dai talvez o não lhe ter sido dadas, no começo da sua aventura poética, toda aquela ressonância e compreensão que bem merecia.

E acaso estará nesta, digamos, inaceitação inicial da sua surpreendente marca pessoal, a razão daquele orgulho que nos desafia no magistral retrato interior que o pintor Carlos Porfírio soube ver e fazer ver, pondo-lhe, por assim dizer, a alma à mostra.

Emiliano da Costa nunca se rende às modas estéticas de que é contemporâneo, em mais de 40 anos da sua vida.

Tal como Afonso Duarte - outro franco-atirador da mesma ideia na poesia portuguesa - Emiliano acompanha com todos, está aberto a todos os ventos mas nunca sacrifica as modas.

Não é parnasiano, embora a sua formação estética coincida, em parte com a dos parnasianos, no gosto apurado da forma, em especial do soneto.

Não simbolista, e, sem embargo, tem a obra bem cheia do amor da música e de um vivo sentido do ritmo musical da frase e da palavra.

Não é um saudosista, ele que tão formosamente canta saudade.

Não é um modernista, inovador de formas, ainda quando aceita libertar-se dos moldes tradicionais e ensaia com mestria recortes novos das estrofes do soneto e dos outros géneros líricos que cultivou.

Não é um poeta do intimismo estreme ou do psicologismo solipsista do tipo "presença' ou "Orfeu".

E. sem embargo, deu a um dos seus 14 livros O título de "Intimidade". E a outro chamou "Saudades do Silêncio".

Não um neorrealista, apesar das notas-realistas da Rosairinha"
.

Emiliano da Costa é, antes de mais, um puro algarvio, apaixonado da luz, da cor, do sol, da terra, do mar, da paisagem; um espectador atento, do grande espetáculo da vida, que é a sua paixão, a sua musa,

"Ah! como é bela a vida, a pobre vida!
E quem há de perdê-la? A minha vida..."

Por isso que tanto ama a vida e que toda a sua obra é um hino de louvor à Vida, que, desde o primeiro livro é a Vida, sob todas as formas, o motivo e estímulo essencial de uma atividade criadora de artista consciente que se exerce durante quarenta anos, creio não andar longe de uma interpretação corretamente aproximada da realidade, quando afirmo e repito: Emiliano da Costa realizou-se integralmente na obra que amorosamente compôs. E completo: na obra que pudicamente compôs, quase só para si e para a meia dúzia de pessoas que sentia capazes de o compreenderem.

Emiliano realizou-se integralmente na sua obra: nela permanece vivo e sorridente, como expectante espectador da Vida que, no seu último poema afirma:

"A vida salva-se
pela própria essência
da vida"

que é continuar, continuar-se sempre, ainda que, por vezes "sem rumo", mas "a caminho" sempre, sob todas as variedades, infinitas formas que a vida toma e tomará.
Emiliano está vivo e presente sempre, connosco, na obra de amor à vida que escreveu e nos legou.