Leituras de Joaquim Magalhães - Apresentação (JM)
João Braz
À MANEIRA DE PREFÁCIO
Todo e qualquer prefácio não passa afinal de posfácio, já que, na realidade, quase sempre é escrito depois da obra feita. Como acontece com este. Na Casa do Algarves houve um sarau de poesia com poemas de poetas algarvios selecionados pelo declamador-poeta João Braz. Para isso escolheu primeiro e fez, portanto, uma antologia. Quer agora a Casa do Algarves dar-lhe publicação. O que me parece certo. Nunca é demasiado o que se faça dos escritos dos escritores algarvios. Generosamente acham os seus dirigentes que o trabalho precisa de um apresentador. E escolheram-me para o efeito. Aceitei. Porque este tem sido em parte o meu destino de algarvio por opção, vai para 45 anos, com tempo de sobra, portanto, para me ter tornado algarvio deveras, como os que mais o são. E mais deliberadamente até, por o ser voluntariamente, com o coração a bater em uníssono simpático com o que ao Algarve mais importa. Agora e sempre, desde que para cá vim. E nisto tudo estará, com certeza, a fundamentação da escolha. Isto mesmo também torna imperiosa a aceitação do convite. A Casa do Algarve tem sido uma espécie de verdadeiro consulado turístico e cultural da sua província na capital do País. Tem no decurso dos anos da sua existência dado cobertura e apoio a muitas propostas de realizações e sonhos daquilo tudo que, em seu parecer, convém, ou possa vir a ser conveniente para o Algarve. Persistentemente tem vivido a sonhar com um Algarve que se afirme e se realize com ações de características muito próprias. Tem sonhado - e, por vezes, visto que os sonhos se realizam - como no caso do Conservatório Regional do Algarve, que foi sonhado em Lisboa e saiu do casulo do sonho para ser a realidade que hoje é, em Faro, onde vive com dificuldades, mas procura cumprir, graças a` um leque de carolices que vai desde a da Cruz Vermelha, que lhe dá abrigo e instalações, até ao sacrificado corpo docente que lhe đá a alma, e não só. Pretende, pois, a “Casa do Algarve” editar esta coletânea de poemas, organizada por João Braz, com os versos que ele escolheu e disse aos sócios da Casa, num serão bem conseguido. João Braz preferiu, claro está, os de que mais gosta, como, de resto fazem todos os antologistas. Segundo o seu critério estético, de acordo com os seus padrões de gosto pessoal. Como, porém, lhe não chama antologia, mas modestamente, uma coletânea, não se estranhará que. tanto de poetas vivos como de já mortos, mas nascidos no Algarve, alguns autores e poemas não figurem na seleção. Poderá assim notar-se a falta, por exemplo de Ramos Rosa, de Gastão Cruz, de Leonel Neves, de Vicente Campinas, de Torcato da Luz, etc. Cito apenas alguns. Porque ainda há mais, claro está. Só que de mais um em mais um, a cadeia é sem fim. Logo temos de entender o critério de João Braz e de nos não esquecermos de que a escolha foi feita para ser ouvida por um público de assistentes curiosos de poesia, sim, mas não com certeza, de amadores muito exigentes. Para os quais, naturalmente e, com o devido respeito, o declamador-poeta escolheu aqueles poemas que em seu parecer obteriam sem problemas uma mais directa adesão de comunicação e simpatia. Para os quais não seriam precisas aquelas introduções exegéticas, ou simples explicações, que facilitam o entendimento do que é mesmo menos fácil. Ora, como é sabido, muita da produção lírica dos poetas das mais modernas gerações nem sempre é acessível a um público não-iniciado. Por outro lado é sempre útil divulgar e relembrar poemas grandes dos poetas da província, porque uns são menos lembrados e outros mais ou menos esquecidos. E. num caso ou noutro, esta pequena antologia sem pretensões põe em foco poemas e autores de obras esgotadas. Esta uma outra justificação para a edição.
Quanto à inclusão de poemas de João Braz, não houve auto seleção. Sendo poeta também e declamador da sessão, lógico seria que dissesse versos seus, no mesmo serão em que recitou os restantes. A sua inclusão tem, pois, lugar na coletânea do que foi dito no serão. Com escrúpulos dele, mas com justiça, pois não faria sentido que fossem excluídos alguns dos textos ditos, só por serem da autoria do recitador. Daí que a sua publicação se faça aqui, apesar de estarem incluídos na 2.* edição do volume de João Braz.
Só nos resta repetir o voto de que este aperitivo sirva de estímulo à curiosidade do eventual leitor para mais intenso proveito e mais profundo convívio com os autores escolhidos e as obras de que os poemas, ora presentes, são apenas uma amostra. Se tal se conseguir terão sido atingidos todos os objetivos da iniciativa. Assim seja. Faro, 6 de Maio de 1978
Joaquim Magalhães
Rosairinha DUAS PALAVRAS JOAQUIM MAGALHÃES
Nas obras que escreveram os Poetas, nas formas plásticas de som, de luz, ou cor dos artistas criadores, se perpetuam, vivem, estão connosco os próprios autores.
E esta é a sua imortalidade. Presentes na obra, sempre vivos, sempre atentos a responderem às interrogações da nossa simpatia, ao nosso apelo de conforto, ao nosso pedido de apoio ou ajuda.
Por isso estão sempre presentes e é no presente do indicativo verbal que convém referirmo-nos a eles. Como qualquer outro mortal, mesmo que tenha sido grande no mundo, dos tais “Loydes Georges da história e do momento", como diz Pessoa, só podemos empregar os tempos verbais do pretérito, do passado, que já lá vai, perdido na duração da vida dos povos. Mas os artistas perderam, deram e vivem nas obras que deixaram; nelas estão sempre presentes. Camões é, Gil Vicente é, Beethoven e, Rubens é... Somente, para que, em verdade, presentes estejam, temos de lhes emprestar a voz de intérpretes e leitores aos poetas a nossa interpretação e capacidade de entendimento musical aos músicos, a atenção inteligente dos nossos olhos aos plásticos.
E, sempre, em qualquer tempo ou lugar, na terra, no mar, no ar, nos espaços interestelares, onde uma voz os ler, os ouvir, ou ver, estão presentes, vivos, imortais, os poetas e os artistas que alguma vez nos interessaram ou nos surpreenderam.
Em qualquer cantiga de amigo de D. Dinis, nas páginas de Fernão Lopes, nos autos de mestre Gil, nos sonetos de Camões e, Bocage, Antero, nas quadras do poeta Aleixo, nos versos de João de Deus ou Nobre, nas prosas de Camilo ou Eça, estão vivos, para p eternidade, que possa ter a língua em que escreveram, os próprios autores.
E assim que Emiliano da Costa está connosco.
Nos livros que compôs, nos versos que escreveu, a poesia que aprendeu e exprimiu para sempre Ihe dão o destino imortal da sua própria sobrevivência.
Emiliano da Costa está presente sempre no "Helianthos nos Phlogistos", nas "Saudades do Silencio" e na “Rosairinha", nas "bromo-Sinfonias" e nas " Asas"" nos "Pampilhos" e nas Pinturescas', em toda a obra que nos legou.
Ora se há Poeta que, entre nós, na evolução da nossa poesia, aqui no Algarve, se identificou com a vida para a cantar, para fazer dela a sua própria explicação de Artista., para nos dar a sua definição, esse Poeta chama-se Emiliano da Costa
É dele, quiçá no último, ou num dos seus últimos poemas este pensamento lapidar:
"A vida salva-se pela própria essência da Vida".
Aos oitenta anos, quando isto escreveu, nessa composição que intitulou de a caminho e que, de certo modo, tem todo e ar de um testamento literário, o Poeta como que põe termo a sua atividade criadora.
Nesse poema ¬- fecho de abóboda, ponto final de um labor que, no início da carreira do artista, já tinha para Emiliano a mesma consciente intenção.
Com efeito, são do primeiro soneto de "Helantos", publicado em 1926, estes versos de promessa a cumprir.
"E eu hei de andar no flor, nas águas e na serra, mil vezes transformado, esparso pelo dia, e mil vezes melhor, hei de sair da terra. ou pelos sons do bosque, ou pela voz do mar. SEMPRE CANTANDO A VIDA…”
Podemos, pois considerar Emiliano como um Poeta que se realizou.
Conseguiu, digamos, cumprir o plano que inicialmente se havia proposto de cantar o sol, a luz, a cor, a paisagem da sua terra.
Fê-lo com a originalidade espontânea de Artista Culto, senhor de toda a técnica da métrica tradicional, que conhecia todo o vocabulário regional e toda a nomenclatura científica da medicina (sua profissão) e da botânica (sua paixão).
Dai talvez o não lhe ter sido dadas, no começo da sua aventura poética, toda aquela ressonância e compreensão que bem merecia.
E acaso estará nesta, digamos, inaceitação inicial da sua surpreendente marca pessoal, a razão daquele orgulho que nos desafia no magistral retrato interior que o pintor Carlos Porfírio soube ver e fazer ver, pondo-lhe, por assim dizer, a alma à mostra.
Emiliano da Costa nunca se rende às modas estéticas de que é contemporâneo, em mais de 40 anos da sua vida.
Tal como Afonso Duarte - outro franco-atirador da mesma ideia na poesia portuguesa - Emiliano acompanha com todos, está aberto a todos os ventos mas nunca sacrifica as modas.
Não é parnasiano, embora a sua formação estética coincida, em parte com a dos parnasianos, no gosto apurado da forma, em especial do soneto.
Não simbolista, e, sem embargo, tem a obra bem cheia do amor da música e de um vivo sentido do ritmo musical da frase e da palavra.
Não é um saudosista, ele que tão formosamente canta saudade.
Não é um modernista, inovador de formas, ainda quando aceita libertar-se dos moldes tradicionais e ensaia com mestria recortes novos das estrofes do soneto e dos outros géneros líricos que cultivou.
Não é um poeta do intimismo estreme ou do psicologismo solipsista do tipo "presença' ou "Orfeu".
E. sem embargo, deu a um dos seus 14 livros O título de "Intimidade". E a outro chamou "Saudades do Silêncio".
Não um neorrealista, apesar das notas-realistas da Rosairinha".
Emiliano da Costa é, antes de mais, um puro algarvio, apaixonado da luz, da cor, do sol, da terra, do mar, da paisagem; um espectador atento, do grande espetáculo da vida, que é a sua paixão, a sua musa,
"Ah! como é bela a vida, a pobre vida! E quem há de perdê-la? A minha vida..."
Por isso que tanto ama a vida e que toda a sua obra é um hino de louvor à Vida, que, desde o primeiro livro é a Vida, sob todas as formas, o motivo e estímulo essencial de uma atividade criadora de artista consciente que se exerce durante quarenta anos, creio não andar longe de uma interpretação corretamente aproximada da realidade, quando afirmo e repito: Emiliano da Costa realizou-se integralmente na obra que amorosamente compôs. E completo: na obra que pudicamente compôs, quase só para si e para a meia dúzia de pessoas que sentia capazes de o compreenderem.
Emiliano realizou-se integralmente na sua obra: nela permanece vivo e sorridente, como expectante espectador da Vida que, no seu último poema afirma:
"A vida salva-se pela própria essência da vida"
que é continuar, continuar-se sempre, ainda que, por vezes "sem rumo", mas "a caminho" sempre, sob todas as variedades, infinitas formas que a vida toma e tomará. Emiliano está vivo e presente sempre, connosco, na obra de amor à vida que escreveu e nos legou.