A Algarvia que é ascendente de Camões
O escritor, editor e genealogista Nuno Campos Inácio destaca várias ligações entre Luís de Camões e o Algarve, que vão desde a sua ascendência até à sua presença na região. Camões descende de Madragana ben Aloandro, amante de D. Afonso III, estabelecendo uma conexão ancestral com o território algarvio. Além disso, tinha parentesco com Rui Pereira da Silva, Alcaide-mor de Silves, onde se acredita que tenha permanecido e escrito um poema dedicado à Ribeira de Boina, exaltando a beleza natural da paisagem algarvia.
Outro vínculo relevante apontado por Inácio é a proteção que Camões teria recebido da influente família Castelo Branco, nomeadamente do Conde D. Martinho de Castelo Branco, reconhecido pelo seu apoio às artes e literatura. Um dos laços mais simbólicos entre Camões e o Algarve encontra-se no exemplar de Os Lusíadas pertencente a D. Martinho, que o levou consigo para Alcácer Quibir e que, após a sua morte, foi resgatado no porto de Vila Nova de Portimão.
Nuno Campos Inácio, natural de Portimão e doutorando em Estudos de Património pela Universidade do Algarve, tem-se dedicado à investigação histórica e à genealogia, sendo responsável pelo "Projeto de Genealogia do Algarve". Como editor e autor de diversas obras, incluindo estudos genealógicos e históricos, tem contribuído significativamente para a preservação da identidade cultural do Algarve. A sua análise sobre Camões reforça a presença do poeta no imaginário algarvio, seja pela sua ascendência, pelos locais que percorreu ou pelo apoio que recebeu de figuras locais na consolidação da sua obra imortal.
"A Algarvia que é Ascendente de Camões"
1.
Excerto do texto de Nuno Campos Inácio editor, escritor e genealogista
29 Agosto, 2016
Sangue mouro corria nas veias do autor de Os Lusíadas. Talvez isso explique, em parte, o espírito leviano e a paixão pela poesia, que tinha raízes profundas na região algarvia do período islâmico.
Essa ligação familiar e genética transporta-nos para o tempo da conquista definitiva do Algarve. Foi nesse tempo e neste reino, mais concretamente na cidade de Xantamaria de Hárun (hoje Faro), que viveu Madragana ben Aloandro, filha do Cádi da cidade, Aloandro ben Bakr.
Após a conquista definitiva do Algarve, Madragana conheceu o rei de Portugal D. Afonso III, de quem se tornou amante, tendo nascido cinco filhos dessa relação.
Convertida ao cristianismo, a jovem algarvia mudou o nome para Mór Afonso. Desta relação entre Afonso III e a algarvia moura Madragana descendem muitas famílias portuguesas e alguns dos monarcas reinantes da atualidade, como é o caso de Isabel II de Inglaterra. Segundo as genealogias clássicas, descende ainda o notável poeta Luís Vaz de Camões.
'Camões era filho de Simão Vaz de Camões, filho de Guiomar Vaz da Gama, filha de Inês Gomes da Silva, filha de Jorge da Silva, filho de Gonçalo Gomes da Silva, filho de Isabel Vasques de Sousa, filha de Vasco Martins de Sousa Chichorro, filho de Martim Afonso Chichorro, filho de outro Martim Afonso Chichorro, filho de Afonso III e de Madragana ben Aloandro.'
2.
Luís Vaz de Camões terá estado refugiado no Algarve, mais concretamente na Quinta de Santo António, em Monchique, onde escreveu
um poema dedicado à ribeira de Boina:
Por meio de umas serras mui fragosas,
cercadas de silvestres arvoredos,
retumbando por ásperos penedos,
correm perenes águas deleitosas.
Na ribeira de Boina, assi chamada,
celebrada -
porque em prados
esmaltados
com frescura
de verdura,
assi se mostra amena, assi graciosa,
que excede a qualquer outra mais fermosa -
- Neste dia em que se celebra o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, afigura-se-nos oportuno recordar algumas ligações do nosso «Poeta Maior» à região algarvia.
A primeira ligação e a mais ancestral será a genética, que remonta aos tempos da (re)conquista definitiva do Algarve. Nesses tempos, era alcaide de Xantamaria de Hárun (atual cidade de Faro), Aloandro ben Bakr, pai de Madragana ben Aloandro, provavelmente mulher tão exótica quanto o nome que carrega, ao ponto de se tornar amante reconhecida de D. Afonso III. Pelos critérios sociais da época, a mourisca poderia ter sido apenas um espólio de guerra, uma concubina escrava como tantas que habitavam a corte, mas não, parece que a ligação foi mais profunda, ao ponto da jovem algarvia se ter convertido ao cristianismo e ter adotado o nome cristão de Mór Afonso, de quem teve cinco filhos, mas apenas dois vingaram: Martim Afonso Chichorro e Urraca Afonso de Portugal. Deste enlace amoroso, a acreditarmos nas várias genealogias clássicas, encontramos inúmeros descendentes na atualidade, como todos os representantes das diversas Casas Reais Europeias, mas, no que no dia de hoje interessa, a nosso Luís Vaz de Camões, pela seguinte linha ascendente – Luís Vaz de Camões, filho de Guiomar Vaz da Gama, neto de Inês Gomes da Silva, bisneto de Jorge da Silva, trineto de Gonçalo Gomes da Silva, tetraneto de Isabel Vasques de Sousa, 5.º neto de Vasco Martins de Sousa, 6.º neto de Martim Afonso Chichorro (II), 7.º neto de Martim Afonso Chichorro (I), 8.º neto de D. Afonso III e Madragana.
A segunda ligação podemos dizer que é de parentesco, sendo parente de Rui Pereira da Silva, Alcaide-mor de Silves e senhor do Morgado dos Casais, em Monchique, onde Luís Vaz de Camões esteve alojado ou refugiado e onde terá escrito um poema dedicado à Ribeira de Boina, que acompanha o presente artigo. Na literatura também se encontram referências à passagem e estadia de Camões no Morgado de Quarteira.
Uma terceira ligação é de proteção e patronato. Sabemos que a família dos Condes de Vila Nova de Portimão, os Castelo Branco, era grande apreciadora da cultura. Gonçalo Castelo Branco e Martinho Castelo Branco figuram mesmo no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, encontrando-se comprovadamente entre os patrocinados pela família o escritor Gil Vicente e os poetas João Rodrigues de Sá de Meneses e Cataldo Parisio. Já Luís Vaz de Camões terá sido patrocinado pelo Conde D. Martinho de Castelo Branco (II), também ele reconhecido apoiante das letras.
A quarta ligação podemos considerar como sendo patrimonial. Não do património de Camões, mas do património coletivo nacional. No Arquivo Nacional da Torre do Tombo encontra-se, num exemplar de «Os Lusíadas», o retrato mais antigo (e também o mais popular) de Luís Vaz de Camões. Esse exemplar do livro e esse retrato pertenciam a D. Martinho de Castelo Branco (II), que o levou para Alcácer Quibir, onde veio a falecer no campo de batalha. A 16 de Agosto de 1578 chegou ao porto de Vila Nova de Portimão o navio «São Francisco» carregado com o espólio do Conde desta vila, onde vinha «Os Lusíadas». Há algo de poético, de majestoso, perceber que um nobre guerreiro do século XVI tinha preocupações, levando um livro para o campo de guerra. Não será difícil de embarcar neste poema e assentar praça na areia do deserto, em torno de uma grande fogueira, ouvindo D. Martinho a declamar «Os Lusíadas» para os cavaleiros do seu exército, obra por si patrocinada e escrita por um imortal indelevelmente algarviano.
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