Costa, Emiliano - Asas
Costa, Emiliano
“Refletindo sobre a questão dos prefácios ou introduções, acho preferível o conselho célebre do “Punch” às pessoas que vão casar -- Não.
Sim, acho preferível não pôr prefácios nenhuns. Não explicar ainda é uma das grandes condições de imposição e de vitória... Fique a obra como é, e sem mais a “ser”.”
Assim escreveu um dia Fernando Pessoa. Mas, a não ser com a “Mensagem”, único livro publicado em vida de seu autor, com quase nenhum dos outros, póstumos, se cumpriu a doutrina expressa nas linhas acima transcritas.
Emiliano da Costa também, pelo que pode deduzir-se dos primeiros dez volumes da sua bibliografia, do mesmo modo pensava. Todos, com efeito, se apresentaram sem quaisquer prefácios seus ou de ninguém. Cada um deles ficou como era e sem mais a ser, segundo opinara Pessoa.
Parece, todavia, que Emiliano da Costa mudou de opinião. E quer, para este volume de agora, algumas palavras prefaciais. Não me atrevo a chamar-lhes prefácio e recuso-lhes o carácter de introdução; tampouco pretendem a honra de constituírem uma explicação. O valor deste livro, tal como o do conjunto da restante considerável obra do Poeta, não resultará, claro está, de quaisquer palavras, amáveis ou não, de críticos ou de estudiosos.
Porquê então ter cedido ao pedido do Autor? Porque, tendo estudado com alguma minúcia a, obra do Poeta, me pareceu que poderia dar testemunho desinteressado de leitor atento acerca do que ela vale para o leitor comum, meu semelhante e meu irmão.
Desde os primeiros contactos com a poesia de Emiliano me impressionaram fortemente certas características de pessoalíssima originalidade, a afirmarem uma inconfundível personalidade de artista, independente de escolas ou correntes estéticas contemporâneas, à boa e individualista maneira algarvia, que até na poesia se manifesta sempre.
Emiliano da Costa é, na verdade, sem possível contestação, um poeta e poeta cuja obra, mais que a de nenhum outro, terras nascido, merece ser considerado como expressão do Algarve. Como expressão poética da realidade física desta província, como expressão poética da realidade que é a vida e o modo de ser da gente algarvia. Mas em termos de compreensão possível para todos os homens cultos de fala portuguesa. E merecedora, por isso, da larga audiência, que, só agora, mais de trinta anos volvidos sobre o livro de estreia e com uma massa considerável de doze volumes, vai começando a ter.
Emiliano da Costa é, sempre tem sido, desde o início da sua magnífica aventura poética, um cantor da vida. Cantor apaixonado do sol, da luz, da cor:
“…sim, O que é o meu pensar,
○ que é a minha vida, as lágrimas que choro,
o que é o claro amor, se não a luz solar?>
(in “Helianthos” -- 1.° livro do Poeta)
Ora, logicamente, deste amor do sol: “Rien n'est plus beau que le soleil” - (pensamento de Bernardin de Saint - Pierre, apresentado pelo poeta em epigrafe de “Helianthos” - a flor do sol-) vem a tentação de o cantar tal como o vê e o sente a dominar, a influenciar a vida dos seres, e das plantas, e da cor, e da paisagem, e do mar da sua província natal.
Daí vem que a obra do Poeta seja, inevitavelmente, uma mensagem de colorista-luminista, que se exprime em verso, por palavras e imagens, a querer revelar o pintor frustrado que preferiu realizar-se pela poesia.
Daí vem que a Arte de Emiliano não seja predominantemente subjetiva, se é que podemos acaso eliminar a presença viva do Artista dos quadros e telas de interpretação da paisagem que pinta com palavras.
Emiliano, poeta não - retórico, não - eloquente, prefere a sobriedade disciplinada do soneto, que trata aliás livremente, na disposição versificatórica que mais lhe agrada. O que não quer dizer que não cultive com igual desenvoltura e saborosa
graciosidade outros metros de mais livre factura.
Mas Emiliano da Costa não é somente o poeta-pintor da cor, da luz do Algarve (“Helianthos”,
“Cromo-Sinfonias”, “Rosairinha”). Em «Saudades do Silêncio» evoca comovidamente a infância do menino que foi, e, em «Cânticos e Toadas» sofre a humaníssima angústia do homem ameaçado pelas experiências atómicas. Sempre, portanto, na mesma linha da promessa inicial de cantor da vida e do amor; o cantor da vida, saudoso, com a idade, da sua infância junto do rio natal, e temeroso agora da ameaça de destruição total; o enamorado cantor da vida
(<Ah como é bela a vida, a pobre vida.
E quem há de perdê-la? A minha vida...---) que desdobra as «Asas» da sua mensagem de agora. Uma mensagem poética, profundamente humana, com raízes bem firmes na sua província natal, mas com endereço universal para todos os homens de sensibilidade, que continuam a amar a poesia.