Barreno, Maria Isabel - Livros Proibidos

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https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/LivrosQueForamNoticia/LivrosQueForamNoticia_NovasCartasPortuguesas7.htm

Isabel Barreno

Maria Isabel Barreno de Faria Martins nasceu em Lisboa, a 10 junho de 1939. Licenciada em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, trabalhou no Instituto Nacional de Investigação Industrial (INII) e, mais tarde, no Instituto de Estudos para o Desenvolvimento.
Publicou mais de duas dezenas de livros, entre romances, contos e investigação.
Recebeu diversas distinções, entre as quais o Prémio Fernando Namora, pelo romance “Crónica do Tempo” (1991), e o Prémio Camilo Castelo Branco e o Prémio Pen Club Português de Ficção, pelo livro de contos “Os Sensos Incomuns” (1993). Em 2004 foi condecorada pelo Presidente da República como Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. Morreu aos 77 anos, a 3 de setembro de 2016.

Iniciou-se na escrita ainda em jovem, começando por escrever poemas, que não mostrava a ninguém e que nunca quis publicar. Mais tarde, dedicou-se à escrita de romances, sempre marcados pela defesa dos direitos das mulheres, pelos quais foi várias vezes distinguida.

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Maria Isabel Barreno, uma das ‘três Marias’, que desafiou escrever num tempo em que a liberdade faltava. Desafiou a ditadura com um manifesto contra todas as formas de opressão, tornando-se um símbolo da luta pela liberdade, igualdade e direitos da mulher.

Foi em Lisboa, em Maio de 1971, que Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa desafiaram a ditadura e decidiram escrever um livro a seis mãos, intitulado Novas Cartas Portuguesas.
Abordando temas proibidos e censurados durante o Estado Novo, como a guerra colonial, o adultério, a violação, o aborto e a subordinação da mulher.
Em Abril de 1972, o livro é publicado pela Estúdios Cor, sob a direção literária de Natália Correia. Três dias depois, o livro é proibido pelo regime, que o considerou pornográfico e contrário à moral e aos bons costumes.
Novas Cartas Portuguesas rompe com a legislação, moral e costumes vigentes na sociedade portuguesa e ousa despertar a consciência social denunciando a guerra colonial, a discriminação a falta de liberdade, a marginalização das minorias e a subordinação da mulher na sociedade.
https://www.acegis.com/2016/09/maria-isabel-barreno-uma-das-tres-marias-que-mudou-portugal/

Novas Cartas Portuguesas, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa

  • Excerto1
Conto-vos, entretanto, a história da Mãe dos Animais, mito de uma tribo de índios da América do Norte – e que paixões nostálgicas e sem remédio terão inventado os índios nas suas reservas, morrendo aos poucos, e os seus poços de petróleo, às vezes, e seus fatos usados pelos hippies, e sua paixão agressiva, agora, na prisão de Alcatraz. – Mãe dos Animais foi a mulher abandonada pela sua tribo, que se dispunha a fazer uma migração difícil, na altura em que ela paria; a mulher ficou para sempre errando nos bosques, ensanguentada e medonha, Mãe dos Animais, protegendo-os dos caçadores; e o caçador que a veja, com o susto, tem uma erecção, e a Mãe dos Animais viola então o caçador, concedendo-lhe a seguir um sucesso infalível na caça.
  • Excerto 2
Compraz-se Mariana com o seu corpo.
O hábito despido, na cadeira, resvala para o chão onde as meias à pressa tiradas, parecem mais grossas e mais brancas.
As pernas, brandas e macias, de início estiradas sobre a cama, soerguem-se levemente, entreabertas, hesitantes; mas já os joelhos se levantam e os calcanhares se vincam nos lençóis; já os rins se arqueiam no gemido que aos poucos se tornará contínuo, entrecortado, retomado pelo silêncio da cela, bebido pela boca que o espera.
(…)Devagar, meu amor, devagar o nosso orgasmo que contornas ou eu contorno com a língua. Devagar te perco de súbito, te esqueço, não senso tudo mais que uma enorme vaga de vertigem. A paz voltou-lhe ao corpo distendido, todavia, como sempre, pronto a reacender-se, caso queira, com o corpo, Mariana se comprazer ainda.
  • Excerto 3
Talvez de amor vos fale, ou de morte.
Hoje de morte porque a temo, de amor porque o recuso. Porém Como poderei com toda a verdade garantir que na realidade o amor recuso se o uso com homem que escolhi por luta me dar e eu lha dar, em longos torneios de dor e astucioso prazer que nunca radicamos, trazemos de aceite.
  • Excerto 4
Deixemos as freiras, que não são caso único. Que mulher não é freira, oferecida, abnegada, sem vida sua, afastada do mundo? Qual a mudança, na vida das mulheres, ao longo dos séculos? No tempo de tia Mariana as mulheres bordavam ou teciam ou fiavam ou cozinhavam, sujeitavam-se aos direitos de seus maridos, engravidavam, tinham abortos ou faziam-nos, tinham filhos, nados-mortos, nados-vivos, tratavam dos filhos, morriam de parto às vezes, em suas casas, (…). O que mudou na vida das mulheres? Já não tecem, já não fiam, (…).
  • Excerto 5
Minha querida Mariana
Que felicidade me deste e que orgulhoso fiquei com a notícia que me mandaste! Finalmente temos um filho! Pena é que não seja varão, pois bem sabes que ter um rapaz era o meu grande desejo, mas assim foi vontade do Céu que viesse uma menina e cá se há de criar também no meio do amor da nossa casa e no calor das nossas esperanças. Uma filha, Mariana, uma filha que será , decerto, um anjo de doçura e linda como tu, calada e meiga como tu és e sempre foste e por tal te amo.
  • Excerto 6
Como me envaideço de ti quando te vejo de avental a lavar a loiça, a passar as minhas camisas, ou a preparar-me os petiscos que sabes eu apreciar!
Desejo para a nossa menina todas as riquezas e mil virtudes que eu em ti reconheci, diferente das outras, no meio deste mundo depravado onde hoje a mulher esquece os seus deveres morais e o seu papel, importante papel de guia de seus filhos. Pois, sobretudo e todas as coisas, uma mulher é e será sempre mãe.
Se ao homem compete as grandes e graves decisões do mundo, à mulher compete o glorioso papel de criar os homens que edificarão esse mundo.
  • Excerto 7
Eu queria hoje louvar a solidão mas com sossego, sem vo-la deitar em cara, que só no colo. Como são belas as coisas quando ninguém se espera hoje para dizer-nos como. Como o mundo está intacto se não nos morrermos da ausência de alguém. Mas quem se ri se não se sabe único, preferido, quem se basta e nisso persevera, quantos conhecem ao menos uma horas esta glória de ninguém ter ou carecer a suster-nos pela mão e no entanto andarmos, como a escrita anda, como anda o corpo que a mão sabedora sustenta, a mão própria – quantas mulheres, quantos homens, se deleitaram já do que podem fazer unicamente, somente? Quantas mulheres porque a criação que temos é a de podengas, perdigueiras lambidas – ser por e ser para estacar quando se encontra. Mas também eles são por quem podem, sempre a ter que andar a escala até ao cume, à busca do melhor naco, cheirar o rabo do rei ou sê-lo (rabo – onde a realeza de outros sempre se assenta). Nós somos para ser por quem eles nos tomam para ser. O diabo que escolha para eu o escolher, como o Gil da Barca e Mariana pecante e a Mendes, a Mofina.
  • Excerto 8
Conservemos, meu amor, raivosamente, ambiciosamente, a vertigem. Esta vontade de te morder os pulsos e o ventre, as virilhas. Esta ansiedade de que me beijes os ombros e me violentes devagar, até ao êxtase. Esta ternura esgarçada e leve de passar lentamente a língua pelas tuas pernas, pelas tuas axilas, pelos teus testículos, tão frágeis e desprotegidos, tão maravilhosamente quentes e veludo de que se vestem os frutos.
Urgentemente.
Mergulhemos, caiamos até ao fundo, bem fundo da vertigem.
Da tontura.
Utilizemos, meu amor, a loucura. (…)

Para saber mais: https://observador.pt/2016/09/03/morreu-maria-isabel-barreno-uma-das-tres-marias/

http://livro.dglab.gov.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=9716