Fafe, José Fernandes - Livro Proibido
Leitura – “A linha nodal”, José Fernandes Fafe, Encontro
A linha nodal
Retrato de água, entre flores silvestres. Giestas, salgueiros, campainhas roxas vão pelos arcos das pontes, a moldura.
Os namorados amam reconhecer-se e vêm debruçar-se: luz de espigas! Entre a luz e a água, o arco-íris!
E os lodos? Os lodos escondem-se, são uma miséria envergonhada. E nós?
(…)
Aqui, miraculada pátria, a obra continua: cotovelos para o mar, disse Pessoa, a paz da virgem, ao que dizem – retrato de água (retocado) dum monstro apavorado por uma rosa crescer clara, à luz das sombras, dum monstro que tem por coração enodoada sacola de moedas, dum monstro que fareja, furioso, o cheiro duma longínqua Primavera, dum mostro que baba, venenoso, os campos por onde a Primavera chegará… Eis porque as florinhas silvestres desfalecem, tão monotonamente iguais na morte. Eis porque o meu canto é uma elegia repetida, eis porque o meu canto devia ter a gravidade do gotejar da chuva.
Ah que eu também, senhores diferentes, também odeio a monotonia. A monotonia de sempre, àquela esquina, sempre aquele corpo de velha me pedir pelas almas e sempre eu lhe atirar a minha esmola. A monotonia dos meus erros. A monotonia de passares todos os meses pela prisão.
“A linha nodal”, José Fernandes Fafe, Encontro