Barreno, Maria Isabel - Livros Proibidos

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Isabel Barreno

"Novas Cartas Portuguesas"

Novas Cartas Portuguesas, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa

  • Excerto1
Conto-vos, entretanto, a história da Mãe dos Animais, mito de uma tribo de índios da América do Norte – e que paixões nostálgicas e sem remédio terão inventado os índios nas suas reservas, morrendo aos poucos, e os seus poços de petróleo, às vezes, e seus fatos usados pelos hippies, e sua paixão agressiva, agora, na prisão de Alcatraz. – Mãe dos Animais foi a mulher abandonada pela sua tribo, que se dispunha a fazer uma migração difícil, na altura em que ela paria; a mulher ficou para sempre errando nos bosques, ensanguentada e medonha, Mãe dos Animais, protegendo-os dos caçadores; e o caçador que a veja, com o susto, tem uma erecção, e a Mãe dos Animais viola então o caçador, concedendo-lhe a seguir um sucesso infalível na caça.
  • Excerto 2
Compraz-se Mariana com o seu corpo.
O hábito despido, na cadeira, resvala para o chão onde as meias à pressa tiradas, parecem mais grossas e mais brancas.
As pernas, brandas e macias, de início estiradas sobre a cama, soerguem-se levemente, entreabertas, hesitantes; mas já os joelhos se levantam e os calcanhares se vincam nos lençóis; já os rins se arqueiam no gemido que aos poucos se tornará contínuo, entrecortado, retomado pelo silêncio da cela, bebido pela boca que o espera.
(…)Devagar, meu amor, devagar o nosso orgasmo que contornas ou eu contorno com a língua. Devagar te perco de súbito, te esqueço, não senso tudo mais que uma enorme vaga de vertigem. A paz voltou-lhe ao corpo distendido, todavia, como sempre, pronto a reacender-se, caso queira, com o corpo, Mariana se comprazer ainda.
  • Excerto 3
Talvez de amor vos fale, ou de morte.
Hoje de morte porque a temo, de amor porque o recuso. Porém Como poderei com toda a verdade garantir que na realidade o amor recuso se o uso com homem que escolhi por luta me dar e eu lha dar, em longos torneios de dor e astucioso prazer que nunca radicamos, trazemos de aceite.
  • Excerto 4
Deixemos as freiras, que não são caso único. Que mulher não é freira, oferecida, abnegada, sem vida sua, afastada do mundo? Qual a mudança, na vida das mulheres, ao longo dos séculos? No tempo de tia Mariana as mulheres bordavam ou teciam ou fiavam ou cozinhavam, sujeitavam-se aos direitos de seus maridos, engravidavam, tinham abortos ou faziam-nos, tinham filhos, nados-mortos, nados-vivos, tratavam dos filhos, morriam de parto às vezes, em suas casas, (…). O que mudou na vida das mulheres? Já não tecem, já não fiam, (…).
  • Excerto 5
Minha querida Mariana
Que felicidade me deste e que orgulhoso fiquei com a notícia que me mandaste! Finalmente temos um filho! Pena é que não seja varão, pois bem sabes que ter um rapaz era o meu grande desejo, mas assim foi vontade do Céu que viesse uma menina e cá se há de criar também no meio do amor da nossa casa e no calor das nossas esperanças. Uma filha, Mariana, uma filha que será , decerto, um anjo de doçura e linda como tu, calada e meiga como tu és e sempre foste e por tal te amo.
  • Excerto 6
Como me envaideço de ti quando te vejo de avental a lavar a loiça, a passar as minhas camisas, ou a preparar-me os petiscos que sabes eu apreciar!
Desejo para a nossa menina todas as riquezas e mil virtudes que eu em ti reconheci, diferente das outras, no meio deste mundo depravado onde hoje a mulher esquece os seus deveres morais e o seu papel, importante papel de guia de seus filhos. Pois, sobretudo e todas as coisas, uma mulher é e será sempre mãe.
Se ao homem compete as grandes e graves decisões do mundo, à mulher compete o glorioso papel de criar os homens que edificarão esse mundo.
  • Excerto 7
Eu queria hoje louvar a solidão mas com sossego, sem vo-la deitar em cara, que só no colo. Como são belas as coisas quando ninguém se espera hoje para dizer-nos como. Como o mundo está intacto se não nos morrermos da ausência de alguém. Mas quem se ri se não se sabe único, preferido, quem se basta e nisso persevera, quantos conhecem ao menos uma horas esta glória de ninguém ter ou carecer a suster-nos pela mão e no entanto andarmos, como a escrita anda, como anda o corpo que a mão sabedora sustenta, a mão própria – quantas mulheres, quantos homens, se deleitaram já do que podem fazer unicamente, somente? Quantas mulheres porque a criação que temos é a de podengas, perdigueiras lambidas – ser por e ser para estacar quando se encontra. Mas também eles são por quem podem, sempre a ter que andar a escala até ao cume, à busca do melhor naco, cheirar o rabo do rei ou sê-lo (rabo – onde a realeza de outros sempre se assenta). Nós somos para ser por quem eles nos tomam para ser. O diabo que escolha para eu o escolher, como o Gil da Barca e Mariana pecante e a Mendes, a Mofina.
  • Excerto 8
Conservemos, meu amor, raivosamente, ambiciosamente, a vertigem. Esta vontade de te morder os pulsos e o ventre, as virilhas. Esta ansiedade de que me beijes os ombros e me violentes devagar, até ao êxtase. Esta ternura esgarçada e leve de passar lentamente a língua pelas tuas pernas, pelas tuas axilas, pelos teus testículos, tão frágeis e desprotegidos, tão maravilhosamente quentes e veludo de que se vestem os frutos.
Urgentemente.
Mergulhemos, caiamos até ao fundo, bem fundo da vertigem.
Da tontura.

Utilizemos, meu amor, a loucura. (…)