Camões e o Algarve
Presença no Algarve Antes do Exílio
Há relatos de que Camões passou pelo Algarve antes de partir para a África, particularmente em Portimão. Teófilo Braga menciona a Ribeira de Boina, que Camões teria descrito em versos. Conclusão O texto explora as ligações familiares, amorosas e sociais de Luís de Camões com o Algarve. Ele sugere que o poeta, além de descendente direto dos Gamas algarvios, manteve relações importantes com figuras influentes da região, como a família Barreto e os Castelo Branco. Apesar das incertezas documentais, o Algarve parece ter desempenhado um papel significativo na vida e na obra de Camões.
Luís Vaz de Camões terá estado refugiado no Algarve, mais concretamente na Quinta de Santo António, em Monchique, onde escreveu
um poema dedicado à ribeira de Boina:
Por meio de umas serras mui fragosas,
cercadas de silvestres arvoredos,
retumbando por ásperos penedos,
correm perenes águas deleitosas.
Na ribeira de Boina, assi chamada,
celebrada -
porque em prados
esmaltados
com frescura
de verdura,
assi se mostra amena, assi graciosa,
que excede a qualquer outra mais fermosa -
as correntes se vêem que, aceleradas, as aves regalando e as boninas, se vão a entrar nas águas neptuninas por diversas ribeiras derivadas. Com mil brancas conchinhas a áurea areia bem se arreia; voam aves; mil suaves passarinhos nos raminhos acordemente estão sempre cantando, com doce acento os ares abrandando.
O doce rouxinol num ramo canta, e de outro o pintassilgo lhe responde. A perdiz de entre a mata, em que se esconde, o caçador sentindo, se levanta; voando vai ligeira mais que o vento, vai buscando; porém quando vai fugindo, retinindo trás ela mais veloz a seta corre, de que ferida logo cai e morre.
Aqui Progne, de um ramo em outro ramo, co peito ensanguentado anda voando, cibato para o ninho indo buscando; a leda codorniz vem ao reclamo do sagaz caçador, que a rede estende, e pretende com engenho fazer dano à coitada, que enganada duns esparzidos grãos de louro trigo, nas mãos vai a cair de seu imigo.
Aqui soa a calhandra na parreira; a rola geme; palra o estorninho; sai a cândida pomba de seu ninho; o tordo pousa em cima da oliveira. Vão as doces abelhas sussurrando, e apanhando o rocio fresco e frio por o prado de erva ornado, com que o bravo licor fazem, que deu à humana gente a indústria de Aristeu.
Aqui as uvas luzidas, penduradas das pampinosas vides, resplandecem; as frondíferas árvores se oferecem com diferentes frutos carregadas; os peixes n'água clara andam saltando levantando as pedrinhas, e as conchinhas rubicundas, que as jucundas ondas consigo trazem, crepitando por a praia alva com ruído brando.
Aqui por entre as selvas se levantam animais calidónios, e os veados na fugida inda mal assegurados, porque do som dos próprios pés se espantam. Sai o coelho; a lebre sai manhosa da frondosa breve mata, donde a cata cão ligeiro. Mas primeiro que ela ao contrário férvido se entregue, às vezes deixa em branco a quem a segue.
Luzem as brancas e purpúreas flores, com que o brando Favónio a terra esmalta; o fermoso Jacinto ali não falta, lembrado dos antigos seus amores; inda na flor se mostram esculpidos os gemidos; aqui Flora sempre mora; e com rosas mais fermosas, com lírios e boninas mil fragrantes, alegra os seus amores inconstantes.
Aqui Narciso em líquido cristal se namora de sua fermosura; nele os pendentes ramos da espessura debuxando-se estão ao natural. Adónis, com que a linda Citereia se recreia, bem florido, convertido na bonina que Ericina por imagem deixou de qual seria aquele por quem ela se perdia.
Lugar alegre, fresco, acomodado para se deleitar qualquer amante, a quem com sua ponta penetrante o cego Amor tivesse derribado; e para memorar ao som das águas suas mágoas amorosas, as cheirosas flores vendo, escolhendo, para fazer preciosas mil capelas, e dar per grão penhor a Ninfas belas.
Eu delas, por penhor de meus amores, uma capela à minha deusa dava; que lhe queria bem, bem lhe mostrava o bem-me-queres entre tantas flores; porém, como se fora malmequeres, os poderes da crueldade na beldade bem mostrou. Desprezou a dádiva de flores; não por minha, mas porque muitas mais ela em si tinha.