Difference between revisions of "Teatro"

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Ah, senhor Anfatrião,<br />
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Ah, senhor Anfitrião,<br /> onde está todo meu bem,<br /> pois meus olhos vos não veem<br /> falarei com o coração<br /> que dentro da alma vos tem.<br /> Ausentes duas vontades,<br /> qual corre mais perigos,<br /> qual sofre mais crueldades:<br /> se vós entre os inimigos<br /> se eu entre as saudades?<br /> Que a ventura que vos traz<br /> tão longe da vossa terra<br /> tantos desconcertos faz<br /> que se vos levou à guerra<br /> não me quis deixar em paz.<br /> Brómia, quem com vida ter<br /> da vida já desespera<br /> que lhe poderás dizer?<br />
onde está todo meu bem,<br />
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pois meus olhos vos nam vem<br />
 
falarei c’o coração<br />
 
que dentro n’alma vos tem.<br />
 
Ausentes duas vontades,<br />
 
qual corre mores perigos,<br />
 
qual sofre mais crueldades:<br />
 
se vós antre os enemigos<br />
 
se eu antre as saudades?<br />
 
Que a ventura que vos traz<br />
 
tam longe da vossa terra<br />
 
tantos desconcertos faz<br />
 
que se vos levou à guerra<br />
 
nam me quis leixar em paz.<br />
 
Brómia, quem com vida ter<br />
 
da vida já desespera<br />
 
que lhe poderás dizer?<br />
 
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Brómia<br />
 
Brómia<br />
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Que nunca se viu prazer<br />
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Que nunca se viu prazer<br /> senão quando não se espera.<br /> E portanto, não devia<br /> de ter triste a fantasia<br /> porque, vossa mercê creia,<br /> que o prazer sempre salteia<br /> quem dele mais desconfia.<br /> Eu tenho no coração<br /> do senhor Anfitrião<br /> venha hoje alguma nova.<br /> Não receba alteração,<br /> que a verdadeira afeição<br /> na longa ausência se prova.<br />
senão quando nam se espera.<br />
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E portanto, nam devia<br />
 
de ter triste a fantesia<br />
 
porque, vossa mercê crea,<br />
 
que o prazer sempre saltea<br />
 
quem dele mais desconfia.<br />
 
Eu tenho no coração<br />
 
do senhor Anfatrião<br />
 
venha hoje algũa nova.<br />
 
Nam receba alteração,<br />
 
que a verdadeira afeição<br />
 
na longa ausência se prova.<br />
 
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Almena<br />
 
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Dizei logo a Feliseu<br />
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Dizei logo a Feliseu<br /> que chegue muito apressado<br /> ao cais e busque meio<br /> de saber se algum recado<br /> do porto pérsico veio.<br /> E mais lhe haveis de dizer,<br /> isto vos dou por ofício,<br /> de alguma nova saber<br /> enquanto eu vou fazer<br /> aos deuses sacrifício.<br />
que chegue muito apressado<br />
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ao cais e busque meio<br />
 
de saber se algum recado<br />
 
do porto pérsico veio.<br />
 
E mais lhe haveis de dizer,<br />
 
isto vos dou por ofício,<br />
 
dalgũa nova saber<br />
 
enquanto eu vou fazer<br />
 
aos deoses sacrefício.<br />
 
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Júpiter<br />
 
Júpiter<br />
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Tu nam vês qu’esta molher<br />
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Tu não vês que esta mulher<br /> se preza de virtuosa?<br /> Senhor, tudo pode ser,<br /> que para quem muito quer<br />
se preza de vertuosa?<br /
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Senhor, tudo pode ser,<br />
 
que pera quem muito quer>
 
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Mercúrio<br />
 
Mercúrio<br />
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sempre afeição é manhosa.<br />
 
Seu marido está ausente<br />
 
na guerra, longe daqui.<br />
 
Tu, que és Júpiter potente,<br />
 
tomarás sua forma em ti,<br />
 
que o farás mui facilmente.<br />
 
E eu me trasformarei<br />
 
na de Sósia, criado seu,<br />
 
e ao arraial me irei<br />
 
onde logo saberei<br />
 
como se a batalha deu.<br />
 
E assi poderás entrar<br />
 
em lugar de seu marido,<br />
 
e pera que sejas crido<br />
 
poderás também contar<br />
 
quanto eu lá tever sabido.<br />
 
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Júpiter<br />
 
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Quem arde em tamanho fogo<br />
 
tira-lhe a vertude a cor<br />
 
de sotil e sabedor,<br />
 
e quem fora está do jogo<br />
 
enxerga o lanço melhor.<br />
 
Mas tu, que dos sabedores<br />
 
tanto avante sempre estás,<br />
 
se deos és dos mercadores<br />
 
sê-lo-ás dos amadores<br />
 
pois tal remédio me dás.<br />
 
Ponha-se logo em efeito,<br />
 
que não sofre dilação<br />
 
quem o fogo tem no peito.<br />
 
e tu vai logo dereito<br />
 
onde anda Enfatrião.<br />
 
do porto pérsico veio.<br />
 
E mais lhe haveis de dizer,<br />
 
isto vos dou por ofício,<br />
 
dalgũa nova saber<br />
 
enquanto eu vou fazer<br />
 
aos deoses sacrefício.<br />
 
  
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sempre afeição é manhosa.<br /> Seu marido está ausente<br /> na guerra, longe daqui.<br /> Tu, que és Júpiter potente,<br /> tomarás sua forma em ti,<br /> que o farás mui facilmente.<br /> E eu me transformarei<br /> na de Sósia, criado seu,<br /> e ao arraial me irei<br /> onde logo saberei<br /> como se a batalha deu.<br /> E assim poderás entrar<br /> em lugar de seu marido,<br /> e para que sejas crido<br /> poderás também contar<br /> quanto eu lá tiver sabido.<br />
 
In:
 
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http://www.cet-e-quinhentos.com/autores
 
http://www.cet-e-quinhentos.com/autores

Revision as of 16:25, 6 November 2024

À laia de introdução à obra dramática de Luís de Camões:
O Teatro de Camões (breve explicação):
[ https://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0821117_2011_cap.4.pdf]

I - El-Rei Seleuco

Personagens:

Moço, Mordomo (dono da casa), Martins, Ambrósio, escudeiro, representador, El-Rei Seleuco, Rainha Estratónica (sua mulher), Antíoco (príncipe), Leocádio (pajem de Antíoco), Moça, Porteiro, Alexandre (músico), restantes músicos, Frolalta (criada da Rainha), físico, Sancho (criado do físico) e Estácio da Fonseca.


O tema de El-Rei Seleuco é extraído da história e já anteriormente fora tratado por Plutarco na sua obra Vida de Demétrio.A jovem esposa do velho rei Seleuco é também desejada pelo filho deste, Antíoco. Para evitar uma crise dinástica e, dado que aquela também ama Antíoco, o velho rei cede heroicamente a sua mulher ao filho.

Nesta peça, e de acordo com Isabel Pascoal, na introdução à sua obra Poesia Lírica de Luís de Camões, assiste-se a "um predomínio dos aspetos psicológicos e sentimentais, pois omite-se a cedência do reino por Seleuco, insistindo-se apenas na cedência da esposa", afastando-se Camões, neste aspeto, da sua fonte - Vida de Demétrio, de Plutarco.
À anedota histórica juntou momentos de farsa, como as pretensões falhadas dum Porteiro junto de uma Moça de câmara, as tentativas ridículas de versificação pelo Porteiro ou o diálogo castelhano entre o Físico e o seu Moço.

A peça está enquadrada por um prólogo e um epílogo em prosa, inteiramente desligados do contexto da peça e que descrevem pormenorizadamente o costume de representar autos em pátios de casas particulares lisboetas.
In:
https://www.infopedia.pt/artigos/$el-rei-seleuco

Excerto


In:
- https://ia800206.us.archive.org/8/items/autodeelreise00dant/autodeelreise00dant.pdf

II - Auto dos Anfitriões

Da autoria de Luís de Camões, publicada em 1587, juntamente com Filodemo, Anfitriões é composta à semelhança da comédia de Plauto Amphitruo, embora numa adaptação livre, na qual a introdução de novas personagens atrasa o desenrolar da intriga principal e acrescenta momentos de farsa, mais ao estilo vicentino.

Personagens:

Anfitrião, Alcmena (sua mulher), Sósia (seu servo), Brómia (criada de Alcmena), Belferrão (patrão), Aurélio (primo de Alcmena), o servo de Aurélio, Júpiter e Mercúrio (deuses).

Desejando Almena, mulher de Anfitrião e aproveitando a ausência do marido, que se encontrava na guerra, Júpiter disfarça-se de Anfitrião, a conselho do mensageiro Mercúrio, seu servo, que por sua vez se disfarça de Sósia, servo de Anfitrião. Com este disfarce, Júpiter faz crer a Alcmena que tinha regressado da batalha. Deste encontro vai nascer um filho "Hércules", acontecimento que vai constituir o final da comédia.
É evidente que o regresso do verdadeiro Anfitrião vai criar uma série de equívocos que o autor transforma em alguns episódios dramáticos, protagonizados por Alcmena, mas principalmente em cenas cómicas.
O clímax da peça regista-se no momento em que Anfitrião descobre o embuste, mas é obrigado a calar o seu "ciúme conjugal", na medida em que não se atreve e enfrentar um ser divino (Júpiter).

Excerto 1

Auto chamado dos Enfatriões, feito por Luís de Camões, em o qual entram as feguras seguintes: Enfatrião; Almena sua molher; Sósia seu moço; Brómia sua criada; Belferrão patrão; Aurélio primo dela com seu moço; Júpiter e Mercúrio; e entra logo Almena saudosa do marido que é na guerra, e diz:


Ah, senhor Anfitrião,
onde está todo meu bem,
pois meus olhos vos não veem
falarei com o coração
que dentro da alma vos tem.
Ausentes duas vontades,
qual corre mais perigos,
qual sofre mais crueldades:
se vós entre os inimigos
se eu entre as saudades?
Que a ventura que vos traz
tão longe da vossa terra
tantos desconcertos faz
que se vos levou à guerra
não me quis deixar em paz.
Brómia, quem com vida ter
da vida já desespera
que lhe poderás dizer?

Brómia

Que nunca se viu prazer
senão quando não se espera.
E portanto, não devia
de ter triste a fantasia
porque, vossa mercê creia,
que o prazer sempre salteia
quem dele mais desconfia.
Eu tenho no coração
do senhor Anfitrião
venha hoje alguma nova.
Não receba alteração,
que a verdadeira afeição
na longa ausência se prova.

Almena

Dizei logo a Feliseu
que chegue muito apressado
ao cais e busque meio
de saber se algum recado
do porto pérsico veio.
E mais lhe haveis de dizer,
isto vos dou por ofício,
de alguma nova saber
enquanto eu vou fazer
aos deuses sacrifício.

Júpiter

Tu não vês que esta mulher
se preza de virtuosa?
Senhor, tudo pode ser,
que para quem muito quer

Mercúrio

sempre afeição é manhosa.
Seu marido está ausente
na guerra, longe daqui.
Tu, que és Júpiter potente,
tomarás sua forma em ti,
que o farás mui facilmente.
E eu me transformarei
na de Sósia, criado seu,
e ao arraial me irei
onde logo saberei
como se a batalha deu.
E assim poderás entrar
em lugar de seu marido,
e para que sejas crido
poderás também contar
quanto eu lá tiver sabido.
In: http://www.cet-e-quinhentos.com/autores