Difference between revisions of "Sena, Jorge de - Livro Proibido"

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*Livro Proibido: '''As Evidências - Vinte e um sonetos de um poema só'''<br />
 
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  Livro de poesia publicado em 1955, classificado por David Mourão-Ferreira como uma "obra de categoria excecional" (cf. Vinte Poetas Contemporâneos, 2.ª ed., Lisboa, Ática, 1980, p. 168), e que obrigou o autor a sucessivas visitas à  sede da pide/censura para desbloquear a publicação da obra, que deixaria transparecer um certo inconformismo político, quase marxista pela emancipação em prol da liberdade.<br />No Prefácio à obra, o próprio Jorge de Sena afirma que  '''''Vinte e um sonetos de um poema só''''', ''foram fruto angustiosamente amadurecido de uma outra sinceridade; aquela que devemos a nós próprios e à nossa própria expressão, naqueles momentos, como que revelados, de aceitação transcendente, demasiado áspera para ser lembrada todos os dias, mesmo em presença da poesia, e de objetividade em face do mundo, demasiado incómoda para as vantagens quotidianas de sermos apenas nós próprios.''<br />
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  Livro de poesia publicado em 1955, classificado por David Mourão-Ferreira como uma "obra de categoria excecional" (cf. Vinte Poetas Contemporâneos, 2.ª ed., Lisboa, Ática, 1980, p. 168), e que obrigou o autor a sucessivas visitas à  sede da pide/censura para desbloquear a publicação da obra, que deixaria transparecer um certo inconformismo político, quase marxista pela emancipação em prol da liberdade.<br />O poeta publicou As Evidências (Poema em 21 Sonetos) em Janeiro de 1955. O livro foi apreendido pela polícia política PIDE sob a acusação de "subversivo" e "pornográfico", conta-se numa cronologia na exposição sobre o espólio de Jorge de Sena, que pode ser visitada até hoje, na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP).<br />No Prefácio à obra, o próprio Jorge de Sena afirma que  '''''Vinte e um sonetos de um poema só''''', ''foram fruto angustiosamente amadurecido de uma outra sinceridade: aquela que devemos a nós próprios e à nossa própria expressão, naqueles momentos, como que revelados, de aceitação transcendente, demasiado áspera para ser lembrada todos os dias, mesmo em presença da poesia, e de objetividade em face do mundo, demasiado incómoda para as vantagens quotidianas de sermos apenas nós próprios.''(pág.14)<br />
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Revision as of 12:42, 16 May 2024

JorgedeSena.jpg

  • Jorge de Sena (1919-1978)
Jorge de Sena, um dos mais relevantes escritores de língua portuguesa do século XX.
Opositor à ditadura, com obras apreendidas pela Censura por se tratarem de “subversivas” e “pornográficas”, foi um dos protagonistas da Revolta da Sé, e “com ordem de prisão” pela PIDE, em agosto de 1959, exila-se no Brasil. Fugindo também à ditadura no Brasil, parte para os Estados Unidos, em 1965.
Tentado regressar à Europa, no dia 22 de dezembro de 1965 foi detido pela PIDE, durante 24 horas, quando tentava entrar em Portugal pela fronteira espanhola.
Depois do 25 de Abril de 1974, regressou a Portugal mas ficou apenas durante dois meses.
Acabou por falecer no dia 4 de Junho de 1978, em Santa Bárbara, na Califórnia.
  • Livro Proibido: As Evidências - Vinte e um sonetos de um poema só
Livro de poesia publicado em 1955, classificado por David Mourão-Ferreira como uma "obra de categoria excecional" (cf. Vinte Poetas Contemporâneos, 2.ª ed., Lisboa, Ática, 1980, p. 168), e que obrigou o autor a sucessivas visitas à  sede da pide/censura para desbloquear a publicação da obra, que deixaria transparecer um certo inconformismo político, quase marxista pela emancipação em prol da liberdade.
O poeta publicou As Evidências (Poema em 21 Sonetos) em Janeiro de 1955. O livro foi apreendido pela polícia política PIDE sob a acusação de "subversivo" e "pornográfico", conta-se numa cronologia na exposição sobre o espólio de Jorge de Sena, que pode ser visitada até hoje, na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP).
No Prefácio à obra, o próprio Jorge de Sena afirma que Vinte e um sonetos de um poema só, foram fruto angustiosamente amadurecido de uma outra sinceridade: aquela que devemos a nós próprios e à nossa própria expressão, naqueles momentos, como que revelados, de aceitação transcendente, demasiado áspera para ser lembrada todos os dias, mesmo em presença da poesia, e de objetividade em face do mundo, demasiado incómoda para as vantagens quotidianas de sermos apenas nós próprios.(pág.14)


Deixai que a vida sobre vós repouse
qual como só de vós é consentida
enquanto em vós o que não sois não ouse
erguê-la ao nada a que regressa a vida.
Que única seja, e uma vez mais aquela
que nunca veio e nunca foi perdida.

Deixai-a ser a que se não revela
senão no ardor de não supor iguais
seus olhos de pensá-la outra mais bela.

Deixai-a ser a que não volta mais,
a ansiosa, inadiável, insegura,
a que se esquece dos sinais fatais,

a que é do tempo a ideada formosura,
a que se encontra se se não procura.

“As Evidências” (1955)

Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade” J. de S.

Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinquenta anos reinaram neste país, e conta de tantos danos, de tantos crimes e enganos, chegava até à raiz.

Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha.

Tantos morreram sem ver o dia do despertar! Tantos sem poder saber com que letras escrever, com que palavras gritar!

Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha.

Essa paz de cemitério toda prisão ou censura. e o poder feito galdério, sem limite e sem cautério, todo embófio e sinecura.

Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha. Esses ricos sem vergonha, esses pobres sem futuro, essa emigração medonha, e a tristeza uma peçonha envenenando o ar puro.

Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha.

Essas guerra de além-mar gastando as armas e a gente, esse morrer e matar sem sinal de se acabar por política demente.

Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha.

Esse perder-se no mundo o nome de Portugal, essa amargura sem fundo, só miséria sem segundo, só desespero fatal.

Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinquenta anos durou esta eternidade, numa sombra de gusanos e em negócios de ciganos, entre mentira e maldade.

Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha.

Saem tanques para a rua, sai o povo logo atrás: estala enfim, altiva e nua, com força que não recua, a verdade mais veraz.

Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha.

JORGE DE SENA https://revolucaoparaiso.wordpress.com/tag/jorge-de-sena/


  • Para saber mais:

https://comunidadeculturaearte.com/a-liberdade-na-vida-e-obra-de-jorge-de-sena/

https://xdata.bookmarc.pt/gulbenkian/cl/pdfs/172/PT.FCG.RCL.8904.pdf

https://www.publico.pt/2009/09/11/jornal/o-regresso-de-jorge-de-sena-17772400