Difference between revisions of "Correia, Natália - Livros Proibidos"

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Natália Correia
Em 1966, já com três obras censuradas, Natália Correia já era persona non grata para o Estado Novo. Assim, a Edições Afrodite, na altura dirigida por ela, contava com uma atenção particular da PIDE, que se preparava a priori para proibir todas as obras que publicasse.

O poema dramático Comunicação (1959), publicado pela irreverente Contraponto de Luiz Pacheco, foi apreendido pela PIDE e apreciado pelo ofício censório deste modo: “A Autora quer referir-se, julgo, à condenação à morte da Poesia, no País. O introito, a forma derrotista como apresenta o Poema (felizmente não na íntegra!), a sensualidade, a libertinagem e a falta de senso moral bem verificados, levam sem sombra de dúvida, a não autorizar a sua circulação”. Natália Correia foi uma das escritoras mais perseguidas pela ditadura, tendo o seu correio constantemente violado e processos em tribunal pela sua actividade literária.

  • Comunicação

Em 1959, Natália Correia publicou Comunicação, a obra que iniciaria a sua longa lista de obras censuradas. Censurada pela PIDE em Outubro do mesmo ano, viria a ser apreendida em Novembro. O texto é uma peça teatral e um poema ao mesmo tempo.16/08/2019

  • A Feiticeira Cotovia

Cantei uma ária para te dar um teto
Bodas naturais de flor e de insecto
Que pousa na flor e fica casado

Passou um amante no voo directo
Dum corpo para a sua constelação
Com pena de ti roubei-lhe o trajecto
E pus-te uma pomba invisível na mão

Mas pela espiral da antiga insónia
Girou a voluta do crime secreto
De seres cortesã numa Babilónia
Que fechas à chave para ficar mais perto

E pelos abismos do teu ventre orgíaco
Errou o remorso da raça cobarde
Que nos abortou no círio elegíaco
Da nossa perdida Sodoma que arde



Inquisidor

São seios como venenos
São pernas com meias pretas
São os postais obscenos
Que fechamos nas gavetas

São as vigílias eróticas
Com que o demo nos assalta
São solteironas neuróticas
E o amante que lhes falta

São os truques insolentes
Dum prestidigitador…

Comunicação


  • A Feiticeira Cotovia


Ser navegador… Ser navegador
Não é termos sido é sermos ainda
É irmos a Vénus ou seja onde for
Espetar os cornos onde o espaço finda

É haver Camões como uma recolta
É haver Gil Vicente como um desafio
A esse Encoberto que nunca mais volta
Porque é o pretexto do nosso vazio

É Vasco da Gama mas sem biografia
Que sem biografia a lenda é o impulso
Da raça que cumpre a mitologia
De qualquer viagem que lhe forme o pulso

É ignorar que houve Aljubarrota
Porque Aljubarrota é ignorar
Perder a memória como uma gaivota
Ideia dum barco escrita no ar

É a liberdade como uma coroa
Florindo a inocência que na nossa fonte
Sendo como os bichos quer amar à toa
Sendo como os astros quer brilhar na fronte

Comunicação


O Vinho e a Lira, Natália CorreiaEdição fac-simile, Bela e o monstro, 2021

O Vinho e a Lira, edição de Fernando Ribeiro de Mello e parte da Colecção Saguir da referida editora, contou, assim, com censura por parte da polícia política.
A obra, composta por 43 poemas, viria a ser vilipendiada pela PIDE: no parecer de 6 de Junho de 1966, Joaquim Palhares viria a considerar que o seu valor literário era nulo. Ao mesmo tempo, seriam condenadas as expressões eróticas (“imorais”, diria o relator) presentes nos poemas.
A verdade é esta não era das obras mais atentatórias do conjunto de Natália: o seu carácter erótico não é particularmente relevante, principalmente se a compararmos à Antologia da Poesia Erótica e Satírica, e também não mexe nas estruturas do Estado Novo como O Homúnculo ou A Pécora.
https://www.esquerda.net/dossier/natalia-correia-censura-de-o-vinho-e-lira/62598
“O Vinho e a Lira” pag. 9-10

A oriente sou toda lira
exacta dérmica solar
biografo-me a desenho à pena
com a tinta da estrela polar.

À maternidade da pedra
restituo a casa a levante
e o teu sorriso é navegável
sem rápidos de ciúme e sangue.

Por esse lado tive infância
e derreto a neve das fotografias
destapando o quebra-luz
de uma tépida estampa de tias.

A meu oriente de polido mogno
meu verso tem cadeiras e o habito
com amigos e respiram os móveis
um sossego de folhas de eucalipto.

A sul se eriçam as crinas
se ateiam os cascos do meu verso esquino
druídica me visto de visco lunar
matéria friável de cânhamo e vinho

essa a minha álea de longifólias
acácias à velocidade do crime
por ela em teu coro linha de comboio
me deito à espera que o amor se aproxime

esse o meu jusante de minério e tirso
esse o meu amigo o que não conheço
essa a minha casa a quer não habito
minha alma estrela meu nenhum endereço.

O Vinho e a Lira, Natália Correia




“Poema Involuntário”Pág. 58

Decididamente a palavra
quer entrar no poema e dispõe
com caligráfica raiva
do que o poeta no poema põe

entretanto o poema subsiste
informal em teus olhos talvez
mas perdido se em precisa palavra
significas o que vês

virtualmente teus cabelos sabem
se espalhando avencas no travesseiro
que se eu digo prodigiosos cabelos
as insólitas flores que se abrem
não têm sua cor nem seu cheiro

finalmente vejo-te e sei que o mar
o pinheiro a nuvem valem a pena
e é assim que sem poetizar
se faz a si mesmo o poema.

“Poema Sáfaro” pág. 59

Todos os poemas são feitos
com o ouro das horas disponíveis
. Depois de penteado o poeta
das suas partes mais sensíveis
extrai um vapor de tristeza

e com essa matéria forma
a melancólica gentileza
de um hóspede a quem afaga
as mãos debaixo da mesa.

Fazer poemas enquanto se mata
durante a cópula quando faminto
esses nunca os vi fazer
.
A poesia é sempre em vez
mênstruo de alma uma vez por mês
sangrenta flor abortada
da natureza infecundada.


  • “Balada para um Homem na Multidão”pág.55

Este homem que entre a multidão
enternece por vezes destacar
é sempre o mesmo aqui ou no japão
a diferença é ele ignorar.

Muitos mortos foram necessários
para formar seus dentes um cabelo
vai movido por pés involuntários
e endoidece ser eu a percebê-lo.

Sentam-no à mesa de um café
num andaime ou sob um pinheiro
tanto faz desde que se esqueça
que é homem à espera que cresça
a árvore que dá dinheiro.

Alimentam-no do ar proibido
de um sonho que não é dele
não tem mais que esse frasco de vidro
para fechar a estrela do norte.
E só o seu corpo abolido
lhe pertence na hora da morte.


  • “Uma Laranja para Alberto Caeiro”pág.52


Venho simplesmente dizer
que uma laranja é uma laranja
e comove saber que não é ave

se o fosse não seriam ambas
uma só coisa volátil e doce
de que a ave é o impulso de partir
e a laranja o instinto de ficar.

Não sei de nada mais eterno
do que haver sempre uma só coisa
e ela ser muitas e diferentes
e cada coisa ternamente ocupar
só o espaço que pode rodeada
pelo espaço que a pode rodear.

Sei que depois da laranja
a laranja poderá ser até
mesmo laranja se necessária
mas cada vez que o for
sê-lo-á rigorosamente
como se de laranja fosse
a exacta fome inadiável.

De ser laranja gomo a gomo
o íntimo pomo se enternece
e não cabe em si de amor
embriagada de saber
que a sua morte nos será doce.


O Vinho e a Lira, Natália Correia

Para saber mais https://expresso.pt/cultura/2019-05-11-O-livro-que-levou-Natalia-ao-tribunal CensuraAntologiaNatália.JPG