Difference between revisions of "Penedo, Leão"
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+ | «A tísica é a doença da fome», dissera o compadre Tomás. E era, sim senhor. Sem farturas de dinheiro, que há-de um pobre fazer senão apertar a barriga? Lembrava -se perfeitamente do António Ricardo, sadio, a vender saúde. Enquanto conheceu trabalho certo, muito bem; lindas cores na cara. Depois, bastaram dois anos de dificuldades para ficar reduzido à pele e aos ossos. Bacias de sangue umas atrás das outras, e lá se foi ele, António Ricardo, e logo a seguir os cinco filhos, três rapazes e duas raparigas, uma delas de quinze anos, bonita e de olhos azuis como um anjo. «E assim se desfaz uma casa», pensava a Rita. Restou a mulher, sim, restou, mas o que é uma mu lher sozinha dentro de quatro paredes, uma mulher que já foi mãe e que assistiu à partida do marido e dos filhos sem nada conseguir fazer por eles? | ||
+ | Com o sonho na estiva, o China não falava doutra coisa: | ||
+ | - Para o mês que vem, hã, mãe? Ela calada. Percebendo descontentamento nos silêncios da mãe, o rapaz, em vez da estiva, passou a referir-se apenas ao dinheiro que contava ganhar. | ||
+ | - Com o dinheiro da primeira jorna compro-lhe um xaile de lã. Não acha bem? | ||
+ | - Acho, sim ... -- dizia a Rita; faltas de dinheiro tinha-as e de que maneira, mas o seu filho na estiva, senhores, isso não, não e não! | ||
+ | O Manel ria-se à sucapa das maluqueiras do irmão: | ||
+ | – Se calhar cuidas que te vão contar todos os dias! És parvo! | ||
+ | - Não sei porquê! Desde que eu trabalhe bem e não refile com os encarregados! ... | ||
+ | Com o Manel em casa, era raro o momento em que não discutiam, cada um com o seu feitio, e a mãe de permeio, inquieta, a deitar água na fervura: | ||
+ | - Está bem, está bem! Guardem isso para mais tarde! | ||
+ | Pareciam cão e gato à bulha. Às vezes, o Manel ameaçava o irmão com duas bofetadas. | ||
+ | - Atreve-te! - exclamava a Rita. -- Atreve-te e logo vês! (pp. 104-105)<br /> | ||
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*'''Notas Biográficas'''<br /> | *'''Notas Biográficas'''<br /> |
Revision as of 11:19, 16 May 2022
- Leão do Nascimento Penedo
Faro, 13/08/1916 - Lisboa, 22/01/1976
Escritor. Jornalista. Argumentista.
Para ver "Dom Roberto" clique aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=Lv8N3AsnbFg
Para ver "Saltimbancos" clique aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=aXZfGKl8KDI
Para ver "Sonhar é Fácil" clique aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=hwtbPv8wfvo
Caminhada
«A tísica é a doença da fome», dissera o compadre Tomás. E era, sim senhor. Sem farturas de dinheiro, que há-de um pobre fazer senão apertar a barriga? Lembrava -se perfeitamente do António Ricardo, sadio, a vender saúde. Enquanto conheceu trabalho certo, muito bem; lindas cores na cara. Depois, bastaram dois anos de dificuldades para ficar reduzido à pele e aos ossos. Bacias de sangue umas atrás das outras, e lá se foi ele, António Ricardo, e logo a seguir os cinco filhos, três rapazes e duas raparigas, uma delas de quinze anos, bonita e de olhos azuis como um anjo. «E assim se desfaz uma casa», pensava a Rita. Restou a mulher, sim, restou, mas o que é uma mu lher sozinha dentro de quatro paredes, uma mulher que já foi mãe e que assistiu à partida do marido e dos filhos sem nada conseguir fazer por eles?
Com o sonho na estiva, o China não falava doutra coisa:
- Para o mês que vem, hã, mãe? Ela calada. Percebendo descontentamento nos silêncios da mãe, o rapaz, em vez da estiva, passou a referir-se apenas ao dinheiro que contava ganhar.
- Com o dinheiro da primeira jorna compro-lhe um xaile de lã. Não acha bem?
- Acho, sim ... -- dizia a Rita; faltas de dinheiro tinha-as e de que maneira, mas o seu filho na estiva, senhores, isso não, não e não!
O Manel ria-se à sucapa das maluqueiras do irmão:
– Se calhar cuidas que te vão contar todos os dias! És parvo!
- Não sei porquê! Desde que eu trabalhe bem e não refile com os encarregados! ...
Com o Manel em casa, era raro o momento em que não discutiam, cada um com o seu feitio, e a mãe de permeio, inquieta, a deitar água na fervura:
- Está bem, está bem! Guardem isso para mais tarde!
Pareciam cão e gato à bulha. Às vezes, o Manel ameaçava o irmão com duas bofetadas.
- Atreve-te! - exclamava a Rita. -- Atreve-te e logo vês! (pp. 104-105)
- Notas Biográficas
Leão Penedo frequentou o Liceu de Faro que concluiu com distinção, seguindo depois para Lisboa e ali se tornou jornalista e escritor de mérito. Este farense que, conjuntamente com outros algarvios, integrou o movimento neorrealista, como Assis Esperança (Faro), Manuel do Nascimento (Monchique) e Vicente Campinas (Vila Real de Santo António), destacou-se em diversos géneros literários como a novela e o romance, e ainda no teatro e o cinema, como argumentista. A sua obra impregnada de realismo faz de Leão Penedo um dos mais ativos algarvios do neorrealismo tendo-a utilizado para denunciar situações de miséria e de opressão social. É autor, entre outros livros, de “Multidão”, (1942), “Caminhada” (1943), “Circo” ( 1946), “A Raiz e o Vento” ( 1954), e de argumentos adaptados para o cinema que deram origem a diversos filmes, como o “Circo” transformado em Saltimbancos, com os atores Raul Semedo e Maria Olguim, como protagonistas e "Sonhar é Fácil", com os atores António Silva e Laura Alves, entre outras obras que foram surgindo.
Leão Penedo destacou-se pela frontalidade e pela denúncia de um regime de imposição que mascarava a realidade social, política e económica que se vivia em Portugal. O seu espólio encontra-se no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira e integra o toponímia da cidade de Faro.
- Excerto de "O Algarve e o Cinema" de Roberto Nobre
A febre de cinema, que percorreu o país, contagiou cá no sul um rapazito magro e alto, narigudo e muito pálido, que tinha óculos, desenhava bonecos e rabiscava artiguelhos nas gazetas. Esse rapazola, que era um mau aluno no liceu, escrevia com o seu francês muito mal aprendido na aula do Dr. Dentinho à Casa Pathé, de Paris, a pedir preços de máquinas e outros artigos de filmar. Aquela respondia-lhe através da sua agência de Barcelona – e a sua insistência tornou-se lá tão conhecida que já lhe diziam nas respostas: “Fazemos votos que, desta vez, as nossas condições lhe venham a agradar...” Ora, talvez os preços deles não fossem muito caros, mas a bolsa do rapaz é que era muito pequena. No entanto, como sonhar não custa dinheiro, esse rapazote organizara in mente tudo, já pelo menos o que julgava principal: o desenho da nova grande marca e o título da nova importante produtora. A marca seria um golfinho e o título Gharb-Film. Escuso de lhes lembrar que o al-, que no árabe prece¬de a palavra gharb, é o artigo definido. O nosso rapazola, então, sabia da língua árabe quase tanto como de francês. “Gharb”, assim só, tal como o Reino de Chencir, simbolizava a nossa rica província moura. Antes, é claro, deste nosso Reino do Algarve ter sido invadido pelos bárbaros vindos do norte, descendentes dos visigodos, que depois nos subjugaram e ainda hoje nos dominam. Somos um país anexado.
Era em nome dessa inexistente grande empresa, a Gharb-Film, que o rapaz se carteava com a sua “congénere” Pathé Frères. Enquanto não vinham as respostas, ia remoendo as dec1inações de latim do Padre Guedes e tentando compreender para que lhe serviriam a ele, grande homem do cinema, as tábuas dos logaritmos.
in: https://sites.google.com/site/robertonobrelegado/home/o-algarve-e-o-cinema
- Bibliografia:
- A vida de Edison (coautoria com Gentil Marques) (1941)
- O filho também roubou! (coautoria com Gentil Marques) (1941)
- A Tortura da Carne (coautoria com Gentil Marques) (1941)
- Multidão (1942)
- Caminhada (1943)
- Circo (1946)
- A Raiz e o Vento (1954)
- O Homem Enjaulado (s.d.)
- Thomas Edison, o Pequeno Génio (coautoria com Gentil Marques) (1958)
- D. Roberto (1962)
- Filmografia:
- Saltimbancos (1952) (adaptação do "Circo" com argumento de Leão Penedo e realização de Manuel Guimarães)
- Sonhar é Fácil (1952) (co-autoria do argumento do filme de Perdigão Queiroga)
- Dom Roberto (1962) (argumento de Leão Penedo com realização de Ernesto de Sousa)